sábado, 31 de dezembro de 2011

tanta illha

e fora o buraco,
o aviso da ida.

a presença em viagem
sem o aceno da mão

esqueceram-se as coisas
enroladas na língua
que lágrimas macias
pintam em bilhetes

arabescos
tontos de entendimento
desfeito.

e das mãos, carícia
e memória ainda
dum corpo inteiro
ilha, onde
antes repousava,
faço barco
e ergo vela

há ainda tanto mar
tanta ilha
onde aportar.

um ano


um ano é assim,
como um dia,
atravessado de muitas noites
para descansarmos os olhos
da beleza
e algumas vezes
de tanta miséria
a doer por dentro.

nada mais.

e sempre a fazer-se.
renovadamente.

a lavar-se
em manhãs que nos surpreendem
os sentidos
e espevitam a chama
adormecida que ainda
não se extinguiu.

despedida?
breve.
na medida da saudade
que nos faz querer
voltar.
recomeçar.

abrir de novo
os olhos
e lentamente espreguiçar
a luz branca
dos dias por escrever.

Há despedidas ansiadas assim



Não havia na manhã sinais de partida, nem de quaisquer despedidas.
Ela acordou da mesma maneira. Espreguiçou-se nos primeiros raios de sol que bateram nas janelas ainda a gemer lágrimas da noite.

O frio doera-lhe nos ossos. Na alma também. E os olhos de muita gente não se fecharam. Abertos a olhar o escuro. Sequiosos da luz que demorava.
E não vinha. Nunca vinha. Mesmo que a manhã se fizesse no alto do céu.
Como se fez, a espreguiçar-se.

Desta vez, contavam as pessoas que se despedia e nada o podia dizer.
Não havia sinais. E ninguém sabia de quê.

Os olhos que não se fechavam nas noites de nada ver, cansados, hesitavam em adormecer.
E se a despedida fosse a promessa do sonho albergado na alma encolhida pelo frio?
E se a noite fosse a casa, o calor, a luz, a resposta ao que não perguntaram, o fim que não pediram, mas a vida que não tendo pedido afinal, era vida e não o que tinham?

Há despedidas ansiadas assim.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

sacudir as asas

sacudir as asas
e fazer de conta que tudo é novo.

o espelho não diz a verdade a ninguém
as rugas são rotas dum mapa qualquer
e nas cicatrizes estão só segredos
de sinais cobertos
por piratas do tempo.

os olhos não sabem,
os olhos não sentem.

e em todas as manhãs se beija pela primeira
vez.

regresso

regresso a casa no abraço quente
de mais um dia que me deixa
a memória acesa
da tua presença em mim.
não me deixa saudades
o dia que parte
traz-me no regaço
a noite que embala o dia
que vem.

um tempo mais breve
de estar junto a ti!

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

as mãos

podias pensar que nada valia a pena naquele momento
que tudo seria arrancado ao que fizéramos de nós
mesmo que não o quiséssemos nunca.

por isso baixavas as mãos e despias o que trazias
nem sabias onde nem para quem.
no espelho em que te miravas já nem a ti te vias
por algum lado te perderas, um dia.

e os meus olhos buscavam os teus,
um profundo vazio.
onde me afundava em busca do que sabia de ti.

calei ventos, amainei tempestades
para te ouvir em silêncios

que me mandaram partir.

diz-me agora a distância que tuas mãos
ainda não voam.

sementes

os braços, abriu-os, ao sol
o calor cresceu-lhe até abaixo.
em sombra, o rio corria inteiro
na boca
apagando sedes,
incêndios que ainda
crepitavam.

corpo, terra, possuído
por sementes
de vulcão.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

nada e nunca!

nada o impede de olhar o que não consegue ver
na cortina da incerteza
que lhe aprontam as manhãs,
bebidas em canecas cheias do sopro dos dias
que a custo se levantam
nestas pernas,
como cepos, irmãs das árvores,
da terra onde cresce
e vai morrer.

nada e nunca!

domingo, 25 de dezembro de 2011

da janela do teu sorriso

da janela escancarada do teu sorriso,
partem barcos
de asa branca estendida,
ligeiros
a pousar borboletas
de mil cores

em rostos
que o cinzento
dos dias asfaltou.

engulo-te



no trago do espaço que em mim
abraço
engulo-te aroma,
sabor que és
assim.

e tenho-te inteira
no avesso
do espelho, claro,
do que sou
em ti.

teu corpo
no meu, dança risos
inteiros

sem ti ficariam
presos em lábios
alheios

de nós.

