segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

cais

nunca os lugares parem gemendo onde a morte pariu despedidas repentinas. porque todos os sítios são cais mesmo que os barcos demorem por serem fracos os ventos e tímidas as estrelas quando se recolhem no xaile negro da noite.

domingo, 29 de dezembro de 2013

amar-te

amar-te. de todas as convulsões, serenar-te. ser a planície onde te albergo os medos. e o vento onde voam, longe os negros sonhos que te aclaram as noites . no espelho alvo onde me vejo. pertencer.

sábado, 28 de dezembro de 2013

fazer um ramo


fazer um ramo. e deixá-lo pendurado a um canto. esquecê-lo? nunca! apenas deixá-lo assentar cui da do sa men te naquele lugar. espalhar os cheiros sem que lhe caiam as pétalas e deixar amadurecer a cor. no passar dos dias. deixar que os nomes cresçam, como se lhe estivessem destinados e nunca a raiz se tivesse quebrado. um só olhar bastasse para voltar aos lugares que mesmo sem tempo contariam as histórias que ficaram entre nós. guardadas. apesar de vagamente esquecidas, os lugares permanecem testemunhas. silenciosas. cúmplices das nossas vidas. em pousio, atadas por fios improvisados em laços que ora ficam, ora caem. ficam assim as paredes menos vazias ou mais cheias.

fazer um ramo. e deixá-lo pendurado a um canto. do peito.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

regresso


talvez lhe guardasse a espera. se elas se guardam. enfileiradas que se aprumam nos dias. uma a uma. sem que lhes desse a conta certa. umas vezes parecia-se sumir. poucas crescer ao que já era. talvez por isso nem desfiasse o corropio das memórias atafulhadas a pedirem-lhe sossego. talvez.
e ela estendia-se aos pés. dele. travando-lhe os passos. num últmo bocejo. desembrulhando o rio bravo, agora livre. fecharam-lhe os olhos. e dentro dele tudo se tornou claro. regressava a casa.


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

margarida



o sol nasce-me. mesmo que chova por aí. nasce neste olhar. onde me perco. de te encontrar. aqui dentro de mim. mesmo que já longe e feita mulher noutros caminhos. por onde já nem passo e nem sei. e ainda estremeço como dantes. e sempre. coisas de barriga feita de manteiga ou a pulsar como mil corações, tantas as vezes que cuida o meu pensar de ti. e a vontade de te aninhar em mim. ah saber-te minha e já do mundo. e não ter mão em quanto de mal te fazem para te poder guardar... filha minha. tesouro que a ninguém entrego. embora livre sejas nas asas que para ti bordei.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

be(e)thoven

nascer. da semente mostrar o fruto. a cor, o cheiro, o sabor. e a voz. que mesmo muda se escreve. no jeito de nascer que a pele arrepiada nos denuncia. ainda que de nada saibamos. e tudo seja para sempre novo. mesmo de há muito tempo. como se viajasse encostado a esta forma de perceber que nos deixa calados. de tanta palavra nos crescer onde só o silêncio diz tudo. ou esta maneira assim martelada a preceito onde se esconde o que sabe de nós. e nos (en)canta. porque é feita por gente com multidões dentro. que nunca dormem. na espera de se ouvirem na flor de acontecer.

domingo, 15 de dezembro de 2013

pele



pele, papel afinal
um dia a romper-se no puído
das dobras onde não se escreve
mais.
pele que inteira me
cobre
e onde me sou
em sinais que os dias
me devolvem nas  linhas
que escrevem até que o tempo
lhes corte as mãos.
porque a história do que sou
me está na pele.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

apenas

nos teus braços, ser apenas o que a música escreve. e tu lês. em ausência de pautas. sobramos onde a brancura das linhas te pede as mãos. plenas de acontecer.

