quarta-feira, 30 de novembro de 2011

quando a garganta seca

quando a garganta seca as palavras não saem da mesma forma. é preciso embriagá-las para que, tontas, se soltem. não as devemos olhar de frente. fazer de conta que elas não nos pertencem é o melhor que podemos fazer. poderemos sempre dizer que não são nossas. que não as conhecemos de lado nenhum. melhor, que nunca ouvimos falar delas.
olhá-las de alto, espreitando o horizonte. há sempre tanta coisa para se ver. recostarmo-nos ao aconchego rotineiro dos dias que sempre acabam, aconteça o que acontecer.
deixá-las falar até que de novo sequem na raiz. venha o copo que se segue. faça-se nova rodada. enrolar-se-ão. serão o que sempre foram. de regresso à nascente. ainda sem nomes. balbucios, nada mais.

far-nos-emos gestos. seremos no toque a língua universal. e aí, amor, não haverá mar para onde nosso olhar navegue.


o balanço perfeito

ergues-te no balanço perfeito, golpe de asa ainda a crescer a par com as histórias que nascem já feitas. vêm de mundos que já esqueceste. onde foste homem e super herói. onde havia paz porque a conquistavas. e às trevas levavas teu raio de luz.

foi quando hibernaste no túnel do tempo que a vida cresceu. mas nada mudou. sonharam-te esperança, construíram-te castelos. fizeram-te rei e cercaram-te de muralhas.

entre nesgas do tempo há vestígios do que por ti passou nos tempos do que um dia foste. e em ti agora desfralda bandeiras. a memória reacende-se no salto que te leva ao alto dos dias. no cimo das coisas vê-se mais longe.

carregas em ti a eternidade. mesmo que noutro a continues.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

quantas?

quantas chuvas, quantos sóis, quantos ventos e calmas tardes pousaram aqui e se foram levando-te assim de mim? sem aviso, insuspeito, entre silêncios e sombras, num tempo de não ter conta...

procurar-te agora neste horizonte sem fim, de olhos largos e bolsos cozidos. minhas mãos abarcam sombras que não podem recolher. é a ponta dos meus dias que devagar desenrolo para maiores irem mais longe. onde te possa encontrar.

não importa quando. e mesmo que não me olhes. será teu este tempo que levarei embrulhado quando de ti partir.

ainda

destapas-te. descobres-te. espreitas o sol e deixas que em ti se deite. é preciso irrigar essas veias onde outrora verteu um vermelho coração. do frio que agora arde ser degelo e combustão.

há um céu onde cabem todas as vidas que na terra sobram inteiras a moer por não o saberem ser. e voam ligeiras sem asas e pés de cartão. nas chuvas que caem moem-se de chão.

mas tu ficas. recusas a ida com o bilhete no bolso. haverá um dia o tempo de nada poder fazer. e dizer não ou sim, não ser decisão. hoje ainda é dia de agir.
dentro de ti, um coração a bater. ainda o sentes e a força em teus braços ainda chega para alcançar a minha mão.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

são só sombras

sempre se volta. das guerras todos os despojos foram já apagados. há sinais ainda que as cicatrizes teimam em falar. nas histórias que se contam agora. e mesmo voltando não lhes calamos a voz.
os dias têm as mesmas vinte e quatro horas e acordam com a mesma luz de outros tempos. procuram nas esquinas os choros e os risos e além nos corredores as correrias e atropelos. nunca desistem de o fazer.
acolhem testemunhos que gravam nas entranhas. nada lhes passa sem passar. reconhecem os rostos, os gestos e as palavras e gemem aos ventos os segredos que já não podem guardar.
é nas noites de tempestade que, julgam alguns, se encenam bailados e dramas de coisas passadas.
são só sombras das memórias que caem por entre a cal das paredes que antes abraçaram vidas. inteiras.