(abraço teus lábios.
meu beijo
tem sedes
de ti.)

tanta gente, tanta gente!



naquele concerto
demos as mãos pelo tempo todo.
alongando-o
para além de nós.

lembro-me dos sons, marcados na pele,
vermelho sangue.
teus dedos nos meus
e o coração num ritmo igual.

fitavas-me os olhos
e a letra da música era feita
a dois.

não víamos os outros
que não sabiam de nós
sozinhos
ali
e tanto para improvisar.

depois
a noite no rosto
o silêncio no ar.

és tu que te vais

sem me levar.

tanta gente, tanta gente!

na espera



ficaram por lá os meus olhos,
perdidos
de te encontrar.
casa, abraço contido,
o meu porto de aqui
estar.
e partir

até voltar.

e sem ver
faço-me longe
outras coisas que não sei.

entre a noite que sacudo
espreguiço as manhãs
na espera
de tropeçar
na luz

do teu olhar.

sábado, 24 de dezembro de 2011

a luz



a luz que espreita trémula
persiste
a pedra, jangada
e o mar que a engole

é nela que vamos
de guelra a crescer.
esperança
pescada no fundo mar.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

os pombos



os dias não têm conta,
as noites sim.
a barriga resmunga
apertada no frio.
o nome, não diz.
a idade só verga.
dos olhos, a cor, perde-se
no chão.

são pombos nas esquina
à cata de migalhas.
ninguém lhes dá milho
para os ver voar.
cortaram-lhe as asas
os risos, a voz
sobra-lhes a mão
estendida

para
nós.

não havia lágrimas

não havia lágrimas
no sorriso
que crescia nos lábios
onde deitara os seus.
era meia lua pousada
no rosto
que a memória desenhava
em lonjuras de um adeus.

sempre amava o sol
ainda que em noites frias
outras mãos
acariciasse.
(nem sempre é dia,
nem nunca a noite se eterniza.)
e os sorrisos aquecem
a ternura,
se não estás.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

o mundo

ao ombro pendurou a lua
em forma de quarto crescente
num tempo de coisas maiores.
dos olhos caiam estrelas,
luzeiros de manhãs
inventadas

no peito corria um rio
feito de palavras
a pingar de lábios
que na boca se faziam.

dos braços cresciam árvores
onde semeava pássaros
em ninhos a despontar
nos gestos

nos pés calçava sorrisos
que acordavam
em cócegas quando tocavam
o chão

e foi assim feito mundo
que o vi
quando me olhei.

teço



teço um silêncio terno
na pele a roçar os lábios
onde bailaram segredos
da casa que só de ti
se enchia
em todas noites
pelos dias
fora.

e não se contam esperas
nem se
se nasceu.

n(u)s


despir as molduras,
desatar os laços das cartas
já lidas

empilhar caixotes, roer
as memórias
engolir em seco
a lágrima do pó
no lábio gretado.

um beijo na escada
ao escuro, da noite
e o arrepio a subir o corpo
de espanto.

era uma vez
um canto perdido.

é assim que por dentro n(u)s
enfeitamos
nas vésperas de descerrarmos

as portas das despedidas.

do que não fomos nunca.

sozinhos
somos coisa nenhuma.

sei dos outros

o latir dos cães,
a luz sincopada, estremece
o silêncio da noite
que invade por frestas
o frio de camas
de gente sem sono.

nas escadas
o passo dolente.
nos elevadores
o andamento cadente,
a chave na fechadura
e a casa vazia.

e um dia que se vai.

há na rua quem sonhe
o sol de cartão no abraço
sem corpo
que durma ao seu lado.

ou que seja só dia.


e tenho-te a ti.
esta casa cheia.
o corpo forrado de tanto amor.
que nada me falta!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

não preciso



não preciso de voar.

este céu cobre toda a minha pele
e meus olhos alcançam
todo o horizonte
que cabe

em meu coração

ah!
sorver orvalhos no chilrear da passarada
e ser a árvore onde o ninho cresce.

a planície inteira sobra nestas mãos
nada mais quero para além do que
não posso abraçar

na raiz que me contém
sou a sede
com que bebo a manhã dos dias que me beijam.

ternura de ser planta fecundada
de cálice oferenda, perfume
néctar,
semente nas searas de tantos tempos!

