quinta-feira, 29 de agosto de 2013

calada



calada. na boca coze-se o silêncio. despido de todas as palavras. por linhas simples a ferro quente. e as línguas soltam-se em vendavais que te levam os braços no desgoverno que te aflige o corpo. cansado. e a vontade come-te a alma. vidrada nos olhos. onde te escorre despedaçada a força. sem enxergar a terra enxuta onde parar é aconchego. e verde é rio. da folha, mesmo a rebentar.
morrem-te nas mãos as árvores. que o fogo abraçou. e és tu que vais a enterrar.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

fogo


(fotografia de  Rafael Marchante/Reuters)
porque só podem ser atalhos os caminhos que cortam as mãos. e a vida se perde onde o caminho se esgota. perdido de sinais. alheios a quem os sabe de tanto se ausentar. e as vozes emudecem onde o grito se cansou dos vazios.

cobrem-se de cinzas os corpos. na lama parda dos rios que agora inundam os rostos. de nada poderem fazer.

não se pedem promessas. nem se erguem os braços ao céu. os machados gritam a revolta. onde a impunidade faz das chamas, trono. um inferno cavado num virar de costas. e um baixar de olhos. sem perdão.

sábado, 17 de agosto de 2013

não sou daqui


não estou aqui. sou de onde me transfiguro para aqui me fazer. pelo tempo de nada ser. porque afinal aconteço só onde me pensas. se das tuas memórias me alheias. esvazio-me. invisível. de ti.

as esperas


as esperas alongam o tempo.em inquietas pausas. lugares onde todas as perguntas se alojam ainda que as certezas aí sejam inquilinas. e as malas fazem-se no reboliço da contenda. entre esperar e partir. um tempo que não se quer de tão lento moer.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

terra mãe



volto a casa. dizem-me os caminhos. contou-me minha mãe. e nada sei do lugar aonde volto.
a não ser que lhe pertenço.

as pedras, que sabem elas? guardados no silêncio os segredos que lhes procuro, nada me dizem.
os pássaros, que vêem eles? no canto livre dos chilreios nestes céus que bem cedo me olharam que coisas puderam eles cantar?

e sei que tudo está igual por onde passo. julgo até ouvir pelas ruas a voz da minha mãe, quem sabe a de meus irmãos dos quais já não sei a cor dos olhos. e vejo o olhar dos velhos que não sabem quem eu sou. a velha casa onde nasci. porque mo disseram. gente alheia aos meus olhos e sábia do meu passado. de minha mãe e dos passos a caminho da escola a dar as primeiras letras. há tanto tempo!

nesta terra vazia, ancorada onde a minha infância naufragou, sobra o pó quente, bafo deste sol que adormece os invernos duros. como a terra que os embala.
já não correm meninos nestas ruas. vestem o seu melhor fato na moldura que fica ao lado da cama. que no último fechar de olhos voltem aos braços vazios de quem os chora. no medo de não saber deles. tão longe que foram!

agora há gente que parte para sempre. com a saudade na bagagem. poucos os que ficam. sempre à espera de quem chega.

volto a casa. para a levar nos meus olhos. embaciados.

começar o dia



dia. ah! por uma vez começá-lo sem pressa. sem medo. fazer com que a jeito se ajeite esta mornice de despir a noite e envergar a pele que a manhã nos presenteia. nesta luz que nos fecha os olhos. na surpresa de acontecer. simplesmente.

domingo, 11 de agosto de 2013

amanhã


amanhã. amanhã dou-te as mãos. hoje recolho-me aqui. neste espaço que tão bem conheces. de onde partiste e sempre ficaste. afinal. nunca se sai de onde não se quer. mesmo que o corpo se ausente. doendo. e se façam  migalhas a cruzar caminhos para não perder a volta que queremos dar. de pés moídos de tanto cansaço.
também eu gemo das saudades colhidas pelas ausências que choveram aqui. todos os dias. na espera ritmada de melhores tempos. da minha mão na tua. como dantes.
e agora, peço-te um tempo de espera. porque me sinto morrer. e não quero os teus lábios nesta pele seca por não a habitares. deixa que me afunde na miséria de não te ter. por mais um dia.
amanhã. amanhã dou-te as mãos. prenhes da tua sede. cheias da minha vontade. de ti.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

postais

em vez de cartas. longas, que me cansam os olhos e os dedos na labuta de casar as letras na dança de as fazer felizes. escrevo-te postais. maiores que telegramas. e junto as letras com a cola dos beijos prometidos. selando-as no abraço que estendo em passadeira onde os teus pés se viram no olhar dos meus. assim, tão simples.

os medos

quando a pele nos abriga. e o corpo é este amontoar de coisas a transbordar nos olhos.  o que me vês não é senão a transparência do que ainda não guardei. porque temo assustar-te. de quantos medos são raiz no que de mim é terra.

love letter

porque me ficam presas na boca as palavras que nos dedos são marinheiras no oceano do teu corpo, faço delas barcos . de papel. guiadas pelos cheiros das marés. onde me faço voz em ti.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

até os deuses


até os deuses, um dia renegados
pediram a luz do pai.
e cerraram os olhos, descosida a vida.
deles, as histórias
a desfiar rosários em dedos comidos
pelas agruras da fome.
e o olhar erguido ao altar dos céus
se enevoa na dor que escorre rios
pelos rostos gastos de corpos gentios.
em terra de breu.

e agora?


e agora?
que é feito de toda a vida que amassei com as minhas mãos? do fermento que a fazia inundar estes caminhos?
arredada da minha boca, sou faminto por labor de nada mais poder ser. das mãos gastas tenho o hábito e nos olhos a saudade dos bailados.
nas pernas o precipicio onde me debruço. não fosse lembrar-me que amanhã acontece nos meus passos e deixar-me-ia cair. onde a escuridão é a luz do conforto.

sábado, 3 de agosto de 2013

se fosse pequeno


se fosse pequenino este meu país. a caber-me nas mãos de aprendiz. ainda imperfeitas e de olhos pardos, dar-lhe-ia colo. no regaço onde guardo afagos. antigos. das memórias que invento do que queria ter. quando de dores padeço e estremeço. como ele agora. quando lhe ouço os ais.

puras


puras tuas mãos. mesmo que nelas assentem as poeiras. é debaixo da pele que nascem as intenções. virgens. e no corpo o verbo. calado. que a boca é do beijo. na sede de quem nada tem.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

amanhã

 

amanhã voltas-me. agora fecho os olhos. nesta caixa que já embalo és tu que entras. à volta os meus braços num laço. onde adormeces. e os teus sonhos fazem de muitas cores o papel que lhe adorna o jeito. no meu peito. hoje deixo-te no sono que o corpo te pede. no meu. e amanhã dar-te-ei o dia a beber. pelos meus lábios. assim que a mim regressares. ainda que a madrugada durma.

não digas nada


não digas nada. deixa que o dia escreva as palavras e que a tua boca ainda pequena se acomode ao sabor das que lhe planta no apetite de as fazer soar onde os ouvidos se encostem.