segunda-feira, 30 de julho de 2012

arrepios



dormem arrepios em todas
as esquinas
que as horas dobram
na sombra que os silêncios
derramam.

rasgam-te sobressaltos,
os passos que não antecipas
e mordem-te
dores
em feridas abertas
pela boca dos dias.

não fosse saberes
do abraço, o cheiro e do olhar
a luz
e só no regaço
da noite, encostarias o peito

empedernido.

domingo, 29 de julho de 2012

o sonho


o dia ergue-se
mesmo na falta de luz.

não pôde a noite encobrir-te
de mim
sobras-me ao sonho
que desperta
em promessas da tua
presença
ainda que em lugares
onde não me atravesso
nem meus braços
chegam
na esperança dos teus.

e a dança repete-se
em sonhos de espera

desperto vazia
no abraço
onde faltas
e levo-te adiado
no passo lento dos dias.

sábado, 28 de julho de 2012

hoje, dei-te as mãos


hoje, dei-te as mãos. por todas as vezes
que tas perdi,
nos vazios cheios de todas
as ausências que plantámos,
na pressa de vivermos todos
os caminhos
que a impaciência destes olhos
inquietos
não deixa de procurar.

hoje.
amanhã, não sei.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

invisível



ninguém lhe via a vontade
onde a névoa descia
a cobrir o rasto
de todas as paisagens.
e fora já lisa, a rugosa mão
que lhe cala os gritos,
em vaivém inquieto,na boca
 onde já não corre o sangue
de antigamente.

secaram-lhe o rio
a par com a alma
na invisível existência
dos dias.

a minha avó

a minha avó era um
livro de histórias inteiro
com olhos cheios de maresia
barco à vela  enfunado ao vento
das memórias
que desfilavam nas suas mãos
de dedos esguios e pequeninos
habitados por ondas
de seda e azul
como o das rainhas
que habitavam os palácios
do tempo em que ela
por telhados
via morrer o último rei.


foi a porta que se abriu
para as perguntas
que vieram
de tanta coisa que me
deixou. no plantio
do que hoje sou.

...

quarta-feira, 25 de julho de 2012

a esperança


floresce todos os anos,
mesmo depois
de todas as despedidas
e de todos os regressos, suspensos.

já não se fazem viagens para destinos
onde o passado dorme na ferrugem

e a esperança é uma casaonde o tempo não mora

amadurecem os frutos


estendo a manta no chão
derrotado
deitas o teu corpo
à sombra do meu,
no abraço da tarde.
e todos os frutos
amadurecem
no rubor da minha
face.

terça-feira, 24 de julho de 2012

caminhos


não foi a tua voz, nem as palavras
que antes me dizias
o que agora acordou
o sobressalto de pássaros
no ninho deste peito adormecido.

foi um sorriso de espanto
nesta planície em descanso
da janela que abro
ao vento fresco
em manhãs a precipitar-se
na alvura dos muros
que ladeiam os caminhos
que sempre me levam
onde quero ir.

na luz dos teus olhos


devagar,
o fio soltou as laçadas
que o abraçavam
e abriram-se as costuras
de pontos abertos

como arrepios na pele
ao frio da emoção
duma liberdade antiga.

avessos a respirar
um perfume
que a pele ocultara
com suores
e
intimas vontades,

a florirem
na luz
dos teus olhos

domingo, 22 de julho de 2012

não há amarras



não há amarras que me prendam
a um tempo que já se foi
apenas, sombras
que entardecem amarrotadas
notas
onde luzes perdidas
teimam em gritar
em bainhas descosidas
no tecido puído dos dias.

terça-feira, 17 de julho de 2012

sou como tu


não é quando os meus olhos choram
que me secam os rios

é quando nos teus,
correm dilúvios que não contenho,
nestas mãos inúteis
e nem estas palavras que me correm
da boca lhe constroem
as margens ou lhe levantam açudes
onde não te afundes
na imensidão de águas que te condenam
à secura de nada ter.
porque te esvais de toda a maresia
que te faz homem.

sou como tu,
de pó a esboroar-me.

e de todos os abraços que me lembro,
é só colo
no rio que despejado
te trouxe ao que agora
és,
o que tenho para te dar.

queria de ti a ausência de deserto
porque tens sede de mar.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

há um mundo



há um mundo 

a derramar-se no precipício 
dos teus lábios onde 
os silêncios se despem 
na vertigem de horizontes 

e tudo se deixa 
desvendar.

domingo, 15 de julho de 2012

estas mãos


com a resignação acordada
onde toda a vontade
de fazer o que nos é
de direito,
adormece. não é aos deuses
que compete o sonho
que trazemos amarrado
neste torpor

a que parecemos
condenados.

