segunda-feira, 9 de outubro de 2017

o tempo

Passa-me pelos dedos o tempo. Inexoravelmente. Mesmo que tranque os punhos. Há ânsias de vida na palma das mãos.

esquecido

Esquecido. De mim. Pelos outros. Sou nada. Se nem nome tenho. Já não falam de mim os lábios onde a minha sede morou. Secos estão os rios onde me fiz raiz.
Sou exilado desse país onde habitam as memórias. E feneço.

silêncio

Um minuto de silêncio. Um minuto apenas. Sessenta segundos contados no rigor dos ponteiros. E um dilúvio a correr dos olhos com a força que os dias pedem. Todas as imagens se atropelam. Um ror de histórias por contar. E vidas decepadas na raiz. Há silêncios que doem mais que tumultos. A luz acesa e viva não deixa que a memória se apague. E é tudo que fica. Silêncio e memória.


granito

O granito não deixa nos rostos a marca agreste da sua rudeza. Toda a força se entrega nos braços. E a terra acostumada ao jeito deixa -se domar. Ao invés do tempo. Sempre contrário às vontades de quem semeia. No rosto desenha-se a esperança de quem sabe que os dias trarão o que lhes aprouver. Então os homens plantam nos entremeios sorrisos.

a ponte

A ponte une as margens. Como agulha junta pelas bordas no mais apertado ponto estes caminhos. Que se afundam em precipícios na falta de tecedura.

os lugares

Os lugares acabam. Na linha que os olhos alcançam. Ainda que pespontados ao que lhes está para vir. Em segredo.

O segredo


Guardo o segredo. Da força inenarrável da semente. Do ninho indomável da raiz. Da vontade insuspeita da folha.
Do mistério insondável da vida.
Um segredo. Uma promessa.
A esperança.

Entre a luz e a escuridão

Há quem acolha a escuridão. 
Há quem procure a luz. 
E nenhum está errado. 

O erro está na permanência. 

O sucesso na mudança. 
Tranquila, 
necessária. 


Vital.



Entre os dedos



Entre os dedos o instante do vazio. O precipício. E a vontade. Em queda.Entre os dedos as sombras. Adormecidas. E a surpresa de ser luz. A bordar a pele.


Como se fosse sua


Como se lhe pertencesse.
Acolheu-a inteira nas suas mãos. Que no peito não cabia. Tão grande que era. Tanto que doía.
Como se não fosse doutra pessoa. E nela sangrasse a ferida aberta. Abrupta. Imprevista.

Como se fosse sua. E foi o mesmo sal que lhes desceu aos lábios. Mudos.


Aguenta-te

Aguenta-te. Ainda que retalhada. Como os dias. Em fatias. Cerzidos um a um. Pela agrura das linhas que te apertam as mãos. Aguenta-te.

Tempestaddes


Tempestades. Não as pedimos. Nunca as queremos. Erguemos altares a pedir bonança. Sempre. Dentro e fora de nós. E inevitavelmente correm dilúvios do peito mais deserto. Cansado de abandonos.
De nada servem os altares. Ou as preces.


O vazio


Tenho na mão todas as visões. E o vazio a ferir.me a pele.

Os dias somem-nos


Os dias somem-se. Agora que as somas doem mais que as esperas. Somem-se consumindo o pouco que sobra. A voz que mal se ouve. Perdida na pouca força. As palavras enroladas na maldita roda da vida que a desgastou. E a memória ausente num país de névoas a morder a língua. E tudo pára aqui. Ainda que a vontade seja outra. E se a dor não for a razão, basta morar aqui, longe de tudo, e some-se junto com os dias. Aquilo que somos.