terça-feira, 27 de setembro de 2011

O recado

Dobrou em quatro meticulosamente. Canto no canto, como se fizesse uma dobragem chinesa.
Origami.

Vieram-lhe à cabeça as pombas. Nem sabia porque eram as pombas de que se lembrara naquela altura. Odiava quando invadiam as praças da cidade que amava e largavam nas esplanadas por cima das mesas, nas cabeças ou nos braços de incautos, os dejectos.
Ah, as crianças e o milho. As correrias para as fazer voar e os fotógrafos de fim de semana a tentar apanhá-las na fotografia do dia. Que irritação!

Meteu o papel no bolso da camisa. Tinha comprado a camisa com ela. Experimenta esta, aposto que o verde te vai ficar bem! Nunca gostara de verde. Mas dela, gostava muito. Comprou a camisa sem hesitação.
Era o que restava dela.
A camisa. O dia em que tudo acontecera e agora aquele recado deixado na caixa do correio. Não sabia de há quanto tempo.
Ninguém recebe cartas de ninguém.

Apeteceu-lhe um café e um cigarro. Pegou na saudade e ao som da música duma rádio qualquer guiou até onde a vontade quis. Parou. Do papel dobrado no bolso fez um avião. Pôs-lhe cuspo na ponta e atirou-o ao ar.
Virou-lhe as costas ainda antes de o ver cair. O cigarro esperava-o, o café também.

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