segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

em cada instante


em cada instante
o tempo a crescer-me
nas mãos,
ainda agora dobrava
a esquina
 onde se desfolhavam
as despedidas
e já se escrevem
no gesso fresco
por onde passo
as palavras
que ainda não
te sei dizer.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

sôfrega



colho, sôfrega, os intervalos lentos
que pousam nesta invernia areia
onde vagueiam só
na língua do vento as vozes
que antes acostaram onde bate
agora um coração a pedir abrigo
nas tuas mãos


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

de volta


de volta aos sons que pingavam frescos
de telheiros onde os sorrisos vertiam nos lábios
em que ardiam os teus beijos
e a chuva espantava os pardais
que em revoada alvoraçam
este peito cheio do teu.

e nada mais lhe cabia.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

hoje é natal



no escancarado peito
de revoltas ondas,
onde o frio queima o tempo
passado
a incendiar o grito
das manhãs que o sonho
antecipou,
nasce a primavera
dum tempo inocente
ferido na dor
que lhe veste a pele.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

neste meu chão




não te sabem as palavras, 
melhor 
que os olhos,
cegos na luz de te querer.

na tontura destes dedos
onde me desmaiam
vontades de te saber
cabem todas
as pressas anunciadas
das primaveras
onde me nasces
flor
neste meu chão.

são palavras




são palavras que se arrastam
na chuva agreste
do silêncio
que o tempo entornou
no beiral adormecido
das ruas
que os teus passos
esqueceram de acordar.
voam cansadas
de chão
a sonhar céus
onde os olhos não alcançam.

chovem saudade
de partir.

sábado, 8 de dezembro de 2012

não fosse



tinha nas costas o largo passado atravessado. caminho cruzado a braçadas, no diário acordar, ainda que de olhos presos ao sonho fresco da noite mal acabada. e tudo se reiniciava. preso na roda onde, mal amestrado, tropeçava na pressa de escapar. era lá, bicho de estimação!
queria-se nas vagas azuis que lhe prometia o olhar perdido no céu a confundir-se no mar. em horizontes vagabundos que sempre lhe fugiam a troco do preço de ser só mais um.

ah! não fosse a boca ter fome e não havia prisão.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

banco de jardim



cai-te aos pés o estilhaçar dum vidro arrumado na janela onde espreitavas, ao cair das luzes, uma vida que já não te pertence.

do abraço onde agora faltas ficou-te a memória escancarada nos bancos de jardim.
é no cheiro das flores que adormecem as carícias que um dia espalhaste pelo ar.

e agonizas por te ver, onde não estás.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

you´re next!




trazer nos olhos o rasgo de todas as feridas e o sangue no cheiro que respiras ao abrir da boca. uma secura onde as palavras se estendem. áridas a raspar como lixa esta língua que se cola a um céu onde já não voam pássaros e todas as promessas caíram no esquecimento. e querer esquecer que a seguir és tu. e nada podes fazer. mesmo que engulas toda a a água onde os teus pés se afundam e laves os teus olhos moribundos de toda a dor.
salva-te essa tristeza de que te cobres. é esse o país para onde emigras. e te acolhe de braços abertos.
e nada mais restar. e ser tudo já tanto. demais para o pouco que de ti fizeram.
you´re next!

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

talvez



há no fundo dum copo,
talvez,
o esquecimento
dos dias
que a noite,
ainda menina,
arrasta no brilho dos olhos
a prometer
sonhos abandonados.

sábado, 24 de novembro de 2012

até


do arregalado peito, o sopro onde guarda os últimos tesouros. nesta força de gente pequena, sobra a vontade que lhe rebenta os olhos na ânsia de um tudo-nada, abraçar. agora, que tudo lhe tiram, os sonhos, dormem também noutros lugares. restam-lhe os gritos que embala até o balão rebentar.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

assim, sou eu




numa mão, um saco cheio.
de ilusão.
na outra,
um saco cheio, da falta
enorme
do pão.
ao espelho, devagar
sumir a pó branco
a dor.
colorir o riso
onde mora a lágrima
e fazer do desajeitado gesto
o bailado
mais feliz do universo.

assim, sou eu.


terça-feira, 20 de novembro de 2012

a terra




são de calos torcidos,
os troncos, braços ao céu
erguidos
de calor a rebentar
e na terra, o suor
dos corpos cansados
a domar os montes
e a fazê-los
mansos
no chiar da enxada.
terra possuída
a fazer-se fruto
ventre desgastado
por força e ternura.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

mar





...
e estendo
este olhar que sem aviso,
rascunha nesse teu
papel ainda virgem
a voz que me descai
das janelas abertas
destes olhos
que te sabem o sal
das incertezas.

caminhos



há uma estrada neste novelo
que ainda agora teci.
e estes dedos bravios
de já negarem
as vontades a crescer,
apesar de tardarem
na lentidão dos gestos,
bordam caminhos
pedindo à ternura
que os aqueça, no tempero
que o brilho dos olhos frescos,
nas manhãs espreguiçadas
do teu regaço,
prometem.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

memórias


pesa-me nesta nudez que agora
visto,
a pele rugosa das memórias
que há muito esqueci
amortalhadas em esguios esquifes,
em rios de mármore
arrecadados,
sete pés abaixo dos meus,
calcados no fundo do tempo
de lembrar.

chuvas que não peço, inundam
este corpo sem destino.
e afundo-me,
em sítios aonde me quero
ao voltar.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

that is love



é a visão antiga do teu olhar,
pressentido no arrepio a toldar-me os sentidos,
de costas voltadas para ti
que hoje
calca a minha sombra
e me faz olhar para traz.

nevoeiros




acordaram embriagadas as manhãs.
embrulhadas em sonos que nunca
amansaram os medos
nos colos que os dias tirados
a ferros
pelos trabalhos sempre à espera
há muito levaram do catre humedecido.
lá fora caem cortinas, onde
os sonhos se desenham e a morrinha
escorre na mesma água
que transparece em todos os olhares.
e nada lhes sacia a sede de voar.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

farsa





em todos os caminhos
ponho os meus pés
na certeza de os
balançar em compassos
alternados
como se fossem
os dias a acontecer.
mas vergam-se as costas
no peso da dúvida
que olhos cansados
não deixam mais ver.

(há um pássaro ferido,
de asa partida,

na janela fechada
a fazer-se luz.)

let's get lost

esquece as fronteiras,
os muros, as portas.
esquece os medos, as dúvidas,
as ânsias.
esquece o que foste e para
onde vais.
esquece as noites
carregadas de sonhos
e pesadelos a cerrarem
algemas na vontade
que o tempo esculpiu
a quente
nesse coração.

ouve o ritmo batido
e entoa-lhe a canção.
let´s get lost,
pois então!

terça-feira, 13 de novembro de 2012

as gaivotas




diziam que o peixe acabara
mas a fome, não.
que o dia estava a meio
mas a fome, não.
falavam um dialeto estranho
mas a fome, não.
voavam de asas aberta
mas a fome, não.
às vezes voavam para o meio do mar
mas a fome, não.
outras vezes descansavam no areal
mas a fome, não.
no entanto faziam uma ou duas coisas
que lhe lembravam a fome
que trazia cozida no bolso abaixo
do coração
uma gritaria enorme
que lhe espantava a alma
e lhe rebentava os tímpanos
da fraqueza que trazia
amarrada
aos braços de onde lhe pendiam
inúteis mãos.

o teu rio




diz-me o teu rio
de águas livres, aqui na foz,
de asa aberta
toda a bravura, ainda inteira,
de cada gota
a fazer-se espuma.
ouço-lhe as vozes
que sinto minhas,
como se fossem eco,
de mim.

deixo-o então, entrar-me dentro.
somos só um,
num frémito de liberdade.

domingo, 11 de novembro de 2012

a casa




uma flor de pétalas
amarelas
ali, insuspeita.
um pássaro, de asas pardas,
de ninho
desfeito perdido no chão.
a casa vazia onde sobram
ausências
de riso e de pão.