sábado, 7 de dezembro de 2013

pássaro

Joaquim Lourenço

sol.
como se primavera
fosse.
e um chlireio dos teus lábios.
voz
de pássaro em palavras de voo
livre.
incessante é esta fome
que a terra alberga.
e a semente
que o colo embala.
flor de cheiro.
onde embriagada
me sou.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

gosto tanto de ti

 
 pintura de Kenne Gregoire, pintora holandesa
nunca te sei a cor da roupa. nem sei se te enfeitam os colares. pouco me importa a altura da saia ou até mesmo se o decote dessa blusa se abre um pouco mais aos olhos de quem passa. é o teu corpo que abraço, mesmo longe, mesmo cego. esse que sei na memória dos dedos e dos cheiros. nada mais trago ao encontro do meu peito mesmo que o frio seja a taça que se erga na mesa em que te deito e me aconchego.
conheço-te os degradés na planície do teu corpo. as faces rosadas e a lividez. o espanto e o riso. os sinais, em todos os lugares. as datas de todas as rugas. que vejo desenhar.e percorro com os dedos os rios que nascem na tua pele, devagar. até ao fundo do mar. onde nos deixamos afundar. contei até 551 os teus cabelos de prata. e desisti. conto os pretos à espera de os ver partir. 


gosto tanto do que sei de ti. para que hei-de saber dessas coisas que só os outros julgam saber na aparência de te olhar?

começar o dia


dia. a começar com o coração a bater. antes doutra coisa acontecer. suspender no alto até rebentar nas mãos em gotas grossas o dilúvio do que acontece sem pedir. na surpresa que o espanto não pede nestes olhos de criança que guardamos num canto pequenino, ainda ninho, de nós. até lá, abrir a boca ao canto dos pássaros e solfejá-lo com os passos que damos. devagar para não topeçar. e não nos preguem rasteiras.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

por todas as vezes



de todas as vezes e nem as contei, de todas as vezes te quis sempre mais. ainda que pouco, ainda que tarde ou mesmo que triste. era ter-te aqui no esguio dos dedos. um frágil tecer, breve remedeio nesta pele puída.

por onde agora faltam as tuas agulhas. em tantas e todas as vezes que não contarei.

domingo, 1 de dezembro de 2013

partir


partir
de sítios onde inteiros ficámos
por nada mais sabemos fazer.
partir
na sombra de bocados
que de nós entregámos
para nada ter.
partir.

partir, apenas
para dentro de mim.

sábado, 30 de novembro de 2013

um instante



um instante, a soma da minha vida.
inteira.
porque sou a solidão.
vazia de me fazer onde não existo.
nunca.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

ausências

as ausências ficaram-me para sempre.  de tudo e de nada. inexplicavelmente. como se impossível fosse tapar o que elas abrissem. esse espaço onde tudo falta. e nem todas as palavras, todos os possíveis gestos, as invariáveis promessas, ocultassem o vazio que tão cheio me transborda corpo fora. em quase tudo e para um tempo que não peço.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

agora



agora. neste socalco que lavro tangendo o tempo bravo, vou. esperam por mim ervas do demo, todos os dias. a rebentar-me nas palmas das mãos. abertas neste chão onde me debruço a pedir folhas verdes, fortes na vontade de rebentar onde tudo já morreu. e eu ainda resisto. faminta deste sol que me despe as invernias de tanto não ter. e tudo ainda desejar.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

desta terra

desta terra, restam lamentos nas margens dum tempo abandonado. castradas as mãos das sementes paridas na fonte desses lábios. onde crescem abismos e o teu nome ecoa. desmemoriado. como se nada fosse para além da noite que lhe fecha os olhos. humedecidos.

restos

sobram-me restos desta noite. encarcerados na violência onde só a dor conhece todos os cantos. mesmo que a escuridão lhe tolde os olhos. são as mãos que detêm os mapas e eu a ilha onde aportam. nestte inverno.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

onde tarda


onde tarda o tempo das tuas mãos, acoita-se esta invernia soprada de ausências a ferir-me o dorso da carne. aqui se estendia a tua pele no rente da minha. em segredos há muito enterrados.

de diamante

de diamante, os dias. cinzelá-los pelo teu labor, acetinados na doçura da pele cerzida pelo derrame salgado da fonte dos teus olhos. manhã onde me espreguiço. ainda incrédula de acordar. neste tempo.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

onde de mim não sabes

onde de mim não sabes sou tudo quanto perdes de mim. se não me quiseres ver. no paciente labor que os olhos semeiam quando nestas janelas que não sabes, abertas, cresço livre na minúcia dos dias.

(sabem os pássaros de todos os cantos pelo hábito matutino que lhes nasce na voz mesmo se as manhãs tardam. mas eles têm nas asas o ofício de voar.)

