segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Sedução

Subiu-lhe a saia devagarinho disfarçando a pressa revelada no olhar. Um dedo apenas a puxá-la, os outros acariciavam levemente as coxas que agora mostravam uma cor que o sol pintara ao seu jeito. Ela afastou-lhe a mão com uma palmada e compôs a saia meneando a anca discretamente.
Na sua direcção o homem que há pouco a deixara entregava-lhe um copo com uma bebida de cor avermelhada decorada com umas folhas verdes de hortelã e um sorriso. Que ela devolveu a encimar um rubor que não teve tempo de esconder.
Ele deu meia volta deixando a sua mão passar duma forma quase casual pelo rabo bem delineado que ela lhe oferecia ao desejo.
O olhar que, de lado, ela lhe atirou poderia tê-lo matado se tivesse esse poder.
A seu lado uma testemunha inocente dava uma gargalhada puxava-a para si dando-lhe um beijo na face. Deixou-se agarrar. Retribuiu o beijo.

sábado, 14 de agosto de 2010

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O destino suspenso

Quase que adiara a ida. O medo do desconhecido e a vontade de o manter assim quase a fizeram deixar de ir. Acabaram-se-lhe as desculpas e foi.
Esperou por muito tempo. Ficou a observar quem chegava. Curiosa, sem impaciência. Casais mudos que se limitavam a olhar o relógio de vez em quando como se tivessem esgotado todas as palavras entre eles. Nem um gesto, um olhar... só a proximidade os denunciava.
Uma a uma as mulheres iam entrando, sózinhas. Umas saíam quase logo a seguir e dirigiam-se rápidamente à saida como se libertassem dum fardo. Outras demoravam mais tempo e traziam alguns papeis que tinham ainda de carimbar. Não falavam. Dirigiam-se a quem as acompanhava e saíam de cara fechada sem uma palavra.
Nessa altura ainda não percebera muito bem porque estava ali. Tinha feito exames de rotina e estava tudo bem. Um telefonema do seu médico alertou-a para um problema sem importância que seria resolvido por um médico da especialidade. Nada de grave. Há três meses atrás. Agora estava ali.
Chegou a sua vez. Entrou. Falou de si a uma médica que nunca tinha visto. Quando perguntou o que se passava com ela já tinham tirado um pedacinho das suas entranhas.
Tranquilizaram-na. Nada de grave. Vai ver que está tudo bem, que trataremos tudo a tempo.
Foi quando ela percebeu que tinha o destino suspenso. Pelo tempo das respostas daquele pedacinho que lhe tinham tirado. Mesmo assim , sorriu.
Levou consigo os papeis e saiu dali. Para cuidar de si.

Nessa noite, como não fazia há muito tempo, arranjou-se, vestiu o vestido mais elegante que tinha e saiu. Sózinha. Não precisou de ninguem para o fazer. Sentiu-se a mulher mais bonita por onde andou. A mais completa.
Iria sentir-se muito mais vezes assim. Prometeu-o a ela mesmo.
Nessa mesma noite.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O ritual

Plantou-lhe duas sementes no ventre.
A primeira deu flor e cresceu na esperança da outra.
Foi quando a agarrou nos braços e lhe fechou os olhos que deixou de ser esperança a semente que dentro dela germinava. E a vida num rodopio a perder o sentido.
Murchou a flor que com ela plantara e um dia viu-se sem a sua memória.
Sózinho , não mais fecundaria nenhum ventre, não desejaria mais nada.
Procurava no vazio encontros fortuitos com uma felicidade fugidia. Tentava capturá-la aí. Um dia já sem forças, partiu. Houve quem dissesse que de dor.

A mãe reservar-lhe-ia sempre lugar à mesa, mesmo que os lugares faltassem, para ele haveria sempre. E o seu prato predilecto.
Mas era quando todos saíam, no silêncio que então ficava, que ela se sentava no lugar em frente ao dele e esperava.
E ás vezes ele vinha. Esticava os braços por cima da mesa. Ela também. Tocava nas mãos dele. Estás mais magro. Ele sorria. Aquele sorriso aquecia-a por dentro, dava-lhe forças para mais uns dias. Sentia-o feliz. Ficavam ali um bocado. Depois deixava-o ir.
Não saía de casa. Não dizia a ninguém. Não podia perder estes momentos. Era o que lhe restava dele. Este ritual dava-lhe vida. Tinha a certeza.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Gruta


Rasgada por dentro, calaste teus gritos, nas lágrimas que ainda hoje te vejo chorar.
Tanta lágrima vertida fez de ti a mais bela das que conheço. E nem o manto que te cobre, pode calar ao mundo a beleza que esconde.

