segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

cais

nunca os lugares parem gemendo onde a morte pariu despedidas repentinas. porque todos os sítios são cais mesmo que os barcos demorem por serem fracos os ventos e tímidas as estrelas quando se recolhem no xaile negro da noite.

domingo, 29 de dezembro de 2013

amar-te

amar-te. de todas as convulsões, serenar-te. ser a planície onde te albergo os medos. e o vento onde voam, longe os negros sonhos que te aclaram as noites . no espelho alvo onde me vejo. pertencer.

sábado, 28 de dezembro de 2013

fazer um ramo


fazer um ramo. e deixá-lo pendurado a um canto. esquecê-lo? nunca! apenas deixá-lo assentar cui da do sa men te naquