quarta-feira, 1 de novembro de 2017

o amor

o amor nasce muitas vezes. da mesma forma que os dias nascem. sem futuros anunciados, sem antevisões e até sem que haja vontade. nasce impiedosamente. até que morre. para nascer de novo.o amor.

lonjuras

Não te sinto a pele. Nem a voz. Perdi-te o rasto. Há nos meus olhos ausências. Só. E esta fome enorme que me consome o ar. As lonjuras vivem dentro de mim. Um deserto antigo sedento d'águas .

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

o tempo

Passa-me pelos dedos o tempo. Inexoravelmente. Mesmo que tranque os punhos. Há ânsias de vida na palma das mãos.

esquecido

Esquecido. De mim. Pelos outros. Sou nada. Se nem nome tenho. Já não falam de mim os lábios onde a minha sede morou. Secos estão os rios onde me fiz raiz.
Sou exilado desse país onde habitam as memórias. E feneço.

silêncio

Um minuto de silêncio. Um minuto apenas. Sessenta segundos contados no rigor dos ponteiros. E um dilúvio a correr dos olhos com a força que os dias pedem. Todas as imagens se atropelam. Um ror de histórias por contar. E vidas decepadas na raiz. Há silêncios que doem mais que tumultos. A luz acesa e viva não deixa que a memória se apague. E é tudo que fica. Silêncio e memória.


granito

O granito não deixa nos rostos a marca agreste da sua rudeza. Toda a força se entrega nos braços. E a terra acostumada ao jeito deixa -se domar. Ao invés do tempo. Sempre contrário às vontades de quem semeia. No rosto desenha-se a esperança de quem sabe que os dias trarão o que lhes aprouver. Então os homens plantam nos entremeios sorrisos.

a ponte

A ponte une as margens. Como agulha junta pelas bordas no mais apertado ponto estes caminhos. Que se afundam em precipícios na falta de tecedura.

os lugares

Os lugares acabam. Na linha que os olhos alcançam. Ainda que pespontados ao que lhes está para vir. Em segredo.

O segredo


Guardo o segredo. Da força inenarrável da semente. Do ninho indomável da raiz. Da vontade insuspeita da folha.
Do mistério insondável da vida.
Um segredo. Uma promessa.
A esperança.

Entre a luz e a escuridão

Há quem acolha a escuridão. 
Há quem procure a luz. 
E nenhum está errado. 

O erro está na permanência. 

O sucesso na mudança. 
Tranquila, 
necessária. 


Vital.



Entre os dedos



Entre os dedos o instante do vazio. O precipício. E a vontade. Em queda.Entre os dedos as sombras. Adormecidas. E a surpresa de ser luz. A bordar a pele.


Como se fosse sua


Como se lhe pertencesse.
Acolheu-a inteira nas suas mãos. Que no peito não cabia. Tão grande que era. Tanto que doía.
Como se não fosse doutra pessoa. E nela sangrasse a ferida aberta. Abrupta. Imprevista.

Como se fosse sua. E foi o mesmo sal que lhes desceu aos lábios. Mudos.


Aguenta-te

Aguenta-te. Ainda que retalhada. Como os dias. Em fatias. Cerzidos um a um. Pela agrura das linhas que te apertam as mãos. Aguenta-te.

Tempestaddes


Tempestades. Não as pedimos. Nunca as queremos. Erguemos altares a pedir bonança. Sempre. Dentro e fora de nós. E inevitavelmente correm dilúvios do peito mais deserto. Cansado de abandonos.
De nada servem os altares. Ou as preces.


O vazio


Tenho na mão todas as visões. E o vazio a ferir.me a pele.

Os dias somem-nos


Os dias somem-se. Agora que as somas doem mais que as esperas. Somem-se consumindo o pouco que sobra. A voz que mal se ouve. Perdida na pouca força. As palavras enroladas na maldita roda da vida que a desgastou. E a memória ausente num país de névoas a morder a língua. E tudo pára aqui. Ainda que a vontade seja outra. E se a dor não for a razão, basta morar aqui, longe de tudo, e some-se junto com os dias. Aquilo que somos.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Recuso-me

Ah. Recuso-me a seguir a estrada. A margem é a casa dos meus passos. Sou alheio à corrente. Haja força nos braços. Habita-me a estranheza de aqui não pertencer.

Filha

É em ti que penso. Que outra coisa não sei fazer. Nesta lonjura que agora nos liga.
Filha. Cresce no mundo ligada ao coração da mãe. Como os ais. Sopros que nos levam o ar que atormenta o peito. Para podermos respirar. E voltamos a engolir.
Filha. Do ninho ao voo.
É em ti que penso. Que outra coisa não sei fazer.