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

esquecer-me



esquecer-me desta noite. ou apenas desta casa. escura. que há muito acendo, teimosa de luzes que não me fazem ser a que dentro de mim de preto se veste, outra qualquer. iluminada por falsas palavras. inventadas no ofício de abrir os olhos e sacudir a cegueira onde me acoito. moribunda de sempre. apenas vagueio nas mãos dos outros que me acolhem. não sabendo de mim.

sábado, 16 de novembro de 2013

o maior


fazer deste dia o maior.
acontecido
onde tudo tinha já acabado.
ditas que foram
todas as palavras sobre
esta pele abandonada
às mãos de quem as sabe
ler. nas entrelinhas que só
nas dores que lhe roíam
as entranhas, eu adivinhava.

de cada hora viver inteira
a minúcia do segundo
como se primeiro
lhe chegasse no espanto
de me soprar maravilhas
nestes olhos aprendizes de saber.

sobram-me sorrisos neste
gastar de venturas
que os novos dias me dão
arregalados os braços
abertos no parapeito
das maravilhas por desvendar.

que nada me é devido,
mas a esta vontade indomável
nada se nega!

terça-feira, 12 de novembro de 2013

inimiga

 
 
inimiga é a vontade de partir onde tudo está por fazer. e as portas ainda têm a tua senha. presente. fica então e constrói o que as tuas mãos souberem. os teus olhos guardarão as margens das derrocadas.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

roupagens

se a roupa nos faz abrigo do que somos.
ou apenas máscara diária
de quanto cobrimos
por nada querermos mostrar
se tudo julgarmos ausente
de nós. de tudo pensarmos
perdido.
é pensamento que não se atravessa
no caminho cheio e todas as coisas
a encher vazios
de que já nem damos conta.
só os da dores arreganhadas
na boca do estômago
ou no gêlo que tolhem os dedos
encarquilhados onde nada chega,
pedem aconchego de olhos postos
no chão. feitos de vergonha.

e um dia o espanto
mostra-nos a cara de sermos outros
e não queremos voltar a ser os mesmos.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

nada

nada sentir e tudo ter.
arrecadado. no bolso vazio.
enxertado
do muito querer e de tanto labutar.
e o lenço debotado nos vincos a escrever memórias.
em letras que só a pele a escorrer brilhos que se colam nos dedos. de sal.
sabem.
agachados na espreita de companhia. dum tilintar.
das velhas moedas, bravias, descrentes do baile
e da ceia.
nada sentir e tudo ter
a doer

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

as certezas

nascer.onde relutantemente amanhecem as certezas. abandonadas no precipicio das noites. onde tudo se esboroa entre os dedos destas mãos que agora nada têm. cegas que estão na escura casa onde moram. sabendo elas de quanta luz lhes pertence. ainda que tudo lhes tirem. e condenadas já estão. a nascer só para morrer.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

vai


vai onde a vontade fizer caminho. não faças perguntas se não queres as respostas. o caminho diz-te as palavras demoradas na pele. mesmo as que não pedes. essas são as únicas de que precisas. vai.

pelos teus dedos


pelos teus dedos, conheço a melodia que me sai no gemer da pele. tangida assim como se me soubesses desde sempre. ausente de cordas e pautas. sou-me improvisada harpa onde nasces músico. de mim.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

entre tanto





entre tanto acontecer,
agora ter,
o sonho que havia nas mãos
e no peito, embalado
a preceito,
com jeito. não fosse o tropeço
dos dias azedos,
sempre acertados nas horas
que não pedira e sempre tivera.

guardar em segredo, na maior clausura,
a ventura roubada ao engano
que à porta se deixou ficar. e envergar ainda
a costumeira roupa no rente do corpo.

calar o espanto. para que não morra
ao fazer-se anunciada. que não há riso a morar 
nestes lábios
sem que o naveguem barcos.
quando de rios é feita esta voz,
onde todas as chuvas afluem.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

que sei eu de barcos?


que sei eu de barcos se nem este mar de mim já sabe? bravos os marinheiros que enfrentaram monstros inventados no pouco saber que agora se acoitam nas praias onde ondas e gente se deixa morrer.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

cuida


cuida dos meus pássaros onde o sol não brilha. guarda-lhes o voo no pousio. amam os beirais dos teus olhos e lembram a que sabem os teus lábios. de quando abrem asas no céu da tua boca.

