quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

além do frio


não lhe ficou nada nas mãos. além do frio. e aquele peso agora inútil de nada mais poder acrescentar às coisas feitas. as palavras arredias perderam-se para sempre. e sempre era uma eternidade. agora no frio das mãos. a colher a água que um corpo triste amontoa. e é tanta que não cabe e sobeja. em tempestades. a que chamam dores.
agora sabe das coisas. de muitas coisas que dantes lhe pareciam longe e agora lhe moram dentro. na palma da mão. vazia de tudo. e cheia do frio de não ter nada.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

correm nas terras


correm nas terras deitadas onde as serras se levantam, preces antigas, murmuradas na cadência do vento agreste. um gemido a sair das entranhas duma terra onde tudo aconteceu e só as ossadas da memória o contam. além dos olhos, baixos e vazios de quem fica. enterrados no negrume da viuvez de quem resta. tristeza colada ao rosto lavrado de amarguras. em cada sulco, a desilusão que não se plantou e se colheu.

gente cansada de não ser gente, faz-se na terra árvore e pão. e a voz no vento não é do tempo. é o sentir que lhe vai no coração.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

quando te deixas em mim


eram feitas de urgências essas palavras que despias aos meus ouvidos. nessa meia voz amanhecida no meu espanto de te ser apetecida. e não havia lugar para promessas a lugares guardados para quando o rubor se iluminasse na boca de todos os silêncios. onde os segredos se deixam revelar.
na espuma que se faz quando te deixas em mim.

há um entardecer

há um entardecer na puída pele que de cicatrizes nos cobre a carne. em todos nós. um cansaço que adormece tempestades e vontades. mas uma maciez que envolve e embala ternuras que nos enfeitam. as frestas abrem-se em janelas que sabem ver melhor. e dias tristes sorriem ao mais leve raiar de sóis mais bacilentos. como se quase nada fosse quase tudo por sabermos que um tudo nada nos espera.
e somos então imensos onde não cabemos e ficamo-nos para além de estar. onde os outros nos quiserem. pelo tempo do nosso tamanho.num lugar onde só cresce quem amamos.

e ainda agora te levantaste



deito aqui as flores que as primaveras não se esquecem de fazer florir. nunca. mesmo que não as vejas. agora que te deitaste no sono de todas as noites. acabado o dia da tua vida.
e ainda agora te levantaste.
pego nas pontas dos sonhos enovelados pelo carinho dos teus dedos. minuciosamente. bordados a preceito com o brilho desse teu olhar.
que não esqueço. (como o poderei fazer, se me iluminam os passos onde me perco?)
com eles tricoto as horas onde me faltas e eu te encontro. manta tecida de memórias onde a primavera se reacende eternamente.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

chegou a hora


conheço este chão que me foge, a engolir-me os passos de que faço os sonhos. inteiros, a estremunharem as horas macias que levantam os dias. frágeis que são. como a água deste mar que me corre nas veias e me sulca o rosto em rios onde os teus lábios maduros colhem o sal das palavras.
nos teus olhos, os meus de espera feita. e a voz erguida no tumulto dum só peito. chegou a hora.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

ali



a hora afundava-se
na redonda espera
desses teus olhos
abertos em patamares
erguidos na esperança de tudo
acontecer.
e nem a correria do tempo
medido a compasso
baixava as persianas dessas janelas
onde escorriam chuvas
por falta dum sol que ficou
para vir.

perdido em lugares,
onde o esquecimento
mora.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

naquele tempo


naquele tempo ,
só te sabiam, as vésperas
por desembrulhar.

e já nas bocas floriam
as palavras
com os segredos
que nos meus lábios
vieste (mais tarde)
decifrar

com a sede dos teus
na lonjura de esperar.

dias assim


há dias que acabam assim, pendurados nos olhos. a pedir para ficarem por mais tempo. arregalados. e o coração arrepia a batida para ouvirmos o silêncio quando vem. não sabemos quanto tempo dura. parece-nos sempre que é demasiado pequeno para tanto que esperamos.
só nos fica uma certeza. a de voltar a acontecer. outra vez. inesperadamente.

