de repente o meu filho estende-me uma agulha enfiada. sabe que os meus
olhos precisam de braços compridos para pôr linhas em buracos tão
pequenos. mãe, coze-me estes rasgões nas calças. e vejo buracos que
precisam de cuidadas cerziduras. como as antigas. a príncipio recuso.
depois enfeitiço-me pelo bordado. e teço as linhas que faltam
substituindo as puídas pelo uso. e páro no sossego que me leva aos
tempos em que ainda menina aprendia os primeiros pontos. como quem
aprende as primeiras letras.
desde
menina andei pelos lavores. era assim que se formavam as meninas no
nosso tempo. saía da primária e os tempos livres eram passados em casa
de gente prendada nos bordados. em casa tinha outros ofícios. a alguns
aprendi o jeito a outros tomei-lhe o gosto. ainda outros ficaram nas
esquinas das memórias que para meu espanto acordam quando lhes retomo os
caminhos. há quem diga que os genes têm baus ancorados com chaves que
de vez em quando podemos abrir. eu tive essa sorte com o baú que minha
mãe mesmo longe me deixou. uma mulher que fazia magia com as mãos. não
lhe chego nem a um terço de altura! mas a semente tem aqui um lugar.
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