segunda-feira, 30 de abril de 2012

de pé, mesmo assim


de pé, mesmo assim.
inteira, ainda.
um sangue vivo a pulsar
nesta força
desconhecida.

dentes ferozes
de quem me fareja
os medos,
ferem a carne
que me cobre o corpo
castigado.

é nas marcas abertas
que a voz se incendeia
e grito a minha
liberdade.

acorda a vontade

acorda a vontade
antiga
dos dias claros nas
manhãs que o teu corpo
levantava nos lençóis

ainda

com o cheiro
que só em ti sei.

tenho uma pele a resvalar
silêncios
que não cabem
nas mãos

que te procuram.

domingo, 29 de abril de 2012

há dias



há dias em que me pousas no regaço
sem que te peça demoras
e alongas-te
no que em mim esvaziaste.

esse quarto onde
alfazemas crescem
na raiz
do teu peito
quando lhe entras
dentro.

sábado, 28 de abril de 2012

quando


olhei-te no fundo desses olhos
espreguiçados
no dorso das enevoadas
vontades
em trote manso pelo
despido vale
deste corpo

que se cala quando
não estás.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

as tuas palavras


pingavam como gotas
de ouro tecidas,
as palavras
com que de ti
me enfeitava,
em sorrisos inocentes
a bordar-me
o inútil dos despidos dias
acordados
a respirar vontades
de te soletrar.

até um dia
secar
a fonte
onde agora
de pó me cubro.

a náusea


ainda se desce assim,
na bolina
dum vento a soprar,
com asas inventadas nos pés
de ser criança.
até um dia
a estrada de trapos
se enovelar
no poço fundo das amargas
perguntas
onde as respostas se calam
na náusea
dos voos que tudo viram

e nada
daquilo pediram.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

a pouco e pouco

do meu imenso mapa
a pouco e pouco
fui perdendo
as coordenadas.

peças descoladas que
a pouco e pouco
se soltaram
em estilhaços

no rumor dos dias
esquecidos.

ouço-lhes o eco que
a pouco e pouco
extinguido
se silencia
na rugosa pele

onde me escondo.

é onde nunca me vi que
pouco a pouco
inteira
me faço
outra.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

chuva de abril


e o segredo desvenda-se na queda 
da primeira gota.
um céu em tumulto anunciado
de águas colhidas nos prantos 
dos rios
que  gente alimentava nos dias
sem esperança
em margens inquietas
de tanto querer.

é uma chuva que, inteira,
abraça a promessa
de fazer deste chão
um novo (a)mar.

terça-feira, 24 de abril de 2012

a tua luz

não há noite em que me deite
que tua luz não me sobre.
mesmo que na porta dobrada
ao frio
deste tempo que arrasto
comigo,
se encoste o escuro fim
das coisas.

uma leveza que me alinhava
as asas
desencantadas nas sedas
dessa tua ligeira
claridade,

leva-me
onde me quero.

como se

como se fosse um céu a cobrir-te
manso
de tanta ferida a roer-te a pele.

em ondas suaves , um doce
balanço
um querer dormir
em sonhos
alívio tecer.

fosse meu olhar,
a brasa a
sarar
a dor que grita
na enseada da tua voz,

e não dormiria, nunca.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

os dias

embora descesse o véu
da noite,
ainda a luz se estendia
no espelho
de todas as estrelas
adormecidas
ao colo dos dias

caule erguido em nascente
envenenada
onde a raiz se afunda
em busca de
perdão.

e numa prece
a extinguir-se
e ser onde já não é.

(assim se sucedem os dias
sem princípios, nem
fim.)

domingo, 22 de abril de 2012

é o gato

é o gato da vizinha a espreitar as tropelias
de ventos e chuvas pardas
tontas
do calor que as desfaz.

e os miúdos e quem chega
nas corridas sem destino
no saco cheio de nada e um corpo
a pesar o mundo
que lhe caiu
no caminho.

um cheiro a janta no ar
e a roupa para passar

é na cama por fazer
que adormece o cansaço.

mia o gato, ainda agora
a espreguiçar
outro dia.

sábado, 21 de abril de 2012

respirar

respirar as surpresas

que de espanto nos abrem o peito
do grito
apertado, em cargas aflitas,
de endereços perdidos
no cais desabrigado
das manhãs que nos levantam
os pés,
já doridos.

respirar as surpresas

e nelas ser a razão
de romper.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

um coração

depois,
fazer no coração a memória.
gravar-lhe a fogo os nomes,
as datas
e prendê-lo no peito
a tapar o buraco
que a arder
ficou.

com as cinzas pintar
a cara da noite
apagar as estrelas
que por lá
houver.

que ninguém saiba
da fogueira
que este amor
atiçou.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

guitarra

é abril de novo nesta terra.

seca dum sol a queimar-lhe as entranhas
que as lágrimas derramadas num
mar por nós
vencido
não rega estas dores
de cravo em punho

e a tua guitarra geme
baixinho.

conta-lhe desta história já
antiga
deste povo adormecido
do homem que somos
e da vontade
de amanhã
e depois e muito mais.

deixa que grite
ainda que chore
essa vontade de vir maio
e sermos nós
a fazer verde
este canteiro que apodrece.

terça-feira, 17 de abril de 2012

teu nome


dizê-lo baixinho, sumindo-o
nos dentes quase a tocar
-
se.
em lábios
fechados
para o aprisionar.
teu nome
rasteiro,
na surdina que obriga
o ouvido a chegar-se
aqui.
ter-te
mais perto, na voz
que não sai e se prende
nas cordas
que não deixo vibrar.

já basta a tremura e a insensatez que se atreve
a mudar
o ritmo neste peito
a bater.

que não calo. e às vezes,
penso que grita.
outra coisa não ouço ou sinto.

teu nome,
teu nome,
teu nome...

segunda-feira, 16 de abril de 2012

milagre

ah, esta coisa de ser mãe e um corpo a distender-se na vontade de te ter. nos sonhos de futuros que nada sabem nos tricots com que tecemos as malhas de abrigos dos corpos pequenos que guardamos como tesouros até podermos. e depois, desgraçadamente, em apertos, cada vez maiores deixá-los ir. aquelas caras que lambemos em todas as noites onde as lágrimas se faziam risos por existirmos as duas. ali. naquela barriga apertada onde te carreguei, tudo era mais fácil. não sabias de mim, nem eu de ti. não havia milagres mas a corrida da surpresa de te ver. e dar-te o direito ao avesso em que vivias.

foi esse olhar, teu olhar, esse que de encontro ao meu te fez entrar em mim, de novo. como se nunca partisses. mesmo se viajar fosse o teu amanhã.

pudesse eu ser a barriga onde nenhum mal coubesse! e far-se-ia milagre.

domingo, 15 de abril de 2012

onde em mim acabas

a impávida serenidade
da luz
a estender-se por onde todas as outras
se apagaram.
o sol a luzir onde
o meu
se extinguiu.

e os dias surdos às noites
que em mim se abatiam.

tudo continua,
meu amor.
onde em mim acabas.

só neste mundo
onde me dispo e ninguém sabe
da nudez que albergo
me dói
o mundo vestido
de ti.

sábado, 14 de abril de 2012

não sabia

ainda não sabia.
nem nas palavras
anunciadas.
ignorava os sinais, se os
houvesse.

estes olhos abertos nada
viam
para fora de mim.
numa prisão a que chamava
casa.
nesta vontade de me
ficar
onde ninguém de mim
soubesse.
e ser
só o que quisesse.
na distância que dos outros
me fazia.

viver miserável,
sustento
da amargura que me guiava.

e por todo o lado te encontrava
em cada caminho
eras
a morada
que nunca procurei.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

nesta casa

em todas as coisas me findo e em todas me sou pela primeira vez. em prazos que não conheço e me cobrem o corpo de esperas no fiar dos dias. e nada me prende ou adia neste tracejar.
acolho as promessas sem lhes pedir colo nem abrigo. sou poiso onde os teus pés cansados refrescam o lume das dores que te cosem ao chão.

e nesta casa onde tudo se faz de novo. de olhos claros e braços abertos, as chaves fazem-se dos sorrisos que penduras na dobra desses lábios, agora calados.

no beijo

talvez se calem os lábios
quando beberem nos teus, o pólen
de todas as primaveras.

uma vontade a crescer no sopro das claras
auroras
desamarra-se na polpa rosada
onde aninhas a voz
das coisas
que me apetece ouvir-te.