domingo, 20 de outubro de 2013

penas



no corpo, as penas de ser ausente.
cravadas.
um golpe fundo na raíz de ser gente
nesta terra desacreditada

e assim em todas as manhãs
os meus olhos doridos
me pariram nas mãos

estes dias que renego.

sábado, 19 de outubro de 2013

não saber que dizer


não saber que dizer. e a gastura das palavras a moer-se por entre a gente. arredia de sentir e ver. tecer agora neste manto de silêncio onde agonizam os versos que semeei. ainda inocentes, ainda puros. a dedilhar maravilhas que os sonhos sabiam construir. no antes de tudo acontecer. desmoronado aos nossos olhos. empedernidos de sal. barricados na foz de todos os mares. onde os meus rios saciavam a sede da tua boca. moradia de todos os desertos.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

como vimos fazer

fazemos como vimos fazer. e de nada mais precisamos para legitimar os gestos. perdendo-se de significado pelos tempos as coisas e as palavras abandonadas a rotinas como fatos puídos que costuramos no corpo ajeitadoa ao uso dos dias que nos sobram. se ainda restam. e se alguém tarda ou desajeitadamente julga por sua cabeça lançar o gesto onde não se tinha estreado. o espanto brilha na ponta do dedo. espetado em quem se atreve por tal fazer. (mesmo que na nossa vontade se antecipe em formigueiro esta audácia.) agora encolhida no rubor de se ver exposta. por não ser esperada. e queda-se assim o que se espera. a força maior de ser diferente. a ousadia de se afrontar e ultrapassar quem já não pensa o gesto certo de tudo saber. mesmo que de nada se saiba. que os porquês são coisa de gente pouca atenta. aos que tudo dizem de certezas feitas. e assim caminhamos em ordeira fila. entoando a mesma ladainha. prontos a adomecer em nós essa estranha certeza de pensar que há lugares onde os gestos ainda são virgens e as palavras constroem outras historias que não estas.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

os jornais


os jornais cobrem-se dos negros caracteres. pausados do silêncio onde se me embacia a voz. trancada de nada saber dizer quando tudo me tiram depois de quanto me prometeram. aqueles a quem minha casa confiei migraram para sítios que não conheço, dexando-me a nudez destas paredes. antigas a desfazer-se no pó que me sobra a cobrir a pele. e dizem-me ainda que lhes devo tudo. mandam recados por outros como eu. de alturas onde não chego, por já estar morto ainda vivo. enterrado onde a mnha vida foi amputada. por decreto publicado em todos os jornais. em negros caracteres.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

surdez

por vezes num qualquer lugar, a surdez. longe da transparência que desoculta a voz, a cortina tecida pela cegueira ergue muros onde o desentendimento mora. na palavra feita de gestos agrestes. o medo de não se conhecer. tantas vezes.

domingo, 29 de setembro de 2013

todos somos tu

são cinco os bolsos e mais os dias. sempre mais os que sobram de onde não há. já se acostumaram os ossos à pele. nesse contar que antes não se sabia escondido onde a fome se amansava. esculpido agora nos dedos esguios que estendes a medo. para o pão te acamar o corpo de mazelas cheio. e ninguém te acode.

(todos somos tu.)

sábado, 28 de setembro de 2013

mentem os gestos

mentem os gestos. que me vês. mentem a par com o que ouço. porque conheço todas as verdades. que não digo. cozidas no silêncio destes dias. inferno, dirão. no queimar da pele, assim a marcar fundo as palavras agrestes de tudo dizer. na linguagem que só eu entendo. no vergar das dores. que me são presentes. tudo o resto se foi. amanhã, se por cá andar, direi da vontade que trago ancorada. e tudo será da mesma maneira. mas serei verdade. ainda que doam. os gestos.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

tu vais a eito



mesmo que a fila não aconteça, o número cai. o que se pendura acima do direito pêndulo. agora parado. num segundo apenas. do suspiro exacto. a que sucumbimos. sem regressos. e de nada valem os lamentos mergulhados no sal das lágrimas qe os olhos vertem. como rios. ou fios de nada. que não traduzem o que a vida calou quando a boca fechada se recusou à fala. não recuses o grito que te esventra o peito. o tempo evazia-se e tu vais a eito.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

esta casa não é minha


não me atam os pulsos as algemas que me prendiam ao tempo. e os muros onde as janelas se abriam escancararam-se ao frio das ruas. onde os passos me levam cai o corpo. quando nada mais lhe apetece. por nada ter. e aos olhos de todos deito-me cego de tudo me ausentar. faço desta casa alheia o metro e meio do que sou. abrigado do que me deixam. ao abandono do que não querem mais. como eu. resto de tudo. inútil até que me suma do desconforto de quem passa. que esta casa não é minha.

