quarta-feira, 30 de março de 2011

Não sei



Não sei porque te foste. Como podia saber, se nem de ti sabia? E no entanto estavas em mim, como se não fosses outra coisa senão aquilo que eu era. Como se me pertencesses desde sempre e não fosses para além de mim.
Tu, a semente. Eu, a terra no abraço côncavo. Tu, a água. Eu, a sede. Tu, a nascente. Eu, o leito das tuas águas feitas palavras, tantas vezes grito.
E eu, tua voz.

Fica agora o silêncio, áspero, num uivo longo, longe.

Espero-te no alto da brancura de coisa nenhuma.
É o relógio que ritma a espera. Pausadamente.
Cá dentro o coração. Mal o ouço, mal o sinto. Nada interrompa a tua vinda.

Quando voltares, vestir-te-ei de vermelho. Pintarei teus lábios e teus olhos. Pentearei teus cabelos duas vezes ao dia. Ah! E antes de te deitar cuidadosamente a meu lado, banhar-te-ei. Perfumarei teu banho com misturas delicadas de lavanda e alecrim. Deitarei teu corpo molhado na minha cama e secá-lo-ei beijando-o.

Assim não mais te perderei de mim. Mesmo que ainda te vás.

quinta-feira, 24 de março de 2011

O meu sorriso


ilustração de Pedro Rocha Nogueira

O meu sorriso é um peixe voador na busca de rios em olhos nascidos.

Aquece-se da ternura das tuas mãos, sábias de tantas palavras fazerem falar. Pendura-se em desequilíbrios temporários nestes lábios que teimam em guardar memórias dos teus. E voa.
Na ânsia de viagens e murmúrios, de segredos e paisagens que dentro de mim sonhou.

(E acreditas, amor, que foi entre lágrimas que este sorriso se fez assim?)

segunda-feira, 14 de março de 2011

O tempo, pássaro


E porque já te sabia ainda antes de te conhecer, pode ser no escuro, meu amor.
As minhas mãos encontrarão o caminho. Os meus olhos guiados pela tua voz, tingida já na minha, guiarão as vontades que guardámos para agora.
O teu cheiro, antigo como os sonhos de que tenho memória, embriaga de lucidez este corpo que é já teu.

Sou a pele que agora te dou a vestir. Descasas cada botão com a pressa na ternura que os teus dedos, ágeis, desenham como pincéis.
É nas ondas do meu corpo que navegas como se há muito o fizesses.
Pedes-me palavras que só em gestos consigo devolver. Gestos convulsos, desordenados onde as palavras se fazem de gemidos.

(Olha-me, meu amor. Lê-me só. Com o teu corpo, minha pele. Um só, num mesmo ressoar de corpos. Melodia do fundo dos tempos.)


Dois corpos nus, repousam lado a lado. Ele fuma um cigarro.
Ela olha-o. Está tranquila. Ambos estão.
As conversas fluem, o tempo passa.
Há uma leveza transparente no ar. Sorrisos, muitos.

Separam-se. Ele diz, o tempo passa a voar. Ela corrige sorrindo, o tempo, pássaro voa.
Riem

Ela não sabia mas, tinha já tomado todas as decisões.

terça-feira, 8 de março de 2011

A noite dos tempos



A cabeça pousada na mão aberta, o olhar vazio pendendo. A noite dos tempos a acontecer.
Ainda agora a luz se fizera e eu sentira o calor do teu abraço. Ainda agora. E tão cedo se tardou.
Sobram-me razões para tanta ausência. Como brasas em fogueira que teima em não se apagar. Aqui, dentro de mim. Neste peito que deu guarida ao teu. Um dia.
Para sempre, prometemos. E não sabíamos de nada, então.

Se um dia te vir outra vez, que palavras te direi?
Temo que tenham secado no deserto que o fogo semeou quando te foste.
E assim, só no silêncio poisará o nosso olhar.

Para sempre, não existe, meu amor. Só no meu peito que teima em não te esquecer.
Mas esse é louco e não sabe de nada, ainda!