a vida não é um sonho

à luz tudo parece acordar-nos tanto que queremos adormecer e já cansados deixamos que aconteça. ainda caminhamos lado a lado e já não sigo o teu caminho. apenas adio os passos que ensaio nas noites em que te olho. remendo a remendo, colámo-nos, argamassa, porque nos queríamos assim. hoje somos pedaços de nada, vazios inquietos a ruir de silêncios na sede do que fomos.

tenho saudades do brilho dos teus olhos, do teu riso e do abraço que ainda não tinha e já sentia. e morria a correr na foz do teu peito. essa boca, tua boca, em mim respirava e devolvia mil vezes a vida que por ti perdia. tuas pernas nas minhas, o enlace perfeito, na dança que a música só nós dois sabíamos... ai há tanto tempo.

à luz, mesmo de olhos fechados a noite não acontece. e a vida não é um sonho.

domingo, 27 de novembro de 2011

um anjo

não sei se os há. mas alguém inventou. no frio de corpos que sonhavam abraços. e de asas estendidas, com penas bordadas a pérolas de lua, fizeram-se nuvem no céu da amargura. em raios de luz poisaram no peito que a descoberto ainda sangrava. do novo, do velho, até da criança que por ali andava. e feitos pardais ou pombas talvez fizeram na terra os ninhos de vez.
é vê-los ao pão, migalhas que seja. importa o sorriso, as correrias, os voos e tudo de novo.
são anjos. e cobrem-se da pele que tiverem à mão.

lembrar

lembras-te se choveu naquela tarde? sei que dentro de ti chovia. naquele alpendre que tu cobrias de gargalhadas e onde todos se abrigavam. só tu não tinhas espaço para onde pingassem as tuas chuvas. e também elas te molhavam. dizias que gostavas dela. da chuva. mas sei que te doía. um ping-ping que te martelava os dias e só tu ouvias. ninguém mais lhe dava ouvidos.
lembras-te por mim, eu sei. não me querias de caracóis. e corrias para eu manter a lisura. e eu corria para fugir ao tempo. corríamos os dois das mesmas coisas e não o confessávamos. lembrar era a ultima coisa que queríamos fazer.
e quando à noite, cansados, me tiraste a roupa que me atrapalhava o corpo na urgência do desejo e me levaste para a cama, apeteceu-me que apenas fossemos eu e tu. estava já farta de fantasmas.

sábado, 26 de novembro de 2011

não importava sequer

não tinham conta os dias nem as horas. nem importava sequer. agora era só aquele instante. e poder em granito fazê-lo. como se escultura fosse e nada a pudesse perturbar. nem o riso dos garotos, o voo dos pardais, as bolas desamparadas ou as faíscas de temporais imprevistos.
mesmo em noites escuras, com as mãos colher os momentos nos recantos polidos do tempo caído, do musgo a vestir as linhas que se escreveram da boca ansiosa com medo de se perder.
não importava sequer. corriam os olhos e toda a vontade num tempo maior. sorvia-se o ar como se fosse novo devagar como se uma luva se vestisse. um dedo de cada vez corpo adentro. e em vez de peso, leveza.
podiam partir e o dia acabar. ali acontecera a eternidade.

as mais puras coisas

nunca houvera desalinho. e nunca nada fora premeditado. tudo acontecia na face dos dias envergonhados mas assumidos. de nada se voltava atrás. e tudo se cumpria. do alinhavo ao ponto perfeito, corrido, bordado na perfeição do uso do costume de tantos anos que os dedos já tinham formas de não ser outra coisa que não costureiros duma vida a correr na estrada que via pela frente.
de tudo houvera e tudo questionara. nas noites mal dormidas e nos olhos inchados cresciam os dias em respostas pespontadas com linhas de cozer angústias e anseios a voar em papagaios. de tanto puxar doíam-lhe os braços e outras coisas de que não queria dizer o nome. temia acordar-lhes a alma se o fizesse.
havia quem a pensasse muda e fazia-se mouca. sabia de tudo e nada confessava.
até que alguém, talvez criança inocente, lhe descosesse tudo quanto corajosamente alfaiatou, descobrisse enfim o segredo das mais puras coisas.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

fim

sabias, sempre o soubeste.
trazia-lo amarrado
dentro de ti.
esse adeus adiado,
esse dar
a quem não te dá mais
o espaço outrora teu.