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

de ti



soprou-lhe um assobio,
lento,
o vento.

e correu pelo ar.

esticou-lhe os dedos,
rápida,
a mão.

vazia a chorar.

areia do tempo na voz
que distante
acorda

sinais
de

ti.

papoila



uma papoila, dizias
vermelha a explodir.

era o sol que eu deitava,
dentro de mim
abrasava,
ferro, fogo,
a tatuar-te.

uma papoila, dizias
na ternura
dos teus gestos.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

tanto mar


fiz-me casa,fiz-me ombro,
era regaço e abrigo.

e deles sempre fugias.

desabitada, gelava
no deserto das palavras
que
plantavas
entre nós.

nos braços que te
estendia,
armavas a vela maior

no vendaval do teu peito
navegavas outros
mares

meu amor,soubesse eu
das artes
de marinhar
e seria barco,

apenas.

afundo agora meus olhos
no sal
de tanto mar.

baixo as cortinas



baixo as cortinas e vou
por entre costuras
no avesso

buscar o vazio
de ti.

com finas sedas,
memórias antigas
a tecer pedaços
onde bordo pérolas
do teu olhar
que ainda
guardo.

no corpo, a tua marca
diz-me das tuas ausências.

(dentro de mim
gritam
mais alto
as tuas vindas)

agora
nada ficou por dizer.

domingo, 18 de dezembro de 2011

nus



a roupa pelo chão.

e o silêncio a vaguear
no vale onde deito
a mão que espreguiço
devagar.

nos lábios a pele.
da língua, a sede de ti,
colhida gota
a gota.

somo-nos, nus.

tocar-te



tocar-te, só.

nas entrelinhas
decifrar-te.

quando não estás.

esboçar-te em mim
entre silêncios e gemidos.
sobras-me então

quanto me faltas

sábado, 17 de dezembro de 2011

para lá das nuvens



ser o herói
o vilão
ter o amor maior
o coração

o vento na cara
a fustigar
a gente, ausente
e ter de estar lá.

e sem saber como
não o poder fazer
de pernas atadas, pesadas
pequenas
e
tudo a acontecer.

o grito e o salto
para lá das nuvens.

ser mar



porque ainda era cedo
e o tempo maduro
desfolhavam dolentes
todas
as partidas.
cresciam sem rotas
abandonadas
todas as palavras.

não há quem as lembre,
quem as saiba ler.

só no regaço dos olhos
uma pérola
que nestas ondas
quer mergulhar,
levando em si a vontade
de ser mar

de ser mar.

Derrotada


Conhecera-o como se conhecem as pessoas em tempos apressados em que os olhares não se cruzam e só nos ecrãs em mensagens se tocam. E foi com palavras de teclas batidas que se fizeram as conversas. A principio tímidas, mas rapidamente tecidas e apetecidas. Saltaram espaços contidos e tomaram todos os que estavam vazios. E eram muitos.

Ela não tivera a intenção de ficar. Foi ficando. Ele talvez não soubesse que a queria ali, mas precisava dela por pequenas coisas. Fazia-lhe bem.
Foram descobrindo e mostrando tanto de que gostavam. Rindo de tudo e de nada.
Quando ele se perdia ela levava-o a encontrar-se. Sorriam.

Às vezes ele fechava-se. Agora não, dizia.
Ela calada, com a tristeza a rebentar, anuía. Haveria o tempo de o poder ouvir.
Era o que mais lhe custava. Saber que ele se enterrava naquela escuridão que desconhecia e se cobria de silêncio. E nada podia fazer.
E era assim muitas vezes. Até voltar e sem nada dizer falar de coisas vulgares.
Dizia-lhe, tenho um lado negro. E ela pensava que lho ia iluminar.
Pensava.

Mas conheceu a felicidade. Há muito que não se sentia assim. Nem ela, nem ele. Momentos que valiam por vidas. Pequenas coisas que os tocaram duma forma eterna. Julgaram-se almas gémeas. Acharam-se predestinados. Que tudo na vida deles tinha acontecido de forma a encontrarem-se agora e desta forma...

Ele pediu-lhe que ela nunca o deixasse. E ela prometeu-lhe que não o faria.
Apesar da distância ficaram juntos. Não fosse ele ausentar-se cada vez mais naquele espaço que ela desconhecia e não podia entrar.
Pediu ajuda a toda a gente. Batalhou com todas as forças. De mãos vazias nesta guerra, foi ao chão ferida e magoada.
Como podia ficar com ele, se ele não a deixava entrar?