mapas


há mapas ainda por escrever. e quem os adivinhe nas palmas das mãos. nas linhas sem nome abertas nos sulcos que atravessam caminho como fios. onde se penduram destinos. e no balanço entre um pé e outro deixamo-nos ir.ou forçamos a aventura de viver. a cada dia. até que as linhas se afundem no precipicio que se debruça no parapeito das mãos.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

a cidade


a cidade veste-se todos os dias. a toda a hora. no espelho dos olhos que a miram, esquecidos da labuta de quem a bordou. nas horas esconsas. por entre os tortos dedos a cerzedura e o ponto une as linhas soltas. de mais um dia por tecer.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

a ultima canção



no ultimo suspiro cai a ultima canção. toda a vida desenhada um verso inaudivel. curto. impenetrável. e no tamanho mais pequeno que alguma vez fomos retomamos ao sítio de onde viemos. sós. despidos de todas as histórias que num punhado nos cobrem agora os rastos a que teimam chamar memórias. digo que são apenas ecos desta melodia que me dança nos lábios soprada pela despedida do que deixo.

a certeza das coisas



 por vezes precisamos acreditar na certeza das coisas feitas. que temos em nós o melhor que podemos. arredar as interrogações e as dúvidas do caminho e fazê-lo mesmo na dor. até quando chove é tempo de crescer. e as trovoadas são só sinais de forças maiores. toda a hora é de se fazer. para onde for. então que seja da melhor maneira. com todo o amor com que nos damos.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

pelo tempo de todas as primaveras.



entrei pelo teu sorriso adentro. essa casa em mim antiga. onde os cantos, mesmo escurecdos de sombras me sabem pelos cheiros. que de encontros se fazem. no tocar das peles. escamadas entre quanto me queres e eu te desejo. flor encarnada no vaso do teu corpo. a florir pelas frestas dos meus dedos.

pelo tempo de todas as primaveras.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

quero



saber o nome da vontade. letra a letra. e solerá-lo sem medo. depositá-lo na mão aberta da manhã e enfrentar o olhar do dia. mesmo sem saber as respostas. as perguntas que poisamos na bandeja do que queremos têem a força necessária para mudar as palavras que virão.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

partir


ainda me correm nas veias as memórias. e pelos olhos
julgo ver as paisagens como dantes. mesmo
que do velho reboco sobrem sombras do que foi. as palavras
são outras. que não conheço. têem nomes
a que não respondo e me abrem o espanto que me resta.
na intacta vontade de querer mais.
do pouco que tenho para andar.

preso no tempo que contado está. como se fosse esmola
e muito fosse. nestas paredes que não quis e onde
me puseram, como condenado e nenhum crime fiz
senão fosse o mal que me tolhe a vida. no vagar
que me cobre os dias. que tão longos são por não ser
de onde quero. 

estar em lugares onde as mãos se cruzam e as palavras
me sabem como se nada mais precisasse
senão respirar. nas pernas direitas e nos braços ligeiros
a crochetar afagos por onde me entrego. como se partir fosse
ainda cedo e fosse a sorrir sem o perceber que
acontecesse.
queria.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

não chores mãe



tenho cá dentro a vontade a crescer, de ser maior. do tamanho das chamas que gritam na rouca voz dos pinheiros. antigos, de muitos anos. perdidos nas memórias  das somas. sei já de cor os toques que me chegam aos ouvidos a pedirem-me pressa nas pernas. e a vontade de matar a sede ao demo. não fossem fracos os meus braços e eu lhe daria guerra que já nasci soldado.

não chores mãe esta ânsia que me abraça o corpo todo. guarda esse rio inteiro para eu nele repousar. é nos teus olhos que penso quando o medo me vem buscar.