e partes.
de dores carregado.

ainda não aprendeste
a fazê-lo doutra forma,
nunca te disseram
como
e sempre o quiseste
saber.

em cada copo
e cigarro gasto
em lábios gretados.
nos gritos colados
ao peito,
argamassa ou betão.
tanto peso,

só tu sabes,
nos teus passos
arrastados.

é atrás que queres
voltar
ao tempo de
nada ter fim.

dar a mão

da palavra não sei. nem quero saber. só do pão que me falta e da sede que tenho.
dos dias em que me despeço adiando derrotas de batalhas perdidas. guerreiro que sou sem armadura envergada. de peito aberto ao frio e ao lume deste sol que me abrasa, são os rostos virados, as mãos pendentes que desferem os golpes que trago traçados nas gelhas do corpo. pausa a pausa aquieto a tormenta que me despedaça as entranhas.
trago sonhos embrulhados em trouxas de pano desfeito, puído, amarfanhado no lado esquerdo do peito.
e sou homem inteiro até ao fim. mesmo de rastos. meu nome será assim e numa vala qualquer ficarei até em pó me tornar. outros virão a este lugar. serei em todos homem e um dia meus sonhos não o serão. onde, não sei.
nem palavras, nem pão, nem sede, nem de sonhos precisarei. ser é quanto bastará.
e dar a mão. a outra mão.

lembra-me

lembra-me de te apanhar aí, onde te perdeste ainda a pensar que não crescias e eras eterno para sempre nesse tempo. um tempo em que tudo era possível e cresciam todas as coisas que então dizias das maneiras mais simples porque ainda não tinhas descoberto as palavras difíceis onde os erros se atropelavam e as réguas de cinco olhos te arregalavam as palmas das mãos e faziam saltar lágrimas que escondias envergonhado atrás de quem estivesse.
ai que tempo esse, de sobe e desce, de corre e pára, de assobio na boca e sonhos a pontapé...
das horas ninguém sabia até ao maldito contar atropelado de números que hoje nos sufoca num contar de tostões que outros nomes tem mas se traduz tão só em bolsos vazios. rotos estarão ou ladrões haverá. em vez de brincar o verbo trabalho conjuga-se no dia a dia e o prazer não se toca nem se traduz. que língua é esta que não se aprende em lado nenhum?
estrangeiros seremos ou nunca crescemos neste linguarejar?
dá-me agora a mão. estou cansada, já de tanto correr. não me parece que vá a lado nenhum. nem agora nem nunca mais. dá-me abrigo nessa tua louca gargalhada.
misturada nessa loucura não sou mais nada do que fui. apenas tudo do que quero ser.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

há vozes


há vozes que como delírios nos acodem sem febres e afinal lúcidas despertam dias que nas noites teimo em esconder. de nada vale o esconde-esconde que quando criança me faço, me leva longe de murmúrios e danças que já não nomeio para não visitar.
são poemas tardios na hora da deita que me embalam os sonos em barcas vazias. meus lençóis são ondas, nuvens dum céu que se afoga em tanto que deito dos olhos plenos de água e de memória.
declamo-te, acamo-te, amo-te. e abraço-te assim até ensurdecer.