e só um pequeno toque
destapa
esta pele que nos cobre.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

deito-me em todas as palavras


deito-me em todas
as palavras que assim me
estendes
sem que tas peça
espreguiçadas na madrugada
dos teus olhos
na cama dos dias
e sem
perguntas
que me desfazes nas pregas
que soltas
no horizonte largo
de tanto
que
te vou sabendo.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

procurei-te


procurei-te

onde antes me corrias nos
braços
estendidos. na pressa de
laços
que atavas em
mim.

de ti,

nem sinais.

domingo, 8 de abril de 2012

embalada

em sonhos embalada, a ideia de seres.
uma falta nos braços e o mundo
a crescer.

esta míngua que me fica
desata-me os desejos
e mato-lhes
a fome.

aro meu ventre fértil
deixo a semente
penetrar
-
me
és agora um botão
no meu colo
a florir

dia do pai

no domingo, é
dia do pai.

a mochila, enche-se e fica
apertada.
o coração, salta e fica
apressado.

e o relógio,
não presta

em dias assim!

sábado, 7 de abril de 2012

guarda contigo


guarda contigo
o desabrochar do sorriso no caule
da pele.
a dança inventada na planta
dos pés
e um sol a deitar-se
nos teus lençóis.

guarda contigo
os olhos que dizem as palavras
fecundas
de lugares maiores.
os segredos guardados no gesto
adiado
e a fome a roer.
o corpo.

guarda contigo
a pressa sentida e
devolve-ma
um dia

na maré baixa dos teus vagares.

um piano adormecido





meu corpo
é
um piano adormecido
onde teus
dedos
inventam

(as mais)

intimas melodias

sexta-feira, 6 de abril de 2012

mordem-me os dias



mordem-me os dias como
cães danados,
na raiva sem margens
de quem perdeu
rumo.
de volta em volta,
num desalinho,
escorrem-me as forças
e perco-me, em
tonturas,
num chão que se
afunda.

e não há tenazes que rebentem
tais cruezas,
nem flores que sarem tantas
dores!

agora, o beijo


unir
ponto a ponto
estas bordas (como lábios)
do vazio entre
nós
e cerzi-las
no beijo
prometido
pelos
olhos,

agora

quinta-feira, 5 de abril de 2012

lamentos


no precipício duma garganta arranhada, a voz estranha de gente sem rosto. presos em teias de tempos antigos. em mãos de escarpas no corpo esculpidas, pelos dias.
a prece incontida nas margens do grito a pedir ouvidos num deus qualquer. lamentos caídos em terra de mortos num sonho onde pesadelos se aninham.

silêncios


um inquieto acordar nos teus silêncios derramados neste quarto para ti enfeitado. um leito de bordados por fazer de palavras e gestos, em rascunhos a decalcar, na pele em espera. espalham-se perfumes, a zumbir nos ouvidos ásperos na secura dos teus lábios. e tonta, prometo-te um vendaval de ternura na bonança das tempestades que correm dentro de nós.

terça-feira, 3 de abril de 2012

cais-me



cais-me, terno, no amplo abraço que o voo das mãos anseiam. e fazes-te pássaro em ninho num peito que para ti nasceu. és primavera em campos de guerra onde as armas se calam para florescer. nos lábios de prantos há sementes onde um sorriso cresce e se faz céu de estrelas sem fim.

o beijo

é na inocência rubra, a despontar
madura,
no alto da amurada
onde os teus olhos me fitam
que mora o beijo,
meu.

nascido onde as palavras
se fazem
de ti, ternura
e a pedir abrigo,
teu.

o bilhete

a casa era
antes.
dum tempo de risos
de bolas de trapos
e berlindes em covas.
os dedos eram ágeis e as respostas
prontas.
os beijos fugazes
e os rubores cresciam
em lugares ocultos.
umas bocas calavam o que
outras diziam,
os sonhos pulavam e entardeciam.

há quem ainda guarde,
agora,
um bilhete dobrado.
tenha da morada a cor
e da memória, as palavras.
só a chave,

lhe falte.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

meu filho

ao colo um baloiço onde
a ternura dança
de olhos presos em ti,

meu filho

agora distante
em sítios onde não sei ir
palavras presas
num mundo
de que não conheço o mapa
e línguas que
não desvendo.

e a mão que estendo
mas deixas cair
é abraço
guia
amparo
sossego
e colo outra vez.

são
os olhos que lembro
e te quero ouvir
quando pela manhã
abrimos as janelas
aos dias
da tua vida.

um dia
ver-te-ei
sorrir.

(dia mundial da consciencialização do autismo)