sábado, 31 de março de 2012

tristeza adiada

sabes que te espero. embora não fique parada a olhar-te os espaços em que não estás. e não escorram já palavras que de ti falem ou lágrimas que te denunciem. noutro virás. doutra forma qualquer e não me atrevo a perguntar. as minhas esperas dormem amparadas em esboços de ti.
frágeis papéis amarelecidos.

agora viajo fingindo que nada ouço que os prazos nunca acabaram. que não os há. que nas palavras se eternizam e se propagam em ecos que procuro por onde vagueio. pinto-lhes risos e gargalhadas. e canto-as. baixinho, já.

e num sufoco batem-me à porta as marés, como ondas. presas tempo demais. é a tristeza que adiada, se denuncia.

sinfonia

chegaram ainda inteiros, num arrepio de tudo novo. um frio fino como uma agulha a cozer-lhes avessos que os espevitavam de braços no ar. e um grito na voz. o primeiro choro. nas manhãs deste tempo que outro não conheceram.
verdes a rebentarem na dureza do braço que em ferida se abre para os desabrochar. na seiva escorrida em lento pingar. ausente de quanto lhe possas fazer. sempre renasce num sítio qualquer.

carrego também comigo este segredo. em cada passo desvendado. sou desta sinfonia também. e do maestro não sei.

sexta-feira, 30 de março de 2012

tudo dorme

parece-me às vezes que tudo dorme, esquecido. mesmo nas horas claras de fazer dias a troco de braços e de pernas ainda frescas das noites agora guardadas. para mais logo ao abrir das estrelas e ao cair da lua. como vier, mesmo que de quarto feita ou de meia ainda. só nesse manto já de preto e não de luto, se escondem as fadigas e as coisas por acabar. até lá nada pode ficar debaixo de nenhum tapete pela preguiça das pálpebras que se fecham em horas antecipadas no devaneio dos sonos que tanto tempo terão para fazer. um dia que virá longe. diz quem sabe, batendo sete vezes na madeira e atirando sal para trás das costas, não vá um gato preto aparecer e uma escada interromper a passagem.
talvez não durma quem eu penso e é no meu sonho que afinal tudo acontece.

quinta-feira, 29 de março de 2012

aqui

as casas nascem onde o alimento cresce. nas redes lançadas ao mar que de repente avança a comer areia e a pedir espaço.
lá dentro batem os corações de gente apressada. as pernas num ritmo maior e desigual. a sacudir rios que caem esgotados nas ondas dos dias que nunca se atrasam. parecem sempre mais curtos. e sempre a fugir.
a serra é o manto, abrigo e altura para mais longe ver. às vezes, inferno em chamas, onde o demo se aquece e se ri de nós. valha a primavera e o eterno brotar da verde semente na terra com barriga de mãe.
há longe e há perto. aqui entre serra e mar. o ninho e o voo. partir e ficar.

parar


já passámos todas as ruas a fio, todas os caminhos foram feitos pelo nosso pé. demos as mãos por todo o lado. e trocámos beijos à frente de quem quisesse ver. houve abraços no vazio de colo. e carícias que só a nossa pele sentiu. dissemos coisas com o brilho dos olhos e guardámos o sabor dentro dos nossos beijos.

palavras? ficaram muitas por dizer. perdidas no cansaço que preferimos adormecer.
sabemos que palavras gastas se tornam rudes e doem na pele fina que nos cobre a carne. as pausas acomodam-nas, acordando-as quando se espreguiçam livres.

em tudo há um querer parar. a vontade de ausência e descanso. e voltar. para onde houver vontade.

quarta-feira, 28 de março de 2012

o gato

um cheiro a pão e a café quente
no ar.
nas escadas há ecos
de pés
a soar.
cá fora o sol aquece
um dia
que corre na pressa
de andar.

sem saber de ti.

procura-te o gato num manso
miar
eu já não te espero
em nenhum
lugar.

sede

beber-te um gole dessa frescura e trazer-te nos meus desertos caminhos para mais futuros. em travessias a fazer no teu regresso que espero. nas curvas que o horizonte desmonta quando o olhar se cansa e adormece em almofadas onde tu não desenhas os teus contornos.

é sede que te tenho nesta ausência de água que me és.

segunda-feira, 26 de março de 2012

não quero ninguém

não, não quero ninguém neste desalinho de dias.
bastam-me os passos. os meus. ainda que de outros me lembre e todos me gritem na pele que me veste este corpo adiado.
um corropio de gaivotas perdidas de mar em busca de primaveras sobrevoam este nunca acabar de murmúrios que se colam aos braços que pendurados, carrego.
mais além tudo acaba. onde tudo começou.
da mesma forma e na mesma tempestade.
entre a luz num abraço de dor. a noite a explodir. é assim que do nada, tudo é.
agora sou apenas um rasto. mas sou.
quando alguém se atrever a romper estes tempos e rasgar o ventre da terra adormecida, talvez me acorde a raiz. essa raiz que me estrangula.
e serei o que tiver de ser.

são breves os espaços

são breves os espaços em que ainda me olhas. breves os que ficam cruzados nos meus caminhos. tão breves que me escapam e te fogem. ilusão, apenas.
quando voltas, já lá não estou. e marcas não deixei.

havia um lugar com o meu nome. mesmo sem o ter marcado. um lugar que ficava vazio quando eu não estava. e esperava por mim. quando todos estavam e o meu lugar permanecia vago, havia logo quem dissesse, ainda não veio toda a gente. falta alguém. e as conversas paravam à borda dos copos. só recomeçavam quando o meu lugar se ocupava. por mim. então soavam gargalhadas.

acabaram-se os dias e os lugares. com o meu nome. vieram outros nomes. os lugares não aumentaram. não podem. não devem. ficariam pequeninos para quem os ocupasse.
eu parti para outros lugares. por uns tempos deixei as janelas semicerradas. tanta luz fazia-me mal. os meus olhos precisavam só de mim.

são breves os espaços em que ainda te olho. breves os que ficam cruzados nos teus caminhos. tão breves que te escapam e me fogem. ilusão, apenas.
quando volto, já lá não estás e marcas não deixaste.

sábado, 24 de março de 2012

onde?


onde estão os sorrisos e as mãos dadas quando sou corpo
no teu?
para onde vão as vontades de te aninhar
e não ser mais nada
que a soma de nós?
onde guardo este tremor de tanto querer
e não saber como?

e como invento os gestos perdidos neste
teu corpo
que ainda não sei?

ai, meu amor.
tão longe que de ti estou,
mesmo dentro dos teus braços.
despedir-me assim de ti sem nunca te ter sabido.
e a dor de o sentir.

não existimos. sonhámo-nos.

hoje acordei contigo


hoje acordei contigo aninhado na minha pele. onde há muito não o fazias.
sabiam-me bem estas horas que se estendiam imensas em vagas onde velejava nos meus apetites de querer estar assim.
sem ti.

e hoje, estás aqui. como da primeira vez. só que agora, sou eu que te olho e tu não o sabes.
dormes ainda. e eu passeio no teu dorso o meu olhar deixando-te o arrepio na pele como se fosse o frio a visitar-te.
sou eu, aquieta-te. os teus cabelos estão mais brancos e deixaste-os crescer. gosto de ver os meus dedos desaparecer por entre eles. como se deixassem de existir ou fossem também eles parte de ti.
ai mas que digo eu? aconchega-te um pouco mais.

está bem, eu confesso. é quando te tenho que te sinto a falta. que hei-de eu fazer meu amor?

sexta-feira, 23 de março de 2012

não há

acabada a ronda, o dia
a fazer-se.
e as nuvens a pedir
chuva.

despir os cansaços no alto dos muros.
vê-los a cair na noite que anseiam.

trazer preso nos olhos a vontade
de rios
e nas asas, penas
que não sabem voar.

não há noite que chegue para tanto cansaço
nem chuva
para tanta sede.

olhos negros

aqui vive a ausência.
morada esquecida de todos os regressos adiados.
a noite onde todas as estrelas se afundam no convulso silêncio
que as lágrimas respiram.

e a chave repousa em opacos olhos onde um dia a primavera
floriu.

quinta-feira, 22 de março de 2012

nos teus olhos


nos teus olhos, todas as palavras a destaparem-te. e a cair das tuas mãos a inocência em que habitas.

os brinquedos do teu riso, estão guardados num caixote.
lá, no sítio onde os caracóis são tesouros. os braços voam sem penas e tu és a princesa. o mundo é da tua altura e os sonhos correm nas pernas de gigantes que te levam ao colo. para onde a vontade vai.
tens lá dentro as paisagens da ternura e da surpresa.

agora, quando te abraço, ouço um cristal a estilhaçar-se, pó a sufocar-te os dias.

quarta-feira, 21 de março de 2012

tardes longas

tardes longas, as que te esperam. caminham ao lado de gente alheia ao lugar vazio que cresce ao meu lado.
e o inventário de todas as coisas que em mim vais guardando não cabe nas linhas desta impaciência. é nos teus ouvidos que as quero deixar. uma a uma, na certeza de nada esquecer. repito-as então, devagarinho e deixo o olhar vaguear.

tu, não estás na cadeira vazia e as tardes continuam absurdamente longas.

um verso


pediste-me um verso
de olhos no chão, a fome a cobrir-te
e o frio teu pão.

pediste-me um verso
na mão estendida, um rosto vazio
no fundo de mim.

pediste-me um verso
no grito esquecido, da boca e do beijo
onde eu poisei.

pediste,
não peças.

já não há versos em mim!

terça-feira, 20 de março de 2012

nestes dias


acordo nas pálpebras de manhãs
prenhas.
num brilho que de sol
amolece, escoo-me
pelos teus dedos
que a mim
confias.
desamarroto as linhas
adiadas
e penduro-as
no estendal do teu abraço.

é nestes dias
que no trinar dos pássaros habitam corações.

promessa

esbugalhou os olhos na clara
manhã.
em preguiças lentas
de frios que caem.
pés
na morna espera da luz
ansiada

e a terra a gemer na promessa feita.

segunda-feira, 19 de março de 2012

o tempo de ti

em todo o lado te sorvo, a ti,
que não preciso
invocar.

respiro-te, semente que me fez,
nos dias
acontecer. ainda que sem
sombra
ou
abrigo
em ausências me sou,
te
sinto.

florescem-me no peito
vontades de

ao tempo de ti, voltar.

ainda cedo

era ainda muito cedo.

um tempo de estrelas no véu
do meu colo.
não escorriam orvalhos pela face
das manhãs
adormecidas. as horas,
caladas,
encostavam-se.

eram estranhas as luzes
em teus
olhos
no caminho dos teus
dedos.

desabotoavas-me.

domingo, 18 de março de 2012

das palavras


com quantas palavras se escreve amor,
em quantas vive a ausência
se cala o medo,
por quais correm as lágrimas
e onde se escondem as que prometem?

serão surdas as que falam de silêncio
e cegas as que nos tocam?

onde acordam elas senão
na voz que as fala,
tantas vezes amordaçada
a engolir em secura
o medo
de se fazerem.

sábado, 17 de março de 2012

memorial


apagaram-se todas os traços
engolidos pelos lábios sequiosos deste mar.

uma espuma tardia
desenha ainda em angústias côncavas
nos restos
que nada dizem
um memorial de sabor a lágrimas
que caem
já longe
no rosto de alguém
que não volta
atrás

não as cales


não julgues que não vejo as palavras que encostas aos meus ouvidos
que não sinto as que derramas sobre a minha pele
não penses que ignoro o bailado das que dançam diante dos meus olhos

não o faças, não as cales.

há um mim um faminto cansaço de palavras incrustadas
que me roem as margens dos rios antigos por onde navegou antes
quem aqui deixou memória.

faz dessas palavras tormenta que engula o que já foi.

sexta-feira, 16 de março de 2012

o encontro


quem disse que estava já marcado o encontro?
que um dia te atravessarias e eu
roçaria no teu perfume
e embriagada sonharia o meu futuro?