Despedidas

nunca achamos tarde a hora da despedida. tarde é nunca mais chegar, nunca mais crescer ou alcançar. tudo o mais é cedo.
demasiado cedo quando se diz adeus. para sempre

Não me escondo

Não me escondo. Nem disfarço as dores. O meu corpo desenha a coreografia imperfeita da vida que carrego. Ainda que no esboço do sorriso que te dou se aventure um futuro. Teimoso de acontecer.

...

Choves-me. Cais-me fria nas mãos. Como se as primaveras tivessem perdido as asas. Longe. No colo dos sonhos. Abortados. Choves-me. Prenhe de invernias.

...

No teu colo o vazio. Onde estendo os meus braços. Na sementeira da esperança. Que outra coisa não sei fazer. Digo-te que tudo vai correr bem. E rezo como se fosse o remédio de todas as coisas.
Amanhã é o princípio de todos os dias. De todos os sonhos. Deixa que aqui guarde todas as tuas dores. Longe de ti.

As minhas mãos estão habituadas a semear. Aprenderão a rezar. E da sementeira virá a

Os mortos

os mortos batem-me à porta. vivos. acesos nas minhas mãos. inteiros aos meus olhos. e sou porta aberta. casa sua. morada para sempre deles. não há partidas quando não se vai. não há regressos quando se fica. e a casa abarrota de tanta ausência.
não sei de que lado batem. se de dentro, se de fora. mas os meus ouvidos não deixam de os ouvir. e acho até que no meu coração vivem mais corações. que ele bate por mil.
são os meus mortos, que me querem bem. penso eu.

Quero

Quero o tempo inteiro nas minhas mãos. Do tamanho que os meus olhos lembram e o peito arrecada. Mesmo que se escorra, emudecido, por entre os dedos gastos. O chão lhe dará plantio. E não esquecerei o caminho para casa.

A tua vida

A tua vida é isto. Soprada dum fôlego só. As cores inventa-las tu. Os pincéis estão nas tuas mãos. Não deixes que outros te pintem os sonhos ou rasguem as telas. Nesse sopro em que cabes inteiro só a tua respiração tem morada. Dum fôlego só.

...

Perdemo-nos das razões. E ficaram tatuadas na pele todas as decisões que tomamos. A lembrar o que esquecemos.

Alheados

Alheados de tudo. Escondidos no silêncio. Como se remédio fosse. Para a doença incurável a que chamam vida.

Inteiros

Feitos de todas as coisas. Mesmo daquelas que rejeitámos. Inteiros. Mesmo que de pedaços. Que a pele lavrada ajeita.

Sinais

Sinais. Que não devemos ignorar.
Mesmo que ocultos ao primeiro olhar. São eles as bermas dos caminhos por que andamos. Como margens dum rio. Guardiães de tudo quanto somos e temos dentro de nós.

Os dias

Os dias repetem-se. Incessantemente. Até nos cansarmos de os contar. Ou de nos perdermos na conta. Desnorteados. Depois vertem-se no último suspiro. Onde tudo cabe. Até o desespero de já nada ter para os nomear. Porque de nada servem os dias se não os enchemos de palavras. Ainda que repartidas por silêncios. Onde os nomes nascem. Como o teu.

Longe

A pele secou. Longe do rio da tua boca.  Neste deserto somam -se ausência dos teus olhos. Lugares onde as dunas nascem. Agrestes.

Tudo é novo

Saio à rua. Como dantes. E tudo é novo. Os velhos caminhos ensinam- me novos passos. Que já não sei dar. Por aqui as bermas aplanam-se. E eu descanso. Todos os degraus são sobressalto. Ah e sair deste velho ninho é um degredo a que não me atrevo. Valham-me as pernas alheias a que já me acostumei. Onde pouso o meu corpo gasto mas prenhe de vida. Ainda.

Os dias

Escreve. Sem receio. Os dias são telas rasas. Famintas das tuas letras.

Todo o mal

O dia escorria azul. Sereno e cálido. Como há muito não acontecia. E a festa fazia-se. Por si só. A vida tem destas coisas. Todo o mal se pode esquecer quando o sol nos aquece o rosto.

Tarde demais

Sabemos tarde demais que os momentos são apenas isso: momentos. Sabemos tarde demais que desperdiçamos muitos dos que passam por nós. E corremos vorazes à procura deles. Como se os pudéssemos ainda arrecadar. E fazer deles a memória que então rejeitámos. Loucos. Somos loucos. Que nos perdemos do que agora sabemos importante. E amealhamos vazios que nos enchem o peito de ar.

Não há só um caminho

Não há só um caminho. Todos o sabem. Mas há um que melhor se acostuma aos passos. E se alinha na direção dos olhos habituados. Um por onde todos passam, sem perguntas. Vão por onde viram andar. E basta-lhes. Nada mais pedem na viagem. Que não lhes traga sobressalto. Mesmo que mais nada vejam do que foi visto.
A aventura dos demais caminhos é dos bravos. Ou dos loucos. Que se lançam à descoberta da vida.