Derrotada, pediu-lhe que a deixasse partir.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

um dia novo



moravam junto à janela
no parapeito do olhar
as promessas que madrugavam
no desejo
de em tuas mãos
ir dançar.

teciam manhãs abertas
com a luz roubada à lua.

(desciam a noite em segredo
para levantar o sol)

e poisavas devagar,
fresco orvalho matinal,
um dia novo
a nascer.

só lhe resta caminhar



não havia sinais do que acontecera.

crescia a luz com a rigidez dos ponteiros do relógio
pontualmente.
invadia os espaços, calados agora.
os ecos retalhados guardavam-se, escondidos
em cavernas ocultas
na noite
que se foi.

de cara lavada, acorda o dia
abrindo gavetas de papos nos olhos.
no semi-escuro pestaneja ainda, incrédulo
avança para lá do que foi.

se o tempo não tem memória, só lhe resta caminhar.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

corre, corre


corre, corre. é já agora.
está na hora.

manhã aberta
na palma do dia.
um céu atento de olhos no chão

e asa de sonhos coberta
num corpo sem pão.

um sopro de vento
na boca despida.

corre, corre.
é já agora

a violinista

tocava ali para os lados onde a cidade se juntava em fins de tarde.

bebiam-se uns copos em troca de conversas gastas das coisas mastigadas durante o dia. embrulhadas em estômago doridos por tanto soco sem aviso.
a música resvalava a ouvidos fartos de dores que já nada mais ouviam.
suspensos por molas, bemóis e colcheias em danças, mil sons são nos dedos palavras a gemer devagar.

e ela presa ali. invisível. nunca ninguém se perdera no mar do seu olhar.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

ponto a ponto. a felicidade


deixou que a água corresse sem parar durante um tempo sem memória.
falou com as palavras que dentro de si murmuravam passado.
e sorria.
debaixo de chuva morna a pedido.
no corpo a mão enluvada passava espuma.
e o perfume encasulava na névoa deixando uma suave embriaguez.
amolecia.
cuidava do corpo sem rotina.
e sem razão.
só queria ali ficar.
depois os cremes.
antigos, de pouco uso.
a escova nos cabelos, vinte vezes.
nos dentes outras tantas.
sorria de novo.
nos pés, os chinelos.
a seguir o pijama acostumado ao corpo.

ninguém a esperava e não esperava ninguém.
era feliz na casa vazia.
cheia agora do seu perfume.

só disso sabes




para trás o que ficar,
permanecerá.

e só disso sabes.

tudo o mais, ainda o tempo não iluminou.

dentro de ti, enxergas histórias
tu foste a princesa, tu foste o dragão
fogo, ternura
sonho a fazer-se
em quem és.

aceso o rastilho
dos passos que caem
segue-lhe a pegada
ao ritmo da memória antiga
que nunca de ti
se extinguiu.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

a canção

a mesma canção de sempre
a levar a sítios
onde tudo podia ter acontecido
e tudo se perdera.

enrolada na língua do tempo
trocam-se as palavras
que a memória esquecida
já não pronuncia.

perdeu-lhes a cor.

e sabem a sal.

na voz de quem canta
o regresso acanhado
de quem não quer
voltar

nunca mais.

é tempo de inventar novas
canções.

bastam-me

bastam-me agora os teus braços,
as tuas escolhas.
(mesmo que este não tenha sido o meu tempo
aqui me tens,)
a ti me entrego
pasta de modelar,

até um dia.

que dentro de mim
mora gente
que vê, escuta e sente.

que dentro de mim
também trago
o principio
do que sou.

mais tarde dar-te-ei os meus
na esperança de te bastarem.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

tenho que ir



tenho que ir.
para um sítio qualquer.
longe até deste que agora sou.
apertado em tantos muros que não construí
nem nunca me apeteceram.
cansam-me as horas que caem pesadas nestes ombros que vergo.
e não quero.