nº16


somos nós, sozinhos. na cama da rua. onde todas as portas são o muro desta casa. imensa. que nos alberga. até ao tempo de nada sermos, aqui. na migalha sedenta de pousio. cansada do regateio dos lobos. que depois de nós, no pó, no mesmo barro se tornarão.
para já temos tudo isto. a imensidão de coisa nenhuma. a tempo inteiro. que nenhuma porta encerra.

domingo, 15 de setembro de 2013

hoje



 hoje. é já agora. este instante a que te agarras. sente-o na brandura da pele. deixa-o encostar-se ao peito. ao teu. acomoda-o. no ritmo a que o coração tão bem sabe e balança-te ao que se segue. já a seguir.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

até tudo nos tirarem


( na mais bonita livraria que conheço. um lugar onde já não se pode fotografar)
há tempos em que tudo nos pertence. mesmo não sendo nosso. podemos colher as coisas no olhar debruçado nas maravilhas a cada instante. sem nada nos pedirem. e somos ricos mesmo não tendo nada. basta-nos o espanto a encher-nos o peito e a arregalar-nos a boca. que não se cala na admiração de existir. até tudo nos tirarem. mesmo que seja o prazer de olhar e guardar. na máquina que trazemos ao peito.

latejar dos dias



espero aqui o latejar dos dias. no gota a gota que antecede a despedida de todas as vezes que te vejo no encontro dos meus olhos. deixo-os caídos na procura dos teus passos. inútimente. todos os vestígios se foram na agulha que me anestesiou os teus cheiros. pensados só no sabor que não tenho quando a custo engulo a maçã desfigurada no meu prato. por colo esta poltrona onde me afundo. e os teus braços não são remos que me salvem desta tormenta.
dos meus já há muito que não sei. embora me falem deles, as dores que sinto.

lembras-te como eu era antes? fica por aí pelo tempo que puderes. porque dentro de mim, ainda o sou. só este corpo não se lembra.
desmemoriado. longe de quanto foi. à espera.
até se ir.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

não há nada

não há nada que nos caiba nas mãos.
secas que estão.

os ossos cansados desfazem-se
no pó que nos cobre o pranto.
e os múrmurios acendem-se
inúteis
onde os ouvidos são moucos.

são mais os defuntos que os coveiros.
(basta um.)
nesta vala imensa onde perecemos.
iguais.

onde mirra a esperança. faz-se o desespero.
e a loucura é mãe que não deixa os filhos.
não tarda que do ventre da terra
se levantem os injustiçados.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

que longe



que longe me ficas, eu sei. de tormentas me cobres. por mim. no destempero dos tempos,
desalentalados homens de rara semente na terra gasta. que a chuva mói na levada antiga. carregada da poeira de quantos por ela já não choram mais. de ossadas feitas.
e bordam agora estas ruas os ecos de algumas vozes que antigamente falavam a língua do futuro. nestas casas abandonadas de gente.
os que ficam acreditam que nas palavras cresce um jardim. que precisamos regar.
que sabem eles de flores e eu que sei das palavras?

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

nunca mais amanhece!


morre cada um de nós todos os dias. entre tantos que somos abandonados a meia dúzia de quantos não sabem de nós. morrem os que defendem o pão. matam os que fazem cumprir as leis que asfixiam. e o baile continua nos salões engalanados de quem se cobre dos despojos. marcados da miséria que só a nós serve. lá fora a noite acontece como lhe é hábito. amanhã será outro dia. e nunca mais amanhece!

todos os dias



todos os dias são dias de viver. e devemos vivê-los bem. da melhor maneira que sabemos e podemos. mesmo sem saber os nomes. que eles têm. apesar de, nas rotinas das lengalengas dos tempos de criança já se terem acostumado à nossa lingua e saírem acertados no calendário que não precisamos de consultar. de vez em quando acrescentamo-lhes apelidos por lhes colarmos histórias. como se fossem cromos ou fotos de um album que vai crescendo neste rol de dias. e fazemos-lhe a festa. para não esquecer, nem que seja só naquele instante. sim, que os dias agora sa só instantes. apagados irremediavelmente se não os marcarmos desta maneira. são tão fugazes as menórias que repetimos sem descanso o que não queremos. e mordem-nos as dores de o fazer. coxos ou amputados reiniciamos a marcha. porque vale a pena. e celebramos o que há para celebrar. seja o que for porque estamos vivos. e até que a nossa chama se apague tudo valerá a pena.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