um beijo


encontrava-a todos os dias em sítios onde não a procurava. de olhos suspensos no espanto das coisas que tardavam a cair em esvoaçares lentos de preguiças a combinar com o tempo.
conhecia-a dos sonhos que lhe amanheciam os dias em desejos que esfriava no duche atento aos matinais sentidos. só daí.
encontrá-la em tais sítios quebrava as possibilidades que um braço estendido podia fabricar. e um sorriso bastou. não houve icebergues e fez-se um mar onde navegaram conversas onde que se fizeram transatlânticas viagens para outras margens.
saíram de tais espaços e fizeram-se à rua, beliscaram as pedras, pontapearam a lua. um dia maior se fez para tanta coisa inventada crescer e um beijo a correr duma boca à outra.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

maldito presente

de tudo se despede sem dar tempo de o fazer.
num tempo a crescer em vazios inchados, semeados num tempo por quantos usaram como quiseram tudo o que havia.
e nada ficara.
só este inútil caminhar cansado das vozes e promessas cantadas por gente que não lhe pertence. já nada é seu.
foge-lhe a vontade. a alma perdida vagueia mouca a nomes que ora tinha e sonhos que transportasse.

maldito presente, em tempo fosse abortado. e esses violadores, tenham futuro castrado.

chegas-me

chegas-me tu, agora mesmo. aqui neste pedaço de nós. que nada de quanto trouxemos se vá. guarda-o comigo, tesouros de pó, eternos. agora sentados na pausa para de pé (dizem) morrermos. temos a força, eu sei. sabe-lo tu, também. debaixo deste negro que a alma também veste, a pele tem mapas de mundos que nunca ninguém cruzou. fi-los a pulso, com estas mãos que embalaram teus filhos e te deram de comer. e é no teu abraço que confio, no teu olhar guardião que me entrego. mesmo quando me dóis. e acontece tantas vezes que já não sei viver doutra forma.
chegas-me tu agora. chego-me eu, a ti.

basta assim


e continua
agarrada a roupas mal vestidas
no conforto
adiado de assim querer estar.

são as lembranças
que a fazem correr
para outros dias
que agora já
o não são
e tropeça
confusa na trouxa
da ilusão.

já só é
quem não é.
nada mais
sabe fazer.

a gargalhada
é fachada,
tropelia a rebentar
nas costuras.

de baloiço em baloiço
um voo a pedir
poiso.

a olhar
as margaridas
e o sol a despedir-se.

e nem atrás fora bom.
e nem lá queria voltar.

só despindo
sem pudor,
só virando e revirando
num avesso que nem sabe.
só assim
talvez se encontre
no pesponto,
linha a linha
que a leve
que a traga
que a devolva,
sei lá.
ao que é.

e assim seja.
por um dia,

basta assim.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

morrer


morrer em cada demorado cais
enseadas prometidas
por entre húmidos vales
e florestas
erguidas

ergue-se a vela
deste barco em mares
revoltos
na vontade
de aportar.

é já antigo o desejo
que carrega neste casco
e mesmo quando
o enterra,
neste mar
sempre renasce.

asa de voo largo


e quando na boca
as palavras se quedam
é na ponta
dos dedos
e na dança
dos braços
que então se escapam.
presas sufocam
e a palavra

é asa
de voo largo

não se voa rente ao chão


sorvia nos dias a cicuta pingada do tempo
por entre os dedos

ficava-lhe vincada na pele que vestia

no arrepio da alma
enrodilhada

no vislumbre de brilhos
que os olhos baços em covas enterrados
suspiravam.

(não se voa rente ao chão
se não há asas no sonho)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

as palavras

secaram há muito as palavras
caíram exangues por terra

inertes, afundam-se

em terra batida
pelos passos
que demos

há muito.

de nada te servem
as mãos erguidas ao céu
na busca do sangue
que lhes incendeie
as veias

e da fogueira
que por acaso ateares,
acredita, amor,

só noutras bocas  irão nascer.

há sorrisos


há sorrisos bordados
na orla do mar.

colhê-los a eito
na ponta dos pés,
no jeito gaiato dos dias
a nascer
ainda virgens,
ainda planos,
rasos de cor e de luz.

num braçado fazê-los,
no colo deitá-los,
como se fosses tu
até o dia adormecer

de luz apagada
deitar-te a descansar
(fazes-te espuma
és onda)
guardar-te na curva
dos meus lábios.