é forçoso fazer das minhas pernas mais que andar.
delas o caminho que me recusam,
a arma que empunho
e ser-me
já.
carregar nas minhas mãos vazias as vontades que abandonei.
da mordaça fazer asas.
(são leves as palavras, não pertencem a ninguém).
perder-me no encontro do olhar que se cruza comigo,
por uma vez.
e desvendar-me.

tanto que passamos uns pelos outros sem nos tocarmos.

a propósito dum quadro

Imagem : Quadro de Hopper, Edward "A Woman in the Sun"
1961 Oil on canvas, 40 x 60 inches; Whitney Museum of American Art, New York

todos as manhãs
se levantava
nela

despia-lhe
a noite
que atirava
ao chão.

lambia-lhe
o corpo
devagarinho.

para em fogo
a atiçar.

todas as manhãs.

(no cigarro
a memória
da boca.
travo amargo
de cinzas
a voar).

domingo, 11 de dezembro de 2011

Pescador do tempo


Olhava os dias com mansidão. Devagarinho. Aspirava-os pouco a pouco para que nada se perdesse. A tudo dava tempo, sem tempo.
Não, não eram lentos, os seus gestos. Nem se arrastavam os seus passos. Somavam-se tranquilamente ao rumo que se fazia deles.

Pescador que era, usava o isco da luz de cada dia. Em todos o renovava porque em todos se perdiam. Gastos. Das coisas usadas, minuciosamente pela carícia suave que lhe habitava o corpo e espreitava o romper de quanto brotava no cinzelar de todas as auroras. A morrer no mesmo adeus de sempre.

Sabia que o maior tempo era o que já tinha passado. Agora, fazia-se já um tempo a cair nos sonhos de Então. Por isso parava. E prolongava cada garfada de ar que engolia. Saboreando cuidadosamente o paladar novo que no corpo se acamava e nunca adormecia.

Dizem que é louco. E perdem-se todos em loucas correrias, não vendo o que ele vê. Que não têm tempo, afirmam.

Não têm olhos, responde-lhes em surdina. E a cidade sofre de miopia.

sábado, 10 de dezembro de 2011

a noite

a noite cai-me nos braços
entre cansaços
e medos.

sopra-me ao colo
segredos
que não quer adormecer.
(sabe que serão gigantes
se no sono
se enrolarem).

vamos levá-los ao mar
para lá
se afundarem.

serão ondas,
serão força,
um mistério a desvendar.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

fossemos nós como os dias

prometem os dias sempre voltar
mesmo nas repetidas despedidas,
prometem.
e não se esquecem de o fazer.

fossemos nós como os dias
e dizer adeus
teria a cor do sol quando se deita
para logo de manhã
nos abraçar.

fiz de mim

em todas as tardes te esperava
em brasa, meu corpo
esquecido do frio
em que
longe me deixavas.

corriam meus olhos
velozes no tempo
que lento
se arrastava
cansado de tanto
confiar.

e ali ardia
quanto em mim trazia

extinta a fogueira,
sopradas as cinzas,
fiz de mim este céu
afogado na noite.

assim

vestia-te, assim, sem que o soubesses.
insuspeita em ti me tornava,
sem o ser

e te prender.

era pele inteira,
carapaça imensa,
o forte,
de quem tu és

e vejo partir.

a rede invisível
que em tantos mares
alcança vontades
de mais
enfrentar

e continuar
para longe de mim.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

ninguém ainda tinha visto

ninguém ainda tinha
visto
mas todos já
conheciam.

sabiam do cheiro
a contar histórias
no suor dos rios.

das conchas
nascidas de seixos
enfeitados
pelas correrias
e quedas
da água que viam
brotar.

de serem gigantes
os peixes
maiores que a gente
e as margens
onde se fazia
o caminho.

e que outros
navegavam em barcos
que nem casas
esse rio feito
mar

que era o céu ao contrário
tinha ondas como nuvens.
e vaidoso como era
roubou-lhe as cores
também.


foi assim que me contaram
enquanto
espreitavam
o céu.

sobram ainda palavras

sobram ainda palavras para te escrever.
em recados simples

como são os teus olhos
na surpresa das manhãs.
claros, abertos,
suspensos na espera de todas
as respostas.
de palmas abertas prontas a guardar em concha
como as do mar.
onde navegam estrelas
caídas do céu.

como eu.

sou o norte. em todos os caminhos.

e em cada inocente palavra,
deposito mil cuidados.

que a boca não as desflore e lhes seja infiel.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

correu


correu neste peito um rio
das chuvas, tantas sem fim.

correu, já não corre mais.

são pássaros de asa larga
e searas no olhar
são papoilas
margaridas
malmequeres para
debicar,

o que deito neste leito
onde o sol veio morar.

correu neste peito um rio
das chuvas, tantas sem fim.