Nascente

Um sabor a sal prende-se na língua ao percorrer-lhe o ventre.
Cresce-lhe a sede que sacia na nascente onde todos os rios nascem.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Dirão

Escrevo o meu nome na tua pele. Com água.
Letras invisiveis. Aos olhos. Só.
Estão-te tatuadas na alma, nos sentidos.

Dirão que ao secar se desvanecerão das memórias. Que nada restará deste momento, que tudo isto é uma ilusão, meu amor.
Pois, que seja. Mas enquanto não for, vivamos este momento como se fosse eterno. Assim como o é o fluir das águas com que escrevo aqui o meu nome, com amor.

Olhou-a


Olhou-a nos olhos como se de água fossem.
Procurou-a dentro deles.
Enlaçou-a num só gesto e da sua boca provou o desejo.
Navegou então num corpo feito mar, feito onda...
e ele foi barco,
os braços remos
e de proa em riste
foi mar dentro.

E um grito fez-se eco pela noite.

Um dia

Um dia adormeci em teus braços. Embalado em teu silêncio.
Do teu regaço fiz canoa e dentro de ti abri caminhos .
Colonizei cada pedaço teu e em teu coração deixei meu estandarte.
Quando meu sono acabou, também, já eu te pertencia.

E agora só quero, para sempre, adormecer assim.

Rouco


Rouco sussurro-te ainda as velhas palavras.
Não me cansarei de fazê-lo.
Têm a idade dos tempos que fizeram de ti Mulher,
raiz na terra plantada por gota qual sémen, regada.
Vida a fazer-se, desejo a cumprir-se.

Quero-te!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Eis-me


Avanço devagar por ti adentro.
Sinto-te humida.
Recuo um pouco.
Dentro de ti sinto vida. Vida que anseio descobrir.
Murmurios que me chamam e impelem a voltar.
Avanço de novo.
Entre avanços e recuos sinto o teu apelo.
Mergulho então em ti e rejubilo.

Eis-me onde a vida se cumpre no desenrolar dos séculos.

Agora


A príncipio escondias-te de mim. Disfarçavas-te vestindo as roupas rudes da serra que era a tua casa. Deixavas que falassem de ti sem te conhecerem. Um dia abriste-te inteira. Deixaste que os meus raios te envolvessem e se mirassem nos espelhos que dentro de ti se passeiam. Enleado em teus recantos descobri tanta magia que há em ti.

Agora esperas-me em todas as madrugadas. Em todas te entregas e em todas te possuo.

domingo, 1 de agosto de 2010

Espanto-me


Espanto-me no gesto que te surpreende. De mansinho.
Abres-te de encantos que descubro só em ti. Para mim.
Num segredo que guardamos entre nós.
Navego agora nesses mares que em ti embalas e de viagem em viagem acosto em continentes por desbravar.
E o meu desejo é habitar-te!

Há muito tempo...

Há muito tempo que as lágrimas não lhe corriam face abaixo. E agora corriam sem parar. Toldavam-lhe a vista e aclaravam-lhe o entendimento.
Escondera de si o que agora não podia fazer mais. Na sua frente tudo se mostrava como realmente era. E era com isso que tinha de viver.
Percebia agora porque tinha perdido a pouco e pouco a luz, a vida e a garra que tanto lhe era característica. Anulara-se ao negar-se o que sentia.
Deixara de sentir.
A pouco e pouco apagaram-se do seu dicionário as palavras que temia dizer. Para não sentir. E assim perderam significado numa esquina qualquer da sua vida.

Agora ouvia-o com um sorriso que se ia apagando debaixo das lágrimas que lentamente, uma a uma lhe desvendavam o segredo de tanta alienação. Começava de novo a sentir.
E pedia forças ( há tanto tempo que não pedia nada!) para enfrentar a luz de tanto entendimento.

O casulo estava destruído. Não era uma borboleta feliz que de lá saía. Olhar o mundo desta maneira era ainda cedo. Era talvez já tarde. Um casulo em tempo algum resolve coisa alguma. E as borboletas não vivem por muito tempo sejam elas as mais belas ou as mais fortes.

Fossem as lágrimas o elixir da força já que foram a chave da verdade escondida dentro dum peito adormecido...