sorriso tatuado
em mim.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Uma flor

em teus dedos
para mim estendidos
deixei
pousar este
sorriso
que para ti trazia
regado cuidadosamente
no orvalho
das manhãs
inteiras de quanto és.

e assim cresceu
astro sol
onde
nos acolhemos
nos vazios
de frio
e desta manta vestida
sem ardermos
somos lume.

decreto


e finalmente decretou
que dados os sinais
observados,
viver
seria a palavra certa
com que se conjugaria
em todos os tempos
e todos os dias
o verbo suicidar,
porque assim acontecia.

e nada
seria revogado
até que na linha da esperança
se levantassem
outros sinais

e o verbo
se alterasse
e uma vez
se conjugasse
ressuscitar.

só uma vez bastaria.

todos assentiram
falando
com o habitual
silêncio.

(suspeitava-se que
alguns já
teriam conjugado
o verbo
como agora
se decretava.)

quietos que somos
(ou zombies, não sabemos)
com tudo
concordamos.

esperamos que
um de nós
reste
para que todos
nos salvemos.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

debaixo

debaixo desta que vês
refaço-me.

descoso ponto a ponto
as linhas do teu abraço
corto, acerto
dobro
ensaco
o teu beijo, o teu olhar.

as tuas mãos já não correm
nas estradas que cortei.
há barricadas
erguidas
neste forte que
me quero.
cerro as minhas fileiras.
sou guerreira
em construção.

daqui a pouco, não tarda
romperei a madrugada
será o sol a beijar-me no orvalho
da manhã
e esta terra , este chão
este céu e este mar
quanto baste
para sorrir.

por trás da porta


são as tuas palavras
de mel
doces e ternas
serenas
de abraços e carícias
feitas

que agora
acordam azedos
instantes
arrepios e frios
silêncios
de longes e faltas
de ti

dores que
quero ausentes
de mim

não existimos mais
o passado
já foi
a enterrar

por trás da porta
não há
quem tenha chaves.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

no amor não há pudor

na minha cidade
ainda se trocam beijos
e carícias descaradas

no amor
não há pudor.

o céu abraça
de nuvens estes telhados
a eito
deixa-lhes afagos
ternos entre lágrimas
e desejos
no sol quente
que embala

no amor
não há pudor

e as árvores
da minha rua
sussurram a cada janela
palavras de enrubescer
batem, gemem
uiva o vento,
sinto a terra tremer.

na minha cidade
há amor.

para nunca mais

cansados da luz
os dias
choram-te as horas
longínquas
em locais sagrados.

eternizam-te
em primaveras inúteis

não haverá jardins
floridos
nos regaços
das mulheres

agora
infecundas

algures o segredo
do pólen
que bebeste
quando de noite
te cobriste

para nunca mais
te saberem

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

para lá

há flores no olhar das manhãs
prometidas

e crescem rebeldes
braços alados
de sonhos cobertas.

um céu
duma terra a germinar
rabisca nuvens
com perfume
de tempos
ainda por inventar.

é para lá que vou.

em mim

há em mim
terra lavrada,
por tuas mãos meu amor
regos de água que não correm
laivos de azul que voaram

da espera da colheita
cansou-se
quanto floriu,
tudo secou no tempo
árido das
ausências.

cicatrizes de ferida
aberta.

(o amor arde
não cura!)


domingo, 13 de novembro de 2011

sem ti



colheu, uma a uma
todas as letras que conhecia
fez do seu regaço, casa
para as poder ver brincar.
sufocavam
sequiosas
de ar livre, de sonhar
correu com elas ao rio
e deitou-as
para navegar.

olhou-as a dançar da margem
a fazerem cordões
e a inventarem palavras
a cada passo de dança
a cada gole de ilusão.

deram nome a quanto viram
com cada letra
entre si
mesmo espalhadas
voltaram
ao rio
de onde partiram.

