sexta-feira, 29 de abril de 2016

dançar

falar. assim na surdina dos gestos.
dizer quanto transborda na pequenez das palavras. inexistentes para quanto te quero dizer.
dançar como quem se despe. na limpidez de quanto diz um corpo nu.
a cru.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

dia a dia

  

dia a dia. no intervalo de todos os gestos. a caminho das palavras onde a secura arde.
de não te ter.

dia a dia, na ausência de lugares onde os meus olhos se demorem nos teus. água fresca. cascata incendiada

a pedir os teus lábios.

dia a dia, rebentas-me nas mãos. e floresces.
mesmo não estando.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

os teus olhos

por onde os teus olhos se quedam. no espanto. da vida colhida nos vales do meu corpo. rios que correm entre as margens que pedem as tuas mãos. terra que conhece o teu cheiro. como se flor fosses na alvorada da minha pele.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Se fosse árvore

Se fosse árvore não morreria nunca. Pelo menos no tempo das nossas memórias. De tanto durar. De tão forte ser.

É mulher e aquelas pernas já galgaram campos, aqueles braços muito peso levantaram.
Agora fica-se aqui. E ninguém a acode. O Manel Cardoso vem-lhe à boca nos momentos de aflição. E se demora prefere morrer. Nunca assim se viu. Quando ele chega pergunta-lhe onde está. Perdeu a memória dos lugares. E das perguntas que faz. Repetidamente.
Oh senhor, ajude-me. Não me deixe aqui sozinha. Ai que nunca fiz mal a ninguém...
Por aquelas mãos, agora impotentes, já se esventrou a terra. Já se matou a fome aos filhos. Agora não.

Se fosse árvore talvez bastasse dar-lhe água.
E não se ouviriam os gritos.

91 anos

Tem 91 anos. Uma mulher escorreita Olhos verdes. Vivos. Como a voz que fala das coisas como se fossem todas simples. Nunca casou. É o segredo dizem as enfermeiras. Uma arrisca mesmo dizer que assim sendo viverá até aos 100.
Ai menina se soubesse da minha vida!
A mãe morreu cedo. Deixou-lhe no colo 4 irmãos. Criou-os na altura. Cria agora os filhos dos filhos.
A voz forte a ressoar pelo quarto faz-se quase inaudível quando lhe pergunto de que morreu a mãe. Tão nova!
Sussurra, de cancro.
E fazemos silêncio.

medo

Um medo a cobrir-lhe os olhos. De estar sozinha. Não se vá embora, não? E a mão estendida a dizer vem cá.
Fico-lhe muito agradecida . E prende na concha da sua mão, a que chega.
Já se foi embora a senhora do lado? Esquece-se que agarra a mão dela. Da senhora do lado.

Só não esquece o medo.

Isto para os velhos é ruim

De dia sumia-se. Um sopro lento. Quase apagado. E o olhar perdido. De vaguear num tempo esquecido. Isto para os velhos é ruim. Dizia de tempos a tempos . Como que a pedir sossego.
Era a noite que lhe trazia as batalhas. As mais duras. Já me deu mais vezes? Não sabia de onde lhe vinha a aflição. E no meio do cansaço prometia. Eu vou arribar.
E arribava.

no teu colo

No teu colo o vazio. Onde estendo os meus braços. Na sementeira da esperança. Que outra coisa não sei fazer. Digo-te que tudo vai correr bem. E rezo como se fosse o remédio de todas as coisas.
Amanhã é o princípio de todos os dias. De todos os sonhos. Deixa que aqui guarde todas as tuas dores. Longe de ti.
As minhas mãos estão habituadas a semear. Aprenderão a rezar. E da sementeira virá a flor.

o fim

espera-nos o fim. 
numa data qualquer. até lá, 
a viagem a acontecer nos dias. crochetados entre lágrimas 
e risos.
lavor que incendeia os passos. 
um a um.