dá me a tua mão


dá-me a tua mão. no redondo ninho da vontade. lugar onde me todos o príncipios se fazem. tecidos pela mínucia do teu tear. o manto dos dias cobrir-te-á a pele. suave e limpo. com o perfume das chuvas antecipadas.
dá-me a tua mão.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

não sabia do fogo


não sabia do fogo, ainda. da língua ardente que lhe cobiçava o corpo. seco. ausente das mãos a bordar-lhe o colo no rente da terra. sobram emaranhados gentios. livres a pedir afagos de manhãs molhadas pela frescura. que tardavam.
agora, de nada precisa de saber.  desenha-se tatuagem funda no peito da serra. erguem-se cruzes em seu lugar

domingo, 1 de setembro de 2013

por ti


meu país aflito. de armas em punho, reajo. escrevo a raiva. hoje, sempre até que se cale. em mim, nos outros. por ti

loucura


num mundo insano. a loucura de estar lúcida. a morte lenta duma esperança com promessas adiadas.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

calada



calada. na boca coze-se o silêncio. despido de todas as palavras. por linhas simples a ferro quente. e as línguas soltam-se em vendavais que te levam os braços no desgoverno que te aflige o corpo. cansado. e a vontade come-te a alma. vidrada nos olhos. onde te escorre despedaçada a força. sem enxergar a terra enxuta onde parar é aconchego. e verde é rio. da folha, mesmo a rebentar.
morrem-te nas mãos as árvores. que o fogo abraçou. e és tu que vais a enterrar.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

fogo


(fotografia de  Rafael Marchante/Reuters)
porque só podem ser atalhos os caminhos que cortam as mãos. e a vida se perde onde o caminho se esgota. perdido de sinais. alheios a quem os sabe de tanto se ausentar. e as vozes emudecem onde o grito se cansou dos vazios.

cobrem-se de cinzas os corpos. na lama parda dos rios que agora inundam os rostos. de nada poderem fazer.

não se pedem promessas. nem se erguem os braços ao céu. os machados gritam a revolta. onde a impunidade faz das chamas, trono. um inferno cavado num virar de costas. e um baixar de olhos. sem perdão.

sábado, 17 de agosto de 2013

não sou daqui


não estou aqui. sou de onde me transfiguro para aqui me fazer. pelo tempo de nada ser. porque afinal aconteço só onde me pensas. se das tuas memórias me alheias. esvazio-me. invisível. de ti.

as esperas


as esperas alongam o tempo.em inquietas pausas. lugares onde todas as perguntas se alojam ainda que as certezas aí sejam inquilinas. e as malas fazem-se no reboliço da contenda. entre esperar e partir. um tempo que não se quer de tão lento moer.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

terra mãe



volto a casa. dizem-me os caminhos. contou-me minha mãe. e nada sei do lugar aonde volto.
a não ser que lhe pertenço.

as pedras, que sabem elas? guardados no silêncio os segredos que lhes procuro, nada me dizem.
os pássaros, que vêem eles? no canto livre dos chilreios nestes céus que bem cedo me olharam que coisas puderam eles cantar?

e sei que tudo está igual por onde passo. julgo até ouvir pelas ruas a voz da minha mãe, quem sabe a de meus irmãos dos quais já não sei a cor dos olhos. e vejo o olhar dos velhos que não sabem quem eu sou. a velha casa onde nasci. porque mo disseram. gente alheia aos meus olhos e sábia do meu passado. de minha mãe e dos passos a caminho da escola a dar as primeiras letras. há tanto tempo!

nesta terra vazia, ancorada onde a minha infância naufragou, sobra o pó quente, bafo deste sol que adormece os invernos duros. como a terra que os embala.
já não correm meninos nestas ruas. vestem o seu melhor fato na moldura que fica ao lado da cama. que no último fechar de olhos voltem aos braços vazios de quem os chora. no medo de não saber deles. tão longe que foram!

agora há gente que parte para sempre. com a saudade na bagagem. poucos os que ficam. sempre à espera de quem chega.

volto a casa. para a levar nos meus olhos. embaciados.

começar o dia



dia. ah! por uma vez começá-lo sem pressa. sem medo. fazer com que a jeito se ajeite esta mornice de despir a noite e envergar a pele que a manhã nos presenteia. nesta luz que nos fecha os olhos. na surpresa de acontecer. simplesmente.

