quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A porta



A porta estava encostada. Preguiçosamente encostada. Assim como se não tivesse havido o balanço ou o tempo que tão pouco seria para a deixar no trinco ali já à espera.
Um gesto só e a penumbra abria-se à luz que vinha da rua deixando a sombra esticar-se ainda antes dela ter entrado. Uma música vinda duma divisão qualquer anunciava a presença dalguém. Entrou e espreitou cuidadosamente, pedaço a pedaço, cada canto daquele corredor. Perseguiu o som que cada vez se ouvia mais nitidamente. Porta atrás de porta. Sentiu o cheiro de tabaco no ar misturado com o de café acabado de fazer. Ah, como lhe apetecia um café! E sentar-se... descalçar os sapatos, esticar as pernas... Poisou o saco grande que lhe fazia doer as costas. Foi quando se levantou que o viu. Estava a olhar para ela.
Demoraste, disse-lhe.
Esperavas-me? perguntou-lhe.
Porque julgas que a porta só estava encostada? Sempre espero alguém. Vem.
Abriu-lhe a porta duma pequena sala. A música ouvia-se claramente. Na mesa duas chávenas, um bule com café acabado de fazer.

Mais tarde a um canto dois pares de sapatos. Na mesa um cinzeiro cheio, um bule vazio, duas chávenas sujas com borras de café onde sinas foram lidas. Uma música no ar onde as penumbras anoiteceram e se deitou o cansaço.

A meio da noite ele levantou-se e em bicos de pés foi fechar a porta devagarinho, sem fazer barulho, para não a acordar. Só no trinco.

Ela deixou-se ficar. Ele não voltou a esperar.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Aparentemente


Julgo-me sozinha e estão comigo todos quantos conheci. Nunca me abandonaram. Minha memória inteira alojou-os para sempre em cada pedaço de mim. E sentam-se comigo na mesma mesa e deitam-se na minha cama.
Só no afago e na ternura a ausência se faz presente. Então estremeço e tenho frio mesmo que o rádio me diga que está calor.
Lá fora o tempo passa. Cá dentro também. Numa cadência diferente.
Porque quando abro as janelas a surpresa do que vejo pasma-me. Sempre. Como se tudo fosse novo. E recomeço.
Novas pessoas e memórias, novos gestos e canticos se juntam ao tempo que já passei. Encho de novo a minha casa até agora aparentemente vazia.
Talvez haja afago e ternura que dure por um tempo que se faça Verão.
Talvez seja agora Inverno, não importa.
Há sempre um tempo de fechar as janelas e de guardar o que há para guardar.
Uma casa nunca estará vazia. Só aparentemente.

domingo, 12 de setembro de 2010

Só isto e só desta forma


não me dês nada
que não queiras.
nem promessas que não possas
cumprir.

não te peço nada.
porque nada de ti quero.
nem espero.

não julgues que se por um dia
tocaste o meu caminho
vou esperar que o faças
para sempre
tocando.
ou que se por acaso a minha voz
para ti,
 foi um dia sossego,
será a nota que,
eternamente,
disparará a calma na tua alma
que o anseia...

porque há momentos que serão sempre só isso.
pequenos, grandiosos momentos.
e devemos vivê-los
naquela eternidade que cabe na palma
da mão duma criança.

só isso e só desta forma.

sábado, 11 de setembro de 2010

Haja um regaço!

Estarão as respostas no reverso das lágrimas que te enchem o pranto?

Se assim for deixa que caiam. No meu regaço tas ampararei. Deixarei que aí as descosas e do seu avesso retires os segredos que a tua a alma anseia.
Depois repousa esses teus olhos cansados e alumia a escuridão que agora os envolve. Aqui neste meu peito, onde já moras.

Amanhã, será o dia das lágrimas sorrirem. Em todos os rostos, tocados por ti.
Que percebeste enfim que todos os prantos são filhos dum mesmo rio onde todos os mistérios navegam e onde todos se desvendam.
Haja um regaço e vontade de navegar!