ninguém?
tê-lo-ei adivinhado eu?

ou as horas abandonadas
e os dias
trocados em percalços
que não antecipei
desenharam os meus passos
na rota dos teus?

ah, importa muito saber como foi?

digo-te que não
porque saber-te é quanto basta.

a manhã
que se abre nos meus olhos di-lo com a clareza
do sorriso
que antecedem as tuas palavras.

a viagem



recolhes agora, dele, uma mão
cheia
de todos as horas
acesas na tua memória
e olhas-lhe
o rosto à espera de mais.
és tu quem lhe vela agora
o sono
e a viagem faz-se
onde tu não estás.
guarda-o nas palavras
com que bordas os tapetes
que estão
à porta da tua casa.

saberá sempre onde
voltar.

quinta-feira, 15 de março de 2012

inocência febril


uma inocência febril a sacudir-te
inteiro.

e a visão, de neblina, a
cobrir-se.
no calor das mãos a sede
doutros co(r)pos.

beber-lhes,
sem pudores,
o néctar derramado

num último estertor
um homem a fazer-se.

quarta-feira, 14 de março de 2012

morres-me


morres-me
onde a esperança definha.

opacos silêncios, em tardes vazias,
amontoados
em cantos por pó habitados

tecem aranhas,
prisioneiras redes
e a luz escapa-se aos olhos
famintos.
não sabem do fim,
na embriaguez.

corre-lhes o frio a cerrar pestanas,
que fiquem de fora todos os enganos.

já te carrego morto.
que de esperar,
deixei.

filho meu


em metade me vejo no que de ti és
coração inteiro
a pedir-me as pernas
que noutra metade deixei.
em teus olhos nascem sonhos
que acalentei
sementes regadas
pelas mãos que te sei
sol aberto
em invernos
onde o frio se recolhe
no teu abraço.

filho meu
homem
futuro.

terça-feira, 13 de março de 2012

não sabes






adivinhas-me
em cada palavra escrita,
desenhas
as minhas rotas
pelas linhas traçadas em pausas
e correrias.

dos teus olhos rompem
as minhas lágrimas.
como os sorrisos ganham voos
de pássaro, feito
em ninhos que na minha
boca
nascem.

e não sabes que em mim vivem
todas as mulheres.

a violinista



falei-te dela, das tardes em que o sol parava nas toalhas estendidas e nos risos dos garotos em bicicletas sem pedais. dos casais sem par e meninos pela mão que pasmavam como tu ao ouvi-la tocar. e dançavam em rodopios que os deixavam tontos a cair nos braços de quem não os queria de joelhos esfolados e lágrimas a correr. dos outros em pose para dias que não esqueçam e a máquina que pesa a gelar os momentos.
falei-te de tanta coisa e tudo me ouvias. num tempo que já passou.
sabes que ainda toca no mesmo jardim? e carrega nos bolsos duma saia mágica mil segredos que desvenda aos bocadinhos. e os miúdos juntam-se a pouco e pouco animados pela música à espera do que pode acontecer. de vez em quando salta sem qualquer aviso dum bolso flor ou dum bolso borboleta, ninguém o pode saber, uma qualquer surpresa que lhes desponta estrelas no olhar.
é aí que te encontro de novo. nesse firmamento onde o espanto acontece.
e tudo é novo outra vez.

segunda-feira, 12 de março de 2012

um certo voltar


e na cortina cerrada os olhos apequenam-se de tanto querer.

ontem é já longe e tudo esfriou na mesa em que sobram lugares.
falam da primavera que madruga lá fora, não ouviste tu, também dizer?
deixa-me este certo voltar fazer o que não cumpriu,
que é tão estranho sentir frio em arrepio a gelá-lo e chuvas que ninguém tem
e lhe afogam os sentidos. estranhos mares que nele vivem!

um certo voltar, depois o sol.

dos teus colares


há coisas que não me dizem nada
não me estremecem as pálpebras
nem me viram o olhar.
a cor que me enfeita o rosto permanece
a mesma
e as batidas que já nem ouço
permanecem mudas.