meus dedos




meus dedos são ralos
na pele do dia
que me atravessa o corpo
ainda nu
a despertar trôpego
da vencida noite
onde os sonhos
se perdem onde os encontro
neste mesmo rio
onde afundo
as mãos e me despeço
de quanto já se foi
enquanto escrevo
pelos dedos (ralos)
que tudo deixam
escapar

sábado, 10 de novembro de 2012

hoje




hoje, espreitei o futuro
nas palavras,
todas, que arrecadei.
tinha na semente da minha voz
outras,
de que agora não sei.
ficou-me um gemido a cantar
melodias que embalo
neste dia que não promete sol
que germine
a soletrada esperança
a definhar.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

without regrets




que pássaros terão levado de mim, as memórias que me fazem arder os olhos para assim, a doer deixarem verter esse mar de angústias apertadas no sufoco de não ter onde desembarcar?

talvez respire há muito o vapor desse whisky que já nem lembro o cheiro por me ter feito secar muitos mares. em tempos que agora procuro e nem sei porquê.

temo ter-me já habituado a perder. saber mais certo deixar que encontrar. e viver dia a dia na possibilidade de tudo e nada acontecer, mas pelo frágil momento de nos passar pelas mãos. nada mais.

e nesse desassossego. sou o que o tempo me traz e leva, inconstante, constantemente. without regrets.
e as saudades, são um país onde não moro.

mas, também chove dentro deste arritmado peito. da mesma forma que faz sol nos meus olhos mesmo que brilhe o sal de alguma lágrima.

cegueira




estes  desenhos que nascem
das sombras
e acendem os medos
são afinal,
a inocência adiada
na inadvertida cegueira
das respostas
que procuramos na luz
que só ofusca
e nada
traz para além do brilho
que também se apaga.


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

às vezes






às vezes espreita-se a beleza
arrecadada
nos sítios mais
esconsos e inatingíveis.
inteira e pura
como só ela sabe ser.


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

mesmo




mesmo que seja de indiferença
o olhar que me veste
é só uma pele
que a noite me tira no vagar
com que me deito
já farta
de me fazer distante
nesta lonjura
onde só me sou
perto.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

engano




quem disse que hoje, as chuvas
regaram as plantas dos teus
passos,
desenhados no desalento
dos caminhos
por onde andaste?

foi o parapeito desta fonte
onde calaste a tua sede
que transbordou
na falta dos teus lábios,

isso sim.



segunda-feira, 5 de novembro de 2012

em caracol


cada degrau tinha
um nome
que se arrastava
na subida,
ao fim do dia.
do fôlego gasto
entre as baforadas
do cigarro amanhado
pelos dedos amarelos
que te sentem
o frio suor
a escorrer parede abaixo,
foi-se a memória
das palavras arrecadadas
nestes ouvidos moucos
que se perdem
de não te ouvir.

há caracóis mais lestos
que o andar
destas pernas.

é tão longe
o teu poisar.

a fotografia




era um cavalinho de pau
e um laço nas tranças que escorregavam
do alto das perguntas
onde os olhos comiam
os horizontes que não
continham
o mar a crescer
cheio de ondas
onde os meus barcos
só queriam partir.

e o cavalinho
galopou para longe
virando o meu mundo de pernas para o ar
na caixa de pau
que por lá ficou.


sexta-feira, 2 de novembro de 2012

talvez





talvez,
quando aqui soarem os últimos
dias,
talvez aí,
se descubram no velho tear,
as caligrafias antigas
que no ventre
da terra
se fizeram palavra.

e saiba então,
dar voz
a esta ânsia
que dentro de mim
navega.

talvez.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

P.S


não havendo rotas traçadas,
todas as possibilidades
são destino.

sem procurar
caem nas mãos em voo
as descobertas ilimitadas de portas
que o sonho não desenha.

todas as buscas adiam
as surpresas
na pressa de chegar
e perde-se o instante
que faz brilhar o espanto
e acender a esperança de acontecer.
só.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

andanças


andar 
no curto espaço das horas 
que se levantam 
ainda sem forças, 
para a curta 
paga que não conta 
quanto custam 
as meias solas 
duma vida inteira, 

mesmo 
cortada a meio.

domingo, 28 de outubro de 2012

esperas


o sol brilha na lisura do dia que se estende nesta estrada onde tropeço. do regaço pendem surpresas que não peço e da varanda onde os meus olhos pousam estendo a pala destas mãos desbotadas da canseira dos anos amontoadas na pele na mira de horizontes que demoram a sorrir.