correu, já não corre mais.

gene antigo



e os dias suspendem-se nas surpresas.
acordam gargalhadas
e revelam palavras
estremunhadas.

despedem-se
em promessas de encontros
tocados a estrelas.

descobrir novos rumos
é coisa
de gente marinheira.

gene antigo ainda a navegar
em mares de dentro
a explodir
o que está para acontecer.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

silêncio



e por uma vez nas palavras , o silêncio.

como se nada houvesse a dizer. mesmo que tudo se procurasse nas bocas famintas das coisas perdidas dentro de cantos exaustos, imensos outrora tatuados pelas mãos cheias de alvura a pedir plantio.

e assim ficar, aprendiz num tempo de todos os charlatães. ser a fome e mergulhar onde nada ainda se ouviu.

na nudez olhar-se e ver enfim o criador.

olhar-te


olhar-te num tempo feliz e ver-te em reflexos de água pendurados em olhos que já não leio mais.

numa linha continua dos dias que me atropelam e nada me deixam fazer. calam-me as noites na inquietude das coisas que me assaltam os sonos cansados. rebeldes sonhos que não o são porque não os peço. nem os quero. devolvê-los onde não sei e nem quero ir.

só o que quero não faço. o que preciso, não tenho. e voltar no futuro ao que já passado se foi. ficar aí em novelo. de pontas escondidas.
só dentro de mim te vou tricotar.

gritar para não morrer



e quando de amor se sente a ferida, também a dor se alivia ao gritar

inventam-se na aridez da voz e no cansaço dos olhos razões para abraços.
procuram-se vestígios que ontem anunciavam o desejo de eternos serem.
acende-se a luz ainda agora na ponta dos dedos à flor da pele

e o amor assenta na pele nova que cresce curada.

de outra forma, a gangrena abriria as portas a mortes que o amor não deseja ainda.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

de vez em quando


de vez em quando fazia-nos bem somar dias em vez de os ver sumir inutilmente em nevoeiros que a memória constrói porque outra coisa já não sabe fazer. ou talvez seja tempo de outra coisa fazer das memórias que não arrecadações de coisas que só úteis tenham de ser. e aí todas as coisas contem. e somaremos até as inúteis. porque dessas também nos fazemos, mesmo sem essa maldita caixa das lembranças.

De tanto e muito perder tudo ganhamos, afinal. esta coisa em que nos transformamos.
feita dos muitos enganos e tropeços aldrabados em cruzamentos sem sinais adequados, onde por fim nos sabemos encontrando-nos onde nunca nos faltámos.

sábado, 3 de dezembro de 2011

sonhos


e tenho sonhos
que me acordam
medos
que não quero
deitados
a meu lado.
pudera eu
calá-los no sossego,
em acalmias
que não conhecem
e tanto procuro,
quando fecho
os meus olhos.

são por demais
as vezes
que não gosto
de sonhar!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

fugias da espera

sei que por lá andavas. encaracolavas-te na preguiça do sol em caíres de tarde de que tanto gostavas. e de olhos fechados amolecias os dias pesados. fugias da espera em que acontecessem futuros.
nada te faltava a não serem ausências. que até de ti te escondias no mergulho em estrelas nas pálpebras a navegar.

só o vento maduro da noite a chegar te levava arrepios. só ele de mim te fazia lembrar. voltavas a casa, ao cigarro e ao copo que ainda a meio levavas ao fim.

a noite tem extensões que não sabes percorrer. e as garrafas vazias nada te podem fazer.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

coração de pedra

vieram ventos, tempestades, foram tantas que sem conta se perderam nas memórias. e revelado ficou teu coração já de pedra. há tanto tempo escondido. e por ti abandonado como se nunca o tivesses e nunca te pertencesse.

tinha nas linhas gravado os caminhos que fizeste. falaram quanto havia nos silêncios que no seu lugar trazias. nos sinais ali cravados, testemunhos adiados, tua alma viu-se nua.

fiz nos meus olhos cortina com água, sal de onde te achei. das tuas palavras murmúrios que nos búzios soprei.
sei apenas que te devolvi ao lugar onde agora já não sei.

nas minhas mãos o meu coração, também é teu.

duma janela qualquer

duma janela qualquer inventas os dias que correm por ti. já não os passeias na trela que dantes os pés te ditavam. puseram-te agora, estátua que és, de gestos apertados em músculos ausentes, na réstia da luz que o sol quando vem, ilumina.