domingo, 11 de agosto de 2013

amanhã


amanhã. amanhã dou-te as mãos. hoje recolho-me aqui. neste espaço que tão bem conheces. de onde partiste e sempre ficaste. afinal. nunca se sai de onde não se quer. mesmo que o corpo se ausente. doendo. e se façam  migalhas a cruzar caminhos para não perder a volta que queremos dar. de pés moídos de tanto cansaço.
também eu gemo das saudades colhidas pelas ausências que choveram aqui. todos os dias. na espera ritmada de melhores tempos. da minha mão na tua. como dantes.
e agora, peço-te um tempo de espera. porque me sinto morrer. e não quero os teus lábios nesta pele seca por não a habitares. deixa que me afunde na miséria de não te ter. por mais um dia.
amanhã. amanhã dou-te as mãos. prenhes da tua sede. cheias da minha vontade. de ti.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

postais

em vez de cartas. longas, que me cansam os olhos e os dedos na labuta de casar as letras na dança de as fazer felizes. escrevo-te postais. maiores que telegramas. e junto as letras com a cola dos beijos prometidos. selando-as no abraço que estendo em passadeira onde os teus pés se viram no olhar dos meus. assim, tão simples.

os medos

quando a pele nos abriga. e o corpo é este amontoar de coisas a transbordar nos olhos.  o que me vês não é senão a transparência do que ainda não guardei. porque temo assustar-te. de quantos medos são raiz no que de mim é terra.

love letter

porque me ficam presas na boca as palavras que nos dedos são marinheiras no oceano do teu corpo, faço delas barcos . de papel. guiadas pelos cheiros das marés. onde me faço voz em ti.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

até os deuses


até os deuses, um dia renegados
pediram a luz do pai.
e cerraram os olhos, descosida a vida.
deles, as histórias
a desfiar rosários em dedos comidos
pelas agruras da fome.
e o olhar erguido ao altar dos céus
se enevoa na dor que escorre rios
pelos rostos gastos de corpos gentios.
em terra de breu.

e agora?


e agora?
que é feito de toda a vida que amassei com as minhas mãos? do fermento que a fazia inundar estes caminhos?
arredada da minha boca, sou faminto por labor de nada mais poder ser. das mãos gastas tenho o hábito e nos olhos a saudade dos bailados.
nas pernas o precipicio onde me debruço. não fosse lembrar-me que amanhã acontece nos meus passos e deixar-me-ia cair. onde a escuridão é a luz do conforto.

sábado, 3 de agosto de 2013

se fosse pequeno


se fosse pequenino este meu país. a caber-me nas mãos de aprendiz. ainda imperfeitas e de olhos pardos, dar-lhe-ia colo. no regaço onde guardo afagos. antigos. das memórias que invento do que queria ter. quando de dores padeço e estremeço. como ele agora. quando lhe ouço os ais.

puras


puras tuas mãos. mesmo que nelas assentem as poeiras. é debaixo da pele que nascem as intenções. virgens. e no corpo o verbo. calado. que a boca é do beijo. na sede de quem nada tem.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

amanhã

 

amanhã voltas-me. agora fecho os olhos. nesta caixa que já embalo és tu que entras. à volta os meus braços num laço. onde adormeces. e os teus sonhos fazem de muitas cores o papel que lhe adorna o jeito. no meu peito. hoje deixo-te no sono que o corpo te pede. no meu. e amanhã dar-te-ei o dia a beber. pelos meus lábios. assim que a mim regressares. ainda que a madrugada durma.

não digas nada


não digas nada. deixa que o dia escreva as palavras e que a tua boca ainda pequena se acomode ao sabor das que lhe planta no apetite de as fazer soar onde os ouvidos se encostem.

terça-feira, 30 de julho de 2013

ainda é cedo



ainda é cedo. e em ti respiram as tardes amarguradas de esperas. desencontros onde te prendes. mirrado de toda a seiva que outrora te corria nessa vontade selvagem. de te fazeres onde nada se sabia. e tudo desbravavas.
(há urnas alinhadas nestas ruas onde jazem os vivos. despidos de toda a esperança. no ar a despedida faz-se de silêncios. ao longe a gargalhada dos que loucos, restam. as flores já não murcham. mortas que são. o tempo acabou.)
pudera eu dizer-te que ainda é cedo!