mas um dia foram
mar
e nas ondas salpicos
de palavras tocadas
pelo vento como se
cabelo fossem.

e na areia espuma
bordada
em jeito de poema

na voz mansa do mar
e no rugido feroz
a voz antiga das letras
que precisa de gente
para as dizer,

sem ti
no mar vão morrer.

sábado, 12 de novembro de 2011

mesmo

mesmo que me cubras inteira
ou dentro de mim te percas,

permanecemos
quanto somos em nós.

jorras de ti a luz em obscuros lugares
acesos devoram-te

calo-te os gritos
no dorso da pele que agora dorme

descemos a planícies
onde as searas crescem suaves

e damos as mãos
virando os rostos

não precisamos de nos olhar mais.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

foi muito tempo depois

foi muito tempo depois,
longe das coisas guardadas
nas palavras
a rebentar.

ninguém o adivinhava
naqueles dedos em veludo
a ensaiarem ternura
nos olhos viajantes
cor de terra até ao céu
por onde engolia o mundo
e se deixava sonhar.

e aqueles braços abertos
sempre em laço a fazer-se
quando de asas não eram
faziam margem ao colo
de quantos a habitaram
era assim que o queria.

da boca ninguém esqueceu
sabiam-na cor de romã,
e do riso que ainda ecoa
das palavras que espalhava
como se só semeasse

que brincava, era criança
nunca soubera crescer

e ainda assim
quando um dia lhe abriram o peito
encontraram um velho coração
despedaçado

mas
foi muito tempo depois.

uma lua qualquer

tirou uma a uma, devagar

a lentidão caía-lhe pesada no chão.
como as camadas despidas,
por fim

deixou o frio vesti-la.
suavemente.
na pele o rasto do arrepio
arvoredos desertos
vulcões adormecidos
e um rio
vermelho
a correr.

pendurada na noite
uma lua qualquer

e tanto negrume, a espalhar-se
pelos dias.

trago em mim o desejo

não há portas
que contenham
tanto de ti
que dentro de mim

trago

nem ventos
nem tempestades
nem desejos ou vontades
podem contra
o que és

em mim

sei-te ainda
linha a linha,
não me cobriu a distancia
a nitidez dos contornos,
desenho vivo

o desejo

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

abracei-te



abracei-te ainda o céu era azul
como o mar em que se fundia
sem saber onde e como
como nós
um dia.

abracei-te em todos os dias
ainda que de ti
de gelo tão frio
ficasse
e afinal era sol que ainda fazia
em mim

abracei-te com mil cuidados
para que tudo em ti ficasse
e nada de mim
sobrasse
no que tinha
para dar

foi dos teus braços
que me perdi
quando lhes dei asas

que outra coisa não sei eu fazer.

abraço agora esta ausência
que me dói.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

sou a chave


se me abrisses as portas
agora
entraria por ti adentro, sem demora
tal é a urgência
que em mim mora

de ti, sempre
de todas as mulheres que em ti,
como tu, são.

sou a chave dos rios
inventada por deuses
que do amor nada sabem

só de tremores, arrepios
convulsões e delírios
marés que transvasam
leitos

em que me deito a afogar.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

são mil


são tantas as mulheres,
foram tantas
pernas, coxas, cintura fina
a abraçar
o corpo que sonha
tocando-se em segredo
nas manhãs vazias.

são mil os cuidados, muitos os demónios
tantos os desejos
acordados no corpo alerta.
desejo, tesão.
quero-te. vem-te.
vai-te
(que me trazes, que me deixas?)
corpos vazios
exangues
sem nome

páginas em branco
como esperma derramado
sem saber o que dizer.

somos só nós


trocámos o amor por palavras,
feitas balas,
e não as sabemos calar.
carregamos a voz de amargura
onde o coração, ternura
se deixa armadilhar
somos os alvo e a arma, numa guerra
que nos vence
não somos deste país.
põe teus olhos nos meus e que lês, tu,
meu amor?
teus dedos nos meus lábios, que te dizem sem falar?
basta-nos
o silêncio dos gestos
na ausência das palavras
ao encontro do que fomos
de nada mais
temos falta.
baixa as armas.
somos só nós.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

teimosamente


teimosamente, reclinam-se no parapeito da luz
esvai-se-lhes o calor.