é chegado o tempo de
levantar o divino
que dentro de nós habita
e construir
neste reino, com estas mãos
que também sabem lutar,
a casa que nos acolhe
e dá o pão

sábado, 14 de julho de 2012

regressos adiados


murcham agora
em pedras frias, as flores
que te deixei da última vez.

e nunca voltei para as refrescar.

há regressos
que guardo dentro de mim.
adio-os
nas conversas
que teimo em ter contigo.

juntamos os risos
e damos as mãos
como se amanhã
ainda
nos beijássemos
ao romper
do dia.

até um dia me perder
na penumbra
de não me lembrar
se ainda quero voltar.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

sabes que te espero


sabes que te espero

nesta tranquila
certeza de te ver chegar.
não conheço ainda a cor com que te
bordaram os olhos
nem a luz que te ilumina a voz.
não sei ainda que palavras
vão atapetar o chão das
nossas dúvidas
e como vamos calar o desejo
sem que os nossos lábios
se toquem.

adivinho as tuas mãos, neste sol
que me abraça

e confio
que não tardas.

lutador


sobram-lhe réstias de
forças,
desencantadas
a pulso, em passo lento
cozidas, no forno de dias
que um sol madrugador
desperta
inquieto.

sorri-lhe o espanto, de julgar
por terra
quem, vergado por pesos
incomportáveis
se levanta e mesmo
trémulo
se vence.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

fala do homem ausente

não. eu não estive lá.
mas foram muitos os que
foram
e todos gritaram bem alto
as palavras que também eu
há muito deixei de
calar

punhos apertados
em socos
que não vergam
a minha vontade de
ainda aqui estar,
despertam-me a fome
nos olhos vermelhos
da dor que não
falta
nesta ausência de tudo
que nos querem
dar.

até o mais adormecido vulcão, dentro de si estremece
e em repentino despertar, é soberano
que acontece

quarta-feira, 11 de julho de 2012

na escuridão





é na escuridão que
encontro luz.
na mais cru das noites
onde a rude e áspera
sombra se despe
do brilho que alheias
claridades teimam
encandear.

 aí na ausência
do que os olhos sabem
desvendo.me
 inteira

 e temo
 acordar.

ser brisa



soprar-te
no avesso do pés
a vontade de mais alto ires,
usares o antigo gesto
de segredar aos ouvidos,
agora desatentos, dos deuses
há muito coroados em tronos
que inventámos,
todas as preces
caladas.

depois, esperar-te
na certeza de um dia
seres a brisa,
nos meus cansados
passos.

terça-feira, 10 de julho de 2012

corridas


e as corridas, sim
todas as que fiz, ainda miúdo, de pernas
compridas na pressa dos sonhos
que a manhã
me roubava ao acordar,
na preguiça dos livros pesados e na lousa
onde as contas se amontavam
num cantar que tarde decorei
nos teus dedos entrelaçados
nos meus.

as corridas que vejo agora
nestes rios que domei,
feito barco onde
estes braços como remos, no caminho do
teu corpo, em que  me deixava fundear.

continuam, inteiras
num tempo que não pára enquanto
o teu sorriso não me florir
no peito

segunda-feira, 9 de julho de 2012

o fim da inocência


nestas tardes, ausentes das horas
contam as corridas
no sobe e desce, acertado
na meta improvisada
dum lugar onde se chega
um passo à frente de quem
vem atrás.

as mazelas são a medalha
a escorrer, em vermelho
e a gemer baixinho
na lágrima esganada
para não rebentar.

tanta inocência pisada
neste chão, agora puro.
onde nascem novos homens
nus,
de máscaras postas.

domingo, 8 de julho de 2012

um dia


um dia, ninguém saberá
quem por aqui
passou.
pouco a pouco todos
os vestígios de nós
se esvairão

nas ruínas que hoje
começámos a
construir.

o sonho



"O Senhor Valéry era pequenino, mas dava muitos saltos. Ele explicava: Sou igual às pessoas altas só que por menos tempo." 
Gonçalo M. Tavares in "O Senhor Valery"




tinha o sonho de ser grande e chegar
rápido ao alto das prateleiras onde
estavam os segredos
guardados.
ter o nariz arrebitado da menina sardenta
que cabia na janela mágica
de onde não lhe conhecia portas.
e saltava o tempo todo, na inocência
de se pendurar num guindaste
invisível onde os adultos se prendiam,
e esticados, viam para lá dos seus horizontes,
de curta distância,
do alto dos seus
arrebitados narizes.
até aqueles que agarravam nas suas borrachas
e apagavam aquelas sardas
que os faziam parecer mais felizes.
os grandes gostavam de parecer sérios.
ela só gostava de parecer grande
e por isso
saltava o tempo todo
como se em vez de pés lhe tivessem crescido molas.

