falar. assim na surdina dos gestos.
dizer quanto transborda na pequenez das palavras. inexistentes para quanto te quero dizer.
dançar como quem se despe. na limpidez de quanto diz um corpo nu.
a cru.
por
onde os teus olhos se quedam. no espanto. da vida colhida nos vales do
meu corpo. rios que correm entre as margens que pedem as tuas mãos.
terra que conhece o teu cheiro. como se flor fosses na alvorada da minha
pele.
Se fosse árvore não morreria nunca. Pelo menos no tempo das nossas memórias. De tanto durar. De tão forte ser.
É mulher e aquelas pernas já galgaram campos, aqueles braços muito peso levantaram.
Agora fica-se aqui. E ninguém a acode. O Manel Cardoso vem-lhe à boca
nos momentos de aflição. E se demora prefere morrer. Nunca assim se
viu. Quando ele chega pergunta-lhe onde está. Perdeu a memória dos lugares. E das perguntas que faz. Repetidamente. Oh senhor, ajude-me. Não me deixe aqui sozinha. Ai que nunca fiz mal a ninguém... Por aquelas mãos, agora impotentes, já se esventrou a terra. Já se matou a fome aos filhos. Agora não.
Se fosse árvore talvez bastasse dar-lhe água. E não se ouviriam os gritos.
Tem
91 anos. Uma mulher escorreita Olhos verdes. Vivos. Como a voz que
fala das coisas como se fossem todas simples. Nunca casou. É o segredo
dizem as enfermeiras. Uma arrisca mesmo dizer que assim sendo viverá
até aos 100. Ai menina se soubesse da minha vida! A mãe morreu cedo. Deixou-lhe no colo 4 irmãos. Criou-os na altura. Cria agora os filhos dos filhos. A voz forte a ressoar pelo quarto faz-se quase inaudível quando lhe pergunto de que morreu a mãe. Tão nova! Sussurra, de cancro. E fazemos silêncio.
Um medo a cobrir-lhe os olhos. De estar sozinha. Não se vá embora, não? E a mão estendida a dizer vem cá. Fico-lhe muito agradecida . E prende na concha da sua mão, a que chega. Já se foi embora a senhora do lado? Esquece-se que agarra a mão dela. Da senhora do lado.
De dia sumia-se. Um sopro lento. Quase apagado. E o olhar perdido. De
vaguear num tempo esquecido. Isto para os velhos é ruim. Dizia de tempos
a tempos . Como que a pedir sossego. Era a noite que lhe trazia as
batalhas. As mais duras. Já me deu mais vezes? Não sabia de onde lhe
vinha a aflição. E no meio do cansaço prometia. Eu vou arribar. E arribava.
No teu colo o vazio. Onde estendo os meus braços. Na sementeira da
esperança. Que outra coisa não sei fazer. Digo-te que tudo vai correr
bem. E rezo como se fosse o remédio de todas as coisas. Amanhã é o princípio de todos os dias. De todos os sonhos. Deixa que aqui guarde todas as tuas dores. Longe de ti.
As minhas mãos estão habituadas a semear. Aprenderão a rezar. E da sementeira virá a flor.