passam indiferentes as ruas pelos
meus passos
e as horas, estranhas, pelo tempo
adormecido em caixas
governadas a pilhas de corda
acabada
por falta de pulso
e de
vontade.


dias na ausência dos teus colares
onde o meu pescoço
é altar.

domingo, 11 de março de 2012

eram

eram as conversas à volta da mesa, à volta do copo, na cabeça à roda em que tudo ficava. um saber-me bem, o saber-te a ti nas palavras soltas em risos abertos. um brilho nos olhos no gesto atrevido. deixar-te ir mais longe que as promessas feitas. dizer que estou tonta, que não sei de mim. e dar-te o bilhete inteiro na mão. e tu, já de nuvens nos olhos, a descerrar o nevoeiro no horizonte do meu corpo.

deste lado

deste lado, fechada, por tuas mãos
marcada.

por quantas vezes me olhas
nos olhos que baixo
ao fundo de quem me eras.
quando de amor
me pintaste a punho
numa explosão de estrelas
num céu

que nunca existiu.

sei do que falam as vozes

sei do que falam as vozes que me pousam
nos ouvidos
embora as palavras não se deitem
em mim há muito tempo.
lembro-lhes as viagens feitas a todo os sítios
então acordados.
com os vagares a espreguiçarem
a pele que me cobria os sentidos.
e dos murmúrios
envergonhados, o coro a fazer-se grito.
como dos rubores
a chama em que pouco a pouco
me acendias.
sei do que falam e nunca me serão estranhas.

falamos com a mesma língua, beijamos
na mesma voz,
amanhecemos no mesmo alvoraçar.

sábado, 10 de março de 2012

somos de memória feitos


bordou-te o tempo, nervuras e alguns traços à mistura. coisas que te fazem outra que não me deixam ver-te igual. como se te esculpisse, obra de outras gentes que não as que te deram vida. e não fosse ainda o brilho aceso dos teus olhos e a voz que soa clara como a dos outros tempos, não te veria sair debaixo feita folha de papel lisa com o teu desenho impresso, assim como eras e eu te sabia.

o que sabem os olhos afinal do que vêm e as mãos do que tateiam se não lhe ocorrerem as memórias ao ouvido? tinhas razão, meu amor, quando me dizias que não somos senão o que resta delas. aflijo-me agora se um dia elas se me secarem.

porque então até no teu abraço estarei perdida.

despertar


no orvalho desses escondidos vales
um espreguiçar de mãos
a acordar a manhã
que desperta
o meu corpo

no teu

sexta-feira, 9 de março de 2012

não fosse este sol

não fosse este sol que vem na falta que a chuva tanto faz. e a sede a crescer na boca aberta das raízes a gritar pão na terra gretada. parecem caminhos. em mapas que ninguém desenhou ainda. precipícios gigantes a abrirem-se debaixo de pernas que não param na labuta do tempo que rola sem parar, nunca.
não fosse este sol e não crescias tonta a pavonear-te em todos os cantos. a fingires-te outra e a seguires todos por todo o lado. calada, indiscreta. e confessa. prisioneira de todos os movimentos. sei que sabes e te deixas assim aprisionar. eco de luz, pensas, sem rubor ou emoção.
não fosse este sol e a ventania apenas te veria as lágrimas que agora assoas escondida na sombra a tentar esquecer tanta sede e tanta fome!

deixares-me


deixares-me assim,
as palavras, inteiras
sem disfarces
ou falas
que dizem nas entrelinhas
outras
que não são
as que as sabem.

seria melhor
então,
a nu
escorrê-las,
ainda virgens, tocadas
apenas
pela ponta dos meus
dedos.

deixares-me assim
mesmo em descuido, porque
te não guardas,
essas palavras por
inventar

serei o colo,
abraço, embalo,
ventre de quantas, tiveres
para me deixar

quinta-feira, 8 de março de 2012

diz


diz
diz o meu nome

o da pele que atravessas no
olhar
e faz em mim casulo
pelo tempo
de não estares

do cheiro que de mim sabes
quando em ti sou
ainda que não
te fale
e
sente
do mergulho a apneia
que te solta
o grito.

