segunda-feira, 26 de novembro de 2012

talvez



há no fundo dum copo,
talvez,
o esquecimento
dos dias
que a noite,
ainda menina,
arrasta no brilho dos olhos
a prometer
sonhos abandonados.

sábado, 24 de novembro de 2012

até


do arregalado peito, o sopro onde guarda os últimos tesouros. nesta força de gente pequena, sobra a vontade que lhe rebenta os olhos na ânsia de um tudo-nada, abraçar. agora, que tudo lhe tiram, os sonhos, dormem também noutros lugares. restam-lhe os gritos que embala até o balão rebentar.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

assim, sou eu




numa mão, um saco cheio.
de ilusão.
na outra,
um saco cheio, da falta
enorme
do pão.
ao espelho, devagar
sumir a pó branco
a dor.
colorir o riso
onde mora a lágrima
e fazer do desajeitado gesto
o bailado
mais feliz do universo.

assim, sou eu.


terça-feira, 20 de novembro de 2012

a terra




são de calos torcidos,
os troncos, braços ao céu
erguidos
de calor a rebentar
e na terra, o suor
dos corpos cansados
a domar os montes
e a fazê-los
mansos
no chiar da enxada.
terra possuída
a fazer-se fruto
ventre desgastado
por força e ternura.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

mar





...
e estendo
este olhar que sem aviso,
rascunha nesse teu
papel ainda virgem
a voz que me descai
das janelas abertas
destes olhos
que te sabem o sal
das incertezas.

caminhos



há uma estrada neste novelo
que ainda agora teci.
e estes dedos bravios
de já negarem
as vontades a crescer,
apesar de tardarem
na lentidão dos gestos,
bordam caminhos
pedindo à ternura
que os aqueça, no tempero
que o brilho dos olhos frescos,
nas manhãs espreguiçadas
do teu regaço,
prometem.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

memórias


pesa-me nesta nudez que agora
visto,
a pele rugosa das memórias
que há muito esqueci
amortalhadas em esguios esquifes,
em rios de mármore
arrecadados,
sete pés abaixo dos meus,
calcados no fundo do tempo
de lembrar.

chuvas que não peço, inundam
este corpo sem destino.
e afundo-me,
em sítios aonde me quero
ao voltar.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

that is love



é a visão antiga do teu olhar,
pressentido no arrepio a toldar-me os sentidos,
de costas voltadas para ti
que hoje
calca a minha sombra
e me faz olhar para traz.

nevoeiros




acordaram embriagadas as manhãs.
embrulhadas em sonos que nunca
amansaram os medos
nos colos que os dias tirados
a ferros
pelos trabalhos sempre à espera
há muito levaram do catre humedecido.
lá fora caem cortinas, onde
os sonhos se desenham e a morrinha
escorre na mesma água
que transparece em todos os olhares.
e nada lhes sacia a sede de voar.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

farsa





em todos os caminhos
ponho os meus pés
na certeza de os
balançar em compassos
alternados
como se fossem
os dias a acontecer.
mas vergam-se as costas
no peso da dúvida
que olhos cansados
não deixam mais ver.

(há um pássaro ferido,
de asa partida,

na janela fechada
a fazer-se luz.)

let's get lost

esquece as fronteiras,
os muros, as portas.
esquece os medos, as dúvidas,
as ânsias.
esquece o que foste e para
onde vais.
esquece as noites
carregadas de sonhos
e pesadelos a cerrarem
algemas na vontade
que o tempo esculpiu
a quente
nesse coração.

ouve o ritmo batido
e entoa-lhe a canção.
let´s get lost,
pois então!

terça-feira, 13 de novembro de 2012

as gaivotas




diziam que o peixe acabara
mas a fome, não.
que o dia estava a meio
mas a fome, não.
falavam um dialeto estranho
mas a fome, não.
voavam de asas aberta
mas a fome, não.
às vezes voavam para o meio do mar
mas a fome, não.
outras vezes descansavam no areal
mas a fome, não.
no entanto faziam uma ou duas coisas
que lhe lembravam a fome
que trazia cozida no bolso abaixo
do coração
uma gritaria enorme
que lhe espantava a alma
e lhe rebentava os tímpanos
da fraqueza que trazia
amarrada
aos braços de onde lhe pendiam
inúteis mãos.