sábado, 27 de outubro de 2012

há em mim


há em mim esta voz a soprar ternuras que embalam essas lágrimas ainda suspensas no lago dos teus olhos a brilhar. estrelas que me olham no céu do meu colo para esta terra ainda fresca da raiz que te levou de mim. calo-te os medos que engulo a seco para que não sequem os rios onde os teus sonhos naveguem.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

prece


faltam-me os que nunca me sobraram porque inteiros se ficaram. e neste enleio onde cabe todo o meu mundo estão todos quantos se ausentaram. porque dentro de mim é a casa dos que são resto e parte se em bocados ficarem, para no barro deste colo pelas minhas mãos se curarem. sei que se esvaziam presos em fios que caem ao peso de tanta amargura. a chuva demora onde o sol se esconde em tempos escassos de estações que rodam de olhos vazados no correr dos rios. quedam-se os corpos aflitos na espera da vaga que desperte a alma entorpecida e se faça o vento a enfunar as velas no barco que aporta ao cais de que se perderam. que a luz se faça das palavras mesmo que a noite aconteça. e a viagem não acabe ainda que o barco se afunde. a memória tem laços que se entremeiam nas mãos que pendem em desencontros que sabem tudo de nós.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

onde?


onde estão os que me faltam? todos os que partiram nas angustiadas vésperas dos futuros que plantámos nos beirais dos nossos colos? esgotadas estão as lágrimas que reservámos para as derradeiras partidas e doem-nos já as ausências onde ainda ecoam os planos que bordámos a preceito na planície dos dias.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

abraçar-te


abraçar-te nas horas despidas do canto das aves que bordam as manhãs, como se a luz brilhasse onde o castanho dos teus olhos pronuncia a noite. embevecido nos sonhos que teimam em apagar-se quando o clarão dos meus te acende os dias. neste peito de amuradas antigas onde crescem as heras com o perfume dos teus cabelos e eu desmaio. por não te ter.

abraçar-te


abraçar-te nas horas despidas do canto das aves que bordam as manhãs, como se a luz brilhasse onde o castanho dos teus olhos pronuncia a noite. embevecido nos sonhos que teimam em apagar-se quando o clarão dos meus te acende os dias. neste peito de amuradas antigas onde crescem as heras com o perfume dos teus cabelos e eu desmaio. por não te ter.

abraçar-te



enlaçar-te

nas horas despidas do canto das aves que bordam as manhãs,
onde o castanho dos teus olhos pronuncia a noite.
embevecido nos sonhos que teimam em fazer-se
quando o clarão dos meus
te acende os dias.

enlaçar-te
neste peito de amuradas antigas
onde crescem as heras com o perfume dos teus cabelos

e eu desmaio.
por não te ter.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

espasmos


cansarmos os olhos de chão e de escuro, da noite que cobre os ombros das manhãs. pardas, sem brilho e desentendidas das palavras. surdas. olhar o alto de onde caem as águas que nos molham os pés. pedir o alívio da estrela maior onde penduramos os braços em estendais que inventamos. não nos roubem os sonhos que assim desenhamos. e sequemos a dor do diluvio onde as sombras não moram.

sábado, 20 de outubro de 2012

de memória


a memória é um caminho feito de palavras com cheiro de pele e cores que o tempo amadurece. um balcão onde se devolvem trilhos percorridos, abandonados no tempo onde se esgotaram as possibilidades de acontecer. alinhava-mo-las no pano branco com que saramos as feridas das despedidas que nos caem no colo sem aviso. e murmuramos como quem ora, a cor dos olhos e a linha dos lábios do corpo que, deitado, parece dormir para logo acordar e dizer ainda o que há para contar.
apetece-nos um disco riscado a patinar no velho gira-discos. e guardar ali, no guincho que trava todos os passos, na dor tatuada,  todas as coisas que afinal, não somos.

(acreditar que navegamos, pequenos barcos sem tempo, até um dia encontrar o mar. até lá, a viagem. ficam os rios maiores.)