agora, acha que são asas.
fugiu-lhe depressa esse tempo e há demais
para ver.

sábado, 7 de julho de 2012

esta prisão


nos nós em que se prendem certezas
sobram ânsias de viagens nas perguntas
a poisar nestes ombros doridos
agora deitados na pesada curva
onde se guarda o coração despido
de todas as memórias dos dias livres
em equilíbrios perdidos das tuas mãos

resta-me esta prisão, onde me ancoro
até ao esboroar do frágil tecer
das linhas que me unem ao
manto das horas a cair.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

não sou daqui

não sou daqui,
quando te abraço.


são asas que crescem
onde meus dedos te arrancam
a mais emocionada
voz
e voo até onde,
livre, reconheço a palavra

inteira

quem?


também chora, este país que trago
nos mapas em que desenho os meus passos,
na travessia dos dias, amarfanhados na lida
de os levar ao fim.

um choro em que adormece, nos soluços
incontidos, quando as noites se repetem
no desconforto duma luz a esgueirar-se
sem  promessas de voltar.

quem embala o meu país?

quinta-feira, 5 de julho de 2012

tinhas


tinhas um precipício aberto onde as tuas
palavras
escorregavam,longe
do sereno amparo destas mãos,
agora estranhas e frias
a desenharem de cor,
os esboços esculpidos
pela tua voz.
e afundavas-te,
enquanto planavam supérfluas

as manhãs
de sorrisos iluminados
onde falar não era
preciso.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

grata


porque só na morte
lembramos todos aqueles que
tanto em vida fizeram.
porque de saudades se faz a vida
todos os dias, de tanta coisa
que se deixa na pressa de tanta coisa
para fazer.

olhar para trás, devagarinho,
no silêncio
do cair das pestanas da noite,
agradecer quem somos e
quem temos connosco,
agora.
bebermos a palavra, a obra,
a visão. saciar-mo-nos da beleza
que se constrói em cada um de nós.
e de tantos que são especiais.

grata por tanta gente que viveu
no meu tempo. e do meu tempo.
saboreá-los melhor,
para lhes colher maiores lembranças
e almofadar as saudades.
porque sempre as terei.
de todos.
e a gratidão. e a honra
de ser também dum tempo assim,
bordada
de gente maior!

a distância


chamavas-lhe memórias
e eu,
cansaços. continuávamos a discordar.
e mesmo, quando a cabeça pendia,
era por motivos diferentes. em ti
a tristeza.
em mim , o desespero.
estava perdido o tempo em que riamos
nos mesmos acordes.
tínhamos nos olhos que agora cruzávamos
a certeza estendida
na distância que se fazia de nós.

e no entanto, sentados na mesma
mesa teimavas em acordar
o passado.

terça-feira, 3 de julho de 2012

afinal


tenho, nesta retalhada pele, o sítio
onde deixei, guardadas, todas as tuas
memórias, cursos de rios
em mim a desaguar.

e neste corpo  margens inusitadas,
pela lavra das tuas mãos
calejadas de medos, perdidas de
mim.

e sou ainda abrigo e cais
onde te demoras, ao longe,
para nunca mais.

ainda assim, esta bravura
de nada querer.
se afinal, amanhã é um rio
que no passado
vem morrer.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

como?



como podem caber nas tuas mãos,
todos as promessas
que na semente do teu corpo germinam
e em telas de branco
vazio
um mundo, onde, eu inteira
me faço pelo caminho dos teus dedos?

e sou colina, onde regatos
correm para refrescar a tua sede
em azuis que mais ninguém inventou.
nuvem e chuva em terras
ausentes num ocre doirado
com que me pintas o trono de que sou
rainha, teu peito
minha casa.



se


se te dissesse as coisas, ainda sem o sal
que o teu beijo um dia esculpiu na lágrima
solta
dos meus olhos, perdidos no espanto
das manhãs acordadas,
entre lençóis, onde os sonhos perdidos
entre nervuras, como se fossem apenas
o vale imenso da tua pele,
imerso
no bafo quente
da minha,
ainda unos e eternos em noites, de dias sem fim.

se tas dissesse, esfumar-te-ias na transparência
de nunca teres existido.

calo-me então. e sonho que sou o que nunca fui.

domingo, 1 de julho de 2012

não saber



como posso eu guardar sorrisos
onde tu,
nem o brilho do meu olhar
te apequena o coração
na lágrima
de não me teres?


não saber deixar-te a luz inteira
nos dias, agora em neblina
deitados,


não saber,
encosta-me ao inevitável ´
vazio
de um passado
onde já não existimos.