o teu rio




diz-me o teu rio
de águas livres, aqui na foz,
de asa aberta
toda a bravura, ainda inteira,
de cada gota
a fazer-se espuma.
ouço-lhe as vozes
que sinto minhas,
como se fossem eco,
de mim.

deixo-o então, entrar-me dentro.
somos só um,
num frémito de liberdade.

domingo, 11 de novembro de 2012

a casa




uma flor de pétalas
amarelas
ali, insuspeita.
um pássaro, de asas pardas,
de ninho
desfeito perdido no chão.
a casa vazia onde sobram
ausências
de riso e de pão.

meus dedos




meus dedos são ralos
na pele do dia
que me atravessa o corpo
ainda nu
a despertar trôpego
da vencida noite
onde os sonhos
se perdem onde os encontro
neste mesmo rio
onde afundo
as mãos e me despeço
de quanto já se foi
enquanto escrevo
pelos dedos (ralos)
que tudo deixam
escapar

sábado, 10 de novembro de 2012

hoje




hoje, espreitei o futuro
nas palavras,
todas, que arrecadei.
tinha na semente da minha voz
outras,
de que agora não sei.
ficou-me um gemido a cantar
melodias que embalo
neste dia que não promete sol
que germine
a soletrada esperança
a definhar.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

without regrets




que pássaros terão levado de mim, as memórias que me fazem arder os olhos para assim, a doer deixarem verter esse mar de angústias apertadas no sufoco de não ter onde desembarcar?

talvez respire há muito o vapor desse whisky que já nem lembro o cheiro por me ter feito secar muitos mares. em tempos que agora procuro e nem sei porquê.

temo ter-me já habituado a perder. saber mais certo deixar que encontrar. e viver dia a dia na possibilidade de tudo e nada acontecer, mas pelo frágil momento de nos passar pelas mãos. nada mais.

e nesse desassossego. sou o que o tempo me traz e leva, inconstante, constantemente. without regrets.
e as saudades, são um país onde não moro.

mas, também chove dentro deste arritmado peito. da mesma forma que faz sol nos meus olhos mesmo que brilhe o sal de alguma lágrima.

cegueira




estes  desenhos que nascem
das sombras
e acendem os medos
são afinal,
a inocência adiada
na inadvertida cegueira
das respostas
que procuramos na luz
que só ofusca
e nada
traz para além do brilho
que também se apaga.


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

às vezes






às vezes espreita-se a beleza
arrecadada
nos sítios mais
esconsos e inatingíveis.
inteira e pura
como só ela sabe ser.


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

mesmo




mesmo que seja de indiferença
o olhar que me veste
é só uma pele
que a noite me tira no vagar
com que me deito
já farta
de me fazer distante
nesta lonjura
onde só me sou
perto.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

engano




quem disse que hoje, as chuvas
regaram as plantas dos teus
passos,
desenhados no desalento
dos caminhos
por onde andaste?

foi o parapeito desta fonte
onde calaste a tua sede
que transbordou
na falta dos teus lábios,

isso sim.



segunda-feira, 5 de novembro de 2012

em caracol


cada degrau tinha
um nome
que se arrastava
na subida,
ao fim do dia.
do fôlego gasto
entre as baforadas
do cigarro amanhado
pelos dedos amarelos
que te sentem
o frio suor
a escorrer parede abaixo,
foi-se a memória
das palavras arrecadadas
nestes ouvidos moucos
que se perdem
de não te ouvir.

há caracóis mais lestos
que o andar
destas pernas.

é tão longe
o teu poisar.

a fotografia




era um cavalinho de pau
e um laço nas tranças que escorregavam
do alto das perguntas
onde os olhos comiam
os horizontes que não
continham
o mar a crescer
cheio de ondas
onde os meus barcos
só queriam partir.

e o cavalinho
galopou para longe
virando o meu mundo de pernas para o ar
na caixa de pau
que por lá ficou.


sexta-feira, 2 de novembro de 2012

talvez





talvez,
quando aqui soarem os últimos
dias,
talvez aí,
se descubram no velho tear,
as caligrafias antigas
que no ventre
da terra
se fizeram palavra.

e saiba então,
dar voz
a esta ânsia
que dentro de mim
navega.

talvez.