por fim


de
antecipadas margens
são estes braços,

feitos.

onde teu corpo cabe.

caudal inteiro
a cumprir destino onde
(a) mar
se rompe.

por fim.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

peço



a pedir ausências de memórias e a queda de silêncios. lugares onde as palavras, nuas, não saibam mais por onde andaram. e só nos beirais de lábios inocentes, espreitem os rumores. mas calem os segredos. mesmo que num beijo. de ave, que o leve.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

a bordadeira


no vagar das tuas mãos,
bordas
as linhas dos dias.
invísiveis dores
que os teus olhos colhem
na praça
asfaltada pelos passos
de gente
que teima em andar.

há ecos antigos
de risos ingénuos
nas esquinas coçadas
a esboroar-se.
caliça dos tempos,
como migalhas
a fazer caminho na esperança
que cresce,
selvagem, no peito.

mas há sempre alguém
que num gesto agreste
te sacode o corpo.
e
o espasmo acorda
a ferida aberta
pelo roçar lento

de tal bordadura.

afinal, és gente!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

havia um mundo grande


havia um mundo grande, maior que a noite escura a crescer no peito, onde não cabia o medo de não saber das coisas. havia gente tamanha, doutras falas que nos gestos fazia a língua entender-se, como se choro ou riso bastasse e o abraço  medrasse o coração que teimava em bater tonto, fora do tempo. terramoto onde desmoronava.
crescer doía, não fosse a ternura. até dum boneco sem nome, com cheiro a colo.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

sou-me em ti



nos teus olhos, a primavera dos meus, conta-me histórias antigas que adormecem as que agora me trazem os dias e me tardam nas memórias.
falam-me de quem trago embalado no escuro deste peito enrugado da fartura dos anos que o cansaço apoquenta. sacio-me no rumor dos teus passos e no sorriso que ainda nasce nestes lábios mesmo que as palavras não tenham a doçura de antes.

sou-me em ti. e renasço.

deixa


escreves pelos teus dedos a manhã colhida na ternura dos meus lábios, ainda húmidos. e as palavras sussurram segredos que te espantam o olhar. comovido.

para onde vais, também há pardais que em cada primavera voltam ao seu revoar. deixa que te tragam contigo.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

fado


voam nas esquinas envelhecidas, murmúrios que as bocas cruzam para não sufocar. medos que crescem e esperanças que morrem. passos em caminhos sem destino. cansaços feitos em dias tenros que envelhecem sem ter idade. um desalento que adormece em campos férteis de pesadelos, baldios despovoados de sonhos e de gente.
e caminha-se inscrito na matriz dum fado que nos entorpece.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

palavras


haveria palavras bastantes para te deixar com tanto que não sei dizer-te? em quantos noites, sufocará a voz a morder as palavras que se enredam na língua?
por testemunha um céu, de onde se ausentaram estrelas e vagueiam as memórias dos teus voos. picados e audazes.

as palavras são tantas e nada sabem de nós.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

quantas vezes?


quantas vezes teimaste que este dia não acontecia? quantas vezes te caiu ele, pesado no tronco, desprevenido? e essas mãos cheias de promessas colhidas nas boca que alimentaste, quantas vezes as olhaste vazias?
esses pés tolhidos em procuras que a esperança desconhece, não te sabem as respostas de tantas vezes teus rios, neste mar, virem morrer.
procuram as razões que calaste quando em teus olhos definharam, vontades de marinheirar.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

não sei para onde vou


agora, não sei ainda para onde vou. mesmo que estejam traçadas as linhas, há dentro de mim a indecisa vontade da não fazer caminho. nas mãos que sei abertas e onde não me lanço em voos.  de asas curtas, ainda sinto saudades do ninho fresco dos meus sonhos a forrarem a penugem tépida das manhãs de remelas nos olhos guarnecidos. da água límpida virá a claridade que me dirá coisas que a luz dos teus dizeres ofuscam. deixar-me-ei afundar para me vestir de transparência.