correm-te nessa cabeça, que deitas no meu colo ao ouvir as histórias que já as gaivotas te segredaram, todas as paisagens do rio que banha todas as terras regando sonhos e afundando misérias. e nele tudo o que lá queres deixar.

ainda te sobram dias onde não tens corpo a obedecer-te. e as palavras enchem esse vazio afogando-se por vezes nas lágrimas que vertem desses teus olhos ávidos do que está para vir. em ti não há desertos.

sou eu, o ladrão que te guardo as pérolas de tesouro tão grande, para desvendar ao mundo que não são precisas pernas nem corpo para voar, ir mais além.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

quando a garganta seca

quando a garganta seca as palavras não saem da mesma forma. é preciso embriagá-las para que, tontas, se soltem. não as devemos olhar de frente. fazer de conta que elas não nos pertencem é o melhor que podemos fazer. poderemos sempre dizer que não são nossas. que não as conhecemos de lado nenhum. melhor, que nunca ouvimos falar delas.
olhá-las de alto, espreitando o horizonte. há sempre tanta coisa para se ver. recostarmo-nos ao aconchego rotineiro dos dias que sempre acabam, aconteça o que acontecer.
deixá-las falar até que de novo sequem na raiz. venha o copo que se segue. faça-se nova rodada. enrolar-se-ão. serão o que sempre foram. de regresso à nascente. ainda sem nomes. balbucios, nada mais.

far-nos-emos gestos. seremos no toque a língua universal. e aí, amor, não haverá mar para onde nosso olhar navegue.


o balanço perfeito

ergues-te no balanço perfeito, golpe de asa ainda a crescer a par com as histórias que nascem já feitas. vêm de mundos que já esqueceste. onde foste homem e super herói. onde havia paz porque a conquistavas. e às trevas levavas teu raio de luz.

foi quando hibernaste no túnel do tempo que a vida cresceu. mas nada mudou. sonharam-te esperança, construíram-te castelos. fizeram-te rei e cercaram-te de muralhas.

entre nesgas do tempo há vestígios do que por ti passou nos tempos do que um dia foste. e em ti agora desfralda bandeiras. a memória reacende-se no salto que te leva ao alto dos dias. no cimo das coisas vê-se mais longe.

carregas em ti a eternidade. mesmo que noutro a continues.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

quantas?

quantas chuvas, quantos sóis, quantos ventos e calmas tardes pousaram aqui e se foram levando-te assim de mim? sem aviso, insuspeito, entre silêncios e sombras, num tempo de não ter conta...

procurar-te agora neste horizonte sem fim, de olhos largos e bolsos cozidos. minhas mãos abarcam sombras que não podem recolher. é a ponta dos meus dias que devagar desenrolo para maiores irem mais longe. onde te possa encontrar.

não importa quando. e mesmo que não me olhes. será teu este tempo que levarei embrulhado quando de ti partir.

ainda

destapas-te. descobres-te. espreitas o sol e deixas que em ti se deite. é preciso irrigar essas veias onde outrora verteu um vermelho coração. do frio que agora arde ser degelo e combustão.

há um céu onde cabem todas as vidas que na terra sobram inteiras a moer por não o saberem ser. e voam ligeiras sem asas e pés de cartão. nas chuvas que caem moem-se de chão.

mas tu ficas. recusas a ida com o bilhete no bolso. haverá um dia o tempo de nada poder fazer. e dizer não ou sim, não ser decisão. hoje ainda é dia de agir.
dentro de ti, um coração a bater. ainda o sentes e a força em teus braços ainda chega para alcançar a minha mão.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

são só sombras

sempre se volta. das guerras todos os despojos foram já apagados. há sinais ainda que as cicatrizes teimam em falar. nas histórias que se contam agora. e mesmo voltando não lhes calamos a voz.
os dias têm as mesmas vinte e quatro horas e acordam com a mesma luz de outros tempos. procuram nas esquinas os choros e os risos e além nos corredores as correrias e atropelos. nunca desistem de o fazer.
acolhem testemunhos que gravam nas entranhas. nada lhes passa sem passar. reconhecem os rostos, os gestos e as palavras e gemem aos ventos os segredos que já não podem guardar.
é nas noites de tempestade que, julgam alguns, se encenam bailados e dramas de coisas passadas.
são só sombras das memórias que caem por entre a cal das paredes que antes abraçaram vidas. inteiras.