(traição)

há frios que percorrem os corredores vazios
à procura de corpos vadios.
disfarçados, entram-lhes dentro
percorrem-lhes as veias, bebendo-lhes o líquido da vida.

saqueadores de almas.

depois deixam que se iludam
e que teimosamente se reclinem em parapeitos
onde já lamberam a luz.

(traição)

há sempre mais um vadio em cada esquina.

só os sinais


era nas noites transparentes
quando os ventos
se afastavam lentos
para longe dali
que voltava aos sítios
onde depositara
as ultimas flores

só os sinais restavam

caía enrolada em si

acordava entre risos
brincadeiras de outros tempos

ali onde enterrara
um amor
julgado morto
vivia, num útero
impossível
um maior ainda a crescer.

domingo, 6 de novembro de 2011

Trancar

Trancar
o desejo nas profundezas
da pele.

Longe dos afagos
dos teus olhos
e das carícias
das tuas palavras.

Na secura
destes tempos,
a fagulha desses dedos
faria em mim
a fogueira
que ainda em brasa arde.

vermelho sangue,
ferida aberta.

Muita água
correrá a apagar
este peito incendiado.

Deixa o vento soprar
as cinzas
a primavera brotar.

Nos primeiros botões,
o desejo em flor.

sábado, 5 de novembro de 2011

Nunca mais

Estancar as feridas
que a sol aberto
se escancaram
como se mais nada
pudessem fazer.

Colher-lhes a dor
e fazer com ela
em proveta improvisada,
a espera de
nunca mais.

(Não se partam as provetas
nem os futuros tardem
que a esperança quebrada
é uma ferida maior)

(não há dor que se disfarce)
e as esperas são inúteis.

Espelho


Éramos um espelho a mirar-se.
E ajeitávamo-nos
na ternura dos gestos
na candura das palavras
no desalinho do que houvesse

Éramos
enquanto nos tivemos
perto um do outro

Foi quando nos alongámos
que as imagens se distorceram
e não houve mãos nem dedos
com distancia para
os gestos se fazerem

e um remoinho feito de palavras
afundou-nos

não houve nada
que lá chegasse para nos salvar

as palavras de amor
ficaram estendidas nas margens
à espera de sóis que as secassem

molhadas, pesam
e doem, as que só sabem das ausências

Éramos um espelho.
afogámo-nos.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Vestir é difícil, despir é fácil


Vestir é difícil,
encontrar o que nos assente
nas formas do corpo,
nos deixe ser como somos,
nos faça parecer
ser ainda melhores

vestir é difícil
cobrirmo-nos de conforto,
de prazer sem
tirarmos a liberdade
ao corpo que transportamos
e deixá-lo a ele também
ser o que lhe queremos dar.

vestir é difícil
descobrir no espelho
que somos ainda
aqueles que mesmo nus
ainda éramos,
apesar de agora
termos algo a
completar-nos.

mas...

despir é fácil
basta desapertar fechos,
desabotoar botões e
nem que seja preciso rasgar,
tudo quanto vestirmos
sairá de nós.

se me perguntares
como sei,
dir-te-ei
que
ainda agora o fiz

quando de ti,
me despi.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

de repente


de repente percebeu
tudo tinha acabado, já.

como se não houvesse passado.
e hoje fosse apenas
uma tela clara
e aí pudesse pintar
todos os amanhãs
livres de memórias empoeiradas
e cheias de arestas por polir.

sorriu
e sacudiu o que pudesse
restar.
nada lhe gotejou
por entre os dedos
que agora
se aprontavam a escrever
palavras esquecidas.

há sempre um
tempo que espera
a cadência dum poema