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

a primeira vez


a primeira vez, retoma sempre aos últimos momentos, carregada agora, de todos os simbolismos que fomos idealizando, longe dos afetos  que não nos deixaram "apegar".

a coisa ideal é sempre um céu em que habitamos nos piores momentos para nos refrescar os pés em caminhadas difíceis e voltarmos à travessia mesmo que empurrados. por isso nos "iniciamos" ou o pretendemos fazer tanta vez no outro que se nos atravessa. quando ele não nos traz essa púbere novidade, viramos-lhe as costas e senão somos acomodados (ainda), procuramos mesmo sozinhos estrear-mo-nos todos os dias.

a coisa nova, o brilho, o que nos é estranho e está para além de nós, faz-nos maiores, mais completos.
e no fundo, mesmo pensando que estamos gastos, ainda temos vontade de crescer, ainda há muita coisa para desvirgindar.

nem que seja o amanhã.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

silêncio


ninguém baixou a mão na chamada, naquele dia. as cadeiras empilhadas guardavam as sombras da noite que acabada, se despedia na muda língua que o silêncio fala. e o frio rasava a pele insubmissa que acendia o fogo no punho onde as unhas rasgavam a pele. crescia vermelho um fio a escrever a vontade que lhe nascia dentro. e quando se rompeu o véu que destapou a voz, ouviu-se a palavra escrita, a ribombar. estava aberta a porta ao homem novo.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

o fotógrafo



não eram só imagens despidas das palavras que sempre faltavam nas histórias que dizem estar por lá. não eram só gente que não conhecia no linho dos dias, por ali, gravada sem qualquer feitio, nem dança, nem modas. era um avesso que aos olhos alheios de quem anda na pressa de presentes atafulhados não discorre. quase cego, atravessa e perde a vida da vida dos outros. na dele. a alma que ninguém conhece e ali descobre no gesto, na sombra, na mão, na chuva, na pegada, no cartaz, no riso, nos dentes que já não lembra e na fé que se traz pela mão. não eram, não foram. era um homem inteiro a prolongar-se para dentro do mundo que nos mostrava através da sua câmara. com toda a beleza que só a verdadeira entrega consegue consumar. e a emoção, o caminho, onde toda essa dádiva se faz arte. estar com ele, o fotógrafo, homem de grande humildade, era, sem dúvida, uma grande lição que abraçava a vida inteira.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

ruínas


ruínas, apenas. na caixa onde o bafio das memórias se solta para te cobrir. e nos escombros nada que valha a pena guardar. a lama que te guarda agora o tamanho dos pés, acorda-te o frio húmido, parente daquele que te atravessa os olhos, encobrindo os dias que as tuas mãos fechadas não querem abrir. nessa garganta apertada há um pássaro definhado à procura de liberdade. abre-lhe a rota do grito e fá-lo voar agora. o passado é coisa morta.

o meu querer


o meu querer tem a pressa que não cabe em barrigas a germinar.  sobram-lhe ânsias nas pernas de alturas que me olham para baixo. e corre para onde não estou e já sou a toda a hora.
os minutos contam horas na loucura de chegar onde acontecer se faz tarde. este querer que me abraça, se não se cumpre, sufoca o peito de onde crescem braços gigantes a pedir de outros, cais.
urgências discorrem nas madrugadas onde este querer desperta. sem regras e despidos de margens é para lá do que tudo alcança, o pé descalço desconhece a dor e só sabe andar. na força deste meu querer.
não há mansidão onde ele habita. é feito de ousadia e sem medo, investe quando a vontade lhe nasce.

e não, de arrependimento, não morre, este querer que há em mim. antes, cresce e mais de mim se torna. porque quero.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

talvez


talvez
eu me devesse acrescentar
ao que já foi
e não ser agora a vez primeira
das ancestrais manhãs.

talvez,
abrir os olhos das auroras ,
que parecendo iguais,
trazem a estrear surpresas
que se abrem no presente
de mãos arregaladas,
onde mergulharam todas as histórias
a transbordar.
ser ao mesmo tempo,
o tempo todo.
mesmo que ainda a germinar.

talvez
devesse ter a altura
que as pernas me dão
e, cá de cima, falar alto,
as coisas que a voz guarda
no meu peito
porque ainda não aprenderam a voar.

e esquecer que me apetece,
debulhar a carícia do sorriso que não sei.
enroscar na nuvem que sabe a algodão doce
em dias estranhos.
ou mesmo até,
esquecer , por um dia só,
que na minha cabeça há um mar revolto,
onde, ondas crescem
em desvario,
quando do céu, cai a água que lhe apetece.
esquecer de rir no colo das manhãs,
de fazer do bocejo, o espanto
e de me  perder em todas
as esquinas, onde a luz se faz, do brilho
dos meus olhos.

talvez...

mas, onde iria o que faltava
de mim?

