terça-feira, 30 de outubro de 2012

P.S


não havendo rotas traçadas,
todas as possibilidades
são destino.

sem procurar
caem nas mãos em voo
as descobertas ilimitadas de portas
que o sonho não desenha.

todas as buscas adiam
as surpresas
na pressa de chegar
e perde-se o instante
que faz brilhar o espanto
e acender a esperança de acontecer.
só.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

andanças


andar 
no curto espaço das horas 
que se levantam 
ainda sem forças, 
para a curta 
paga que não conta 
quanto custam 
as meias solas 
duma vida inteira, 

mesmo 
cortada a meio.

domingo, 28 de outubro de 2012

esperas


o sol brilha na lisura do dia que se estende nesta estrada onde tropeço. do regaço pendem surpresas que não peço e da varanda onde os meus olhos pousam estendo a pala destas mãos desbotadas da canseira dos anos amontoadas na pele na mira de horizontes que demoram a sorrir.

sábado, 27 de outubro de 2012

há em mim


há em mim esta voz a soprar ternuras que embalam essas lágrimas ainda suspensas no lago dos teus olhos a brilhar. estrelas que me olham no céu do meu colo para esta terra ainda fresca da raiz que te levou de mim. calo-te os medos que engulo a seco para que não sequem os rios onde os teus sonhos naveguem.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

prece


faltam-me os que nunca me sobraram porque inteiros se ficaram. e neste enleio onde cabe todo o meu mundo estão todos quantos se ausentaram. porque dentro de mim é a casa dos que são resto e parte se em bocados ficarem, para no barro deste colo pelas minhas mãos se curarem. sei que se esvaziam presos em fios que caem ao peso de tanta amargura. a chuva demora onde o sol se esconde em tempos escassos de estações que rodam de olhos vazados no correr dos rios. quedam-se os corpos aflitos na espera da vaga que desperte a alma entorpecida e se faça o vento a enfunar as velas no barco que aporta ao cais de que se perderam. que a luz se faça das palavras mesmo que a noite aconteça. e a viagem não acabe ainda que o barco se afunde. a memória tem laços que se entremeiam nas mãos que pendem em desencontros que sabem tudo de nós.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

onde?


onde estão os que me faltam? todos os que partiram nas angustiadas vésperas dos futuros que plantámos nos beirais dos nossos colos? esgotadas estão as lágrimas que reservámos para as derradeiras partidas e doem-nos já as ausências onde ainda ecoam os planos que bordámos a preceito na planície dos dias.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

abraçar-te


abraçar-te nas horas despidas do canto das aves que bordam as manhãs, como se a luz brilhasse onde o castanho dos teus olhos pronuncia a noite. embevecido nos sonhos que teimam em apagar-se quando o clarão dos meus te acende os dias. neste peito de amuradas antigas onde crescem as heras com o perfume dos teus cabelos e eu desmaio. por não te ter.

abraçar-te


abraçar-te nas horas despidas do canto das aves que bordam as manhãs, como se a luz brilhasse onde o castanho dos teus olhos pronuncia a noite. embevecido nos sonhos que teimam em apagar-se quando o clarão dos meus te acende os dias. neste peito de amuradas antigas onde crescem as heras com o perfume dos teus cabelos e eu desmaio. por não te ter.

abraçar-te



enlaçar-te

nas horas despidas do canto das aves que bordam as manhãs,
onde o castanho dos teus olhos pronuncia a noite.
embevecido nos sonhos que teimam em fazer-se
quando o clarão dos meus
te acende os dias.

enlaçar-te
neste peito de amuradas antigas
onde crescem as heras com o perfume dos teus cabelos

e eu desmaio.
por não te ter.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

espasmos


cansarmos os olhos de chão e de escuro, da noite que cobre os ombros das manhãs. pardas, sem brilho e desentendidas das palavras. surdas. olhar o alto de onde caem as águas que nos molham os pés. pedir o alívio da estrela maior onde penduramos os braços em estendais que inventamos. não nos roubem os sonhos que assim desenhamos. e sequemos a dor do diluvio onde as sombras não moram.

sábado, 20 de outubro de 2012

de memória


a memória é um caminho feito de palavras com cheiro de pele e cores que o tempo amadurece. um balcão onde se devolvem trilhos percorridos, abandonados no tempo onde se esgotaram as possibilidades de acontecer. alinhava-mo-las no pano branco com que saramos as feridas das despedidas que nos caem no colo sem aviso. e murmuramos como quem ora, a cor dos olhos e a linha dos lábios do corpo que, deitado, parece dormir para logo acordar e dizer ainda o que há para contar.
apetece-nos um disco riscado a patinar no velho gira-discos. e guardar ali, no guincho que trava todos os passos, na dor tatuada,  todas as coisas que afinal, não somos.

(acreditar que navegamos, pequenos barcos sem tempo, até um dia encontrar o mar. até lá, a viagem. ficam os rios maiores.)

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

a primeira vez


a primeira vez, retoma sempre aos últimos momentos, carregada agora, de todos os simbolismos que fomos idealizando, longe dos afetos  que não nos deixaram "apegar".

a coisa ideal é sempre um céu em que habitamos nos piores momentos para nos refrescar os pés em caminhadas difíceis e voltarmos à travessia mesmo que empurrados. por isso nos "iniciamos" ou o pretendemos fazer tanta vez no outro que se nos atravessa. quando ele não nos traz essa púbere novidade, viramos-lhe as costas e senão somos acomodados (ainda), procuramos mesmo sozinhos estrear-mo-nos todos os dias.

a coisa nova, o brilho, o que nos é estranho e está para além de nós, faz-nos maiores, mais completos.
e no fundo, mesmo pensando que estamos gastos, ainda temos vontade de crescer, ainda há muita coisa para desvirgindar.

nem que seja o amanhã.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

silêncio


ninguém baixou a mão na chamada, naquele dia. as cadeiras empilhadas guardavam as sombras da noite que acabada, se despedia na muda língua que o silêncio fala. e o frio rasava a pele insubmissa que acendia o fogo no punho onde as unhas rasgavam a pele. crescia vermelho um fio a escrever a vontade que lhe nascia dentro. e quando se rompeu o véu que destapou a voz, ouviu-se a palavra escrita, a ribombar. estava aberta a porta ao homem novo.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

o fotógrafo



não eram só imagens despidas das palavras que sempre faltavam nas histórias que dizem estar por lá. não eram só gente que não conhecia no linho dos dias, por ali, gravada sem qualquer feitio, nem dança, nem modas. era um avesso que aos olhos alheios de quem anda na pressa de presentes atafulhados não discorre. quase cego, atravessa e perde a vida da vida dos outros. na dele. a alma que ninguém conhece e ali descobre no gesto, na sombra, na mão, na chuva, na pegada, no cartaz, no riso, nos dentes que já não lembra e na fé que se traz pela mão. não eram, não foram. era um homem inteiro a prolongar-se para dentro do mundo que nos mostrava através da sua câmara. com toda a beleza que só a verdadeira entrega consegue consumar. e a emoção, o caminho, onde toda essa dádiva se faz arte. estar com ele, o fotógrafo, homem de grande humildade, era, sem dúvida, uma grande lição que abraçava a vida inteira.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

ruínas


ruínas, apenas. na caixa onde o bafio das memórias se solta para te cobrir. e nos escombros nada que valha a pena guardar. a lama que te guarda agora o tamanho dos pés, acorda-te o frio húmido, parente daquele que te atravessa os olhos, encobrindo os dias que as tuas mãos fechadas não querem abrir. nessa garganta apertada há um pássaro definhado à procura de liberdade. abre-lhe a rota do grito e fá-lo voar agora. o passado é coisa morta.

o meu querer


o meu querer tem a pressa que não cabe em barrigas a germinar.  sobram-lhe ânsias nas pernas de alturas que me olham para baixo. e corre para onde não estou e já sou a toda a hora.
os minutos contam horas na loucura de chegar onde acontecer se faz tarde. este querer que me abraça, se não se cumpre, sufoca o peito de onde crescem braços gigantes a pedir de outros, cais.
urgências discorrem nas madrugadas onde este querer desperta. sem regras e despidos de margens é para lá do que tudo alcança, o pé descalço desconhece a dor e só sabe andar. na força deste meu querer.
não há mansidão onde ele habita. é feito de ousadia e sem medo, investe quando a vontade lhe nasce.

e não, de arrependimento, não morre, este querer que há em mim. antes, cresce e mais de mim se torna. porque quero.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

talvez


talvez
eu me devesse acrescentar
ao que já foi
e não ser agora a vez primeira
das ancestrais manhãs.

talvez,
abrir os olhos das auroras ,
que parecendo iguais,
trazem a estrear surpresas
que se abrem no presente
de mãos arregaladas,
onde mergulharam todas as histórias
a transbordar.
ser ao mesmo tempo,
o tempo todo.
mesmo que ainda a germinar.

talvez
devesse ter a altura
que as pernas me dão
e, cá de cima, falar alto,
as coisas que a voz guarda
no meu peito
porque ainda não aprenderam a voar.

e esquecer que me apetece,
debulhar a carícia do sorriso que não sei.
enroscar na nuvem que sabe a algodão doce
em dias estranhos.
ou mesmo até,
esquecer , por um dia só,
que na minha cabeça há um mar revolto,
onde, ondas crescem
em desvario,
quando do céu, cai a água que lhe apetece.
esquecer de rir no colo das manhãs,
de fazer do bocejo, o espanto
e de me  perder em todas
as esquinas, onde a luz se faz, do brilho
dos meus olhos.

talvez...

mas, onde iria o que faltava
de mim?

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

a vontade


a vontade é uma toalha
estendida na mesa onde se põem
os dias.

de olhos remelados pelas névoas da noite
onde o sonho se encostou.
bebe-se o café requentado
dos sabores que a memória tece,
vertem-se as lágrimas e os risos
com o punho aceso da teimosia
enrolada em asas
que não servem para voar.
limpa-se-lhes a boca
onde o espaço minga.
abafa-se o grito de tanto
no torcido pano.

e suja-se,
lambe-se,
remói-se na esfrega
à espera do viço
de quando se nasce.
perde-se a conta às mãos que a bordam
na cura das feridas abertas,

assim. esgaçada ,
rebentam-lhe a força que tem
e desmaia o rubor onde a grandeza
se perde.

sobram agora mesas despidas
onde a vontade se perdeu,
derrotada.
para dormir
em companhia das irmãs
a quem chamaram
fé e esperança.

contam que o medo
é o prato frio
servido sem cerimónia.
em todas as alvoradas.

sábado, 6 de outubro de 2012

é hora de partir


dias e dias, contados,
a somarem-se onde não me vês
mais.

meu corpo,
cansado, de pedir o teu
nesse gesto mudo,
perdido entre nós.

corre
um rio sedento
das águas que nascem,
paridas de ausências
semeadas.

apagou-se já
a luz
no farol dos teus olhos
e não pousam mais gaivotas
neste cais.

é hora de partir.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

de pé,viver.




caminha-se de pés doridos
e cabeça rente ao chão

desde o sono desfeito
até ao fechar das pestanas

pesadas

do sonho espezinhado,
teimoso em acordar
na noite que o peito
alberga
longe de quem o queira

roubar.

sobra a fé
na mão piedosa
de um deus qualquer

pede-se, de joelhos
em terra,
ser-se gente
inteira

e de pé, viver.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

o nó cego

(foto tirada da net)

engoliu em seco
o dia.


 na chávena fria
o sabor azedo
das palavras
que nunca
disse.

nas pálpebras,
o peso da noite
que teima
em gritar.

 na camisa engomada,
o nó cego,
a ver-se nos olhos
da vida

que já não tem.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

barco serei





barco serei
nesse rio que desce 
pelas cordilheiras, tecidas 
no teu rosto. 
descerei
à doca onde teus lábios 
me esperam, 
levar-te-ei o voo das gaivotas 
que vi nascer nos teus 
olhos.

dirás 
que os meus cabelos 
têm o cheiro do sal,
quando tos pousar 
no peito. 

saberás
que estas ondas
ode teus dedos, afundas
são filhas do (a)mar.

e uma alma marinheira
não faz senão 
navegar