di-lo
nos gestos
que tão bem sei
ler.

sou


nos braços,
a bandeira, de raiz
cravada na vontade deste peito
onde te fazes quem és.

um grito a correr-te o corpo,
nascido no
meu,
onde morres na semente
que te entrego em flor.

a voz que faz dos teus silêncios
carícias
em novelos de ternura.

em todas as noites,
o teu cais
e água mansa
onde possas
aportar.

a mão que segura,
se estende,
entrega
e te liberta,
inteira aberta, como se asa fosse
no teu corpo.

a que está,
a que foi,
a que virá.

quarta-feira, 7 de março de 2012

quantas vezes


quantas vezes são precisas
para que saibas o voo do beijo
que mora
nas asas ruidosas
deste peito
a pedir
o céu da tua boca?

quantas vezes são precisas
para que saibas do frio
que nasce
quando não estás
e dos braços que me faltam
nesta ausência
do teu ninho?

quantas vezes são precisas,
quantas?

terça-feira, 6 de março de 2012

eu sei



eu sei que me pinto da cor dos teus olhos
que apenas sou o o que vês de ti,
em mim.

nas embriagadas marés
que se erguem a fazer-se espuma
na tua espantada cara
onde mergulho
as estrelas que de mim,
nascem,
para alumiar
as noites em que adormeço
ao teu cuidado.

eu sei.

segunda-feira, 5 de março de 2012

vem





vem,
aqui eu lambo as tuas feridas
e sei o nome de cada uma
das tuas dores
na paleta com que a carne
se pinta,

estocadas a rasgar-te
no ofício de seres
quem és.

vem,
no meu colo
aninhar-te.

agora

sentir na pele a queda tardia
de orvalhos
que te lamberam os olhos.
agora fechados.

e arrepiar os passos
da pressa
com que correm
desmedidos.

olhar o chão que já pisámos
tantas vezes
em cegueiras dum sol
a queimar
os dias.

sôfregos de madrugadas
onde éramos outros.
esquecidos
de nós.

em cada instante
a acontecer.

agora, já.

domingo, 4 de março de 2012

das minhas mãos





das minhas mãos, não dizias nada.
nunca.

as palavras vertiam-se dos teus lábios,
mudas.
e poisavam como plumas,
em cada dedo,
perdidas na concha
onde a tua sede
morria.

sabia-lhe da voz, meu amor,
sempre que delas fazia
asas, no teu corpo
a voar.

os teus olhos


e quando abro os meus olhos, são os teus que me abrem as janelas do dia. com a inocência escancarada na meninice a que apetece dar as mãos em passeios de domingo nos jardins onde ainda se fazem piqueniques e se brinca ao esconde-esconde. são esses berlindes que trazem todas as cores que me levam a saltar nos buracos de um jogo a que volto outra vez. contigo a segredar-me os caminhos que fazemos de mão dada.

sábado, 3 de março de 2012

só em ti

cais-me
neste colo para ti
guardado,
ainda que para longe e tarde
me regresses.

de ouvido atento
na tua boca me deito
e vagueio onde teus sonhos
mareiam.

é na tua voz que desperto
ilha
e só em ti existo.

quinta-feira, 1 de março de 2012

mesmo


mesmo que não sejas mais quem és
agora
que empalideça esse brilho
a luz onde tudo gira
e borboletas fossem
os que te
importam

mesmo
que ao cair da noite
sejam outras estrelas
o brilho que anseiam
a guiar
os olhos
e nas tuas mãos te deixem o frio
das palavras mortas

há sempre quem fique no fechar
das cortinas,
mesmo
que o cheiro de pó se instale
nas narinas,
sabemo-lo nosso
e não o rejeitamos,
damos-lhe a mão, cúmplices.

dum futuro a desabotoar-se
devagar
despindo as roupas com que agora
se tapa
em mistérios dum devir anunciado.