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

a vontade


a vontade é uma toalha
estendida na mesa onde se põem
os dias.

de olhos remelados pelas névoas da noite
onde o sonho se encostou.
bebe-se o café requentado
dos sabores que a memória tece,
vertem-se as lágrimas e os risos
com o punho aceso da teimosia
enrolada em asas
que não servem para voar.
limpa-se-lhes a boca
onde o espaço minga.
abafa-se o grito de tanto
no torcido pano.

e suja-se,
lambe-se,
remói-se na esfrega
à espera do viço
de quando se nasce.
perde-se a conta às mãos que a bordam
na cura das feridas abertas,

assim. esgaçada ,
rebentam-lhe a força que tem
e desmaia o rubor onde a grandeza
se perde.

sobram agora mesas despidas
onde a vontade se perdeu,
derrotada.
para dormir
em companhia das irmãs
a quem chamaram
fé e esperança.

contam que o medo
é o prato frio
servido sem cerimónia.
em todas as alvoradas.

sábado, 6 de outubro de 2012

é hora de partir


dias e dias, contados,
a somarem-se onde não me vês
mais.

meu corpo,
cansado, de pedir o teu
nesse gesto mudo,
perdido entre nós.

corre
um rio sedento
das águas que nascem,
paridas de ausências
semeadas.

apagou-se já
a luz
no farol dos teus olhos
e não pousam mais gaivotas
neste cais.

é hora de partir.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

de pé,viver.




caminha-se de pés doridos
e cabeça rente ao chão

desde o sono desfeito
até ao fechar das pestanas

pesadas

do sonho espezinhado,
teimoso em acordar
na noite que o peito
alberga
longe de quem o queira

roubar.

sobra a fé
na mão piedosa
de um deus qualquer

pede-se, de joelhos
em terra,
ser-se gente
inteira

e de pé, viver.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

o nó cego

(foto tirada da net)

engoliu em seco
o dia.


 na chávena fria
o sabor azedo
das palavras
que nunca
disse.

nas pálpebras,
o peso da noite
que teima
em gritar.

 na camisa engomada,
o nó cego,
a ver-se nos olhos
da vida

que já não tem.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

barco serei





barco serei
nesse rio que desce 
pelas cordilheiras, tecidas 
no teu rosto. 
descerei
à doca onde teus lábios 
me esperam, 
levar-te-ei o voo das gaivotas 
que vi nascer nos teus 
olhos.

dirás 
que os meus cabelos 
têm o cheiro do sal,
quando tos pousar 
no peito. 

saberás
que estas ondas
ode teus dedos, afundas
são filhas do (a)mar.

e uma alma marinheira
não faz senão 
navegar

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

no fundo


no fundo
não esperar
nunca
aceitar sempre.
e se esperas houver
fazer delas, pausas
para respirações tranquilas
que nos permitam aparar
o momento
deixando que se esvaia

o que nos sobra.
e caminhar,
na leveza do pouco
que o tamanho do corpo
alberga.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

que


que
o peito tem mais
lembranças que uma memória,
cansada.

que
se rasga a dor
pela mão que abraças
e te crava
o punhal  afiado na carne
que lhe serve de cama.

que
ainda te restas do muito
que eras em tanto
que levam no sopro
dos dias
por lugares
onde só voam

abutres

sábado, 15 de setembro de 2012

um povo a espreguiçar-se


há um povo a espreguiçar-se
entre o cinza das manhãs.

estende-se a lisura
da mordaça arrancada
ao sonho atravancado
no que deixou de se
ser.
escreve-se agora esperança
no branco linho
dos dias.

enquanto a voz for de dentro
e se soltar ao desejo.
haja vontade
na gente, de a fazer
caminho,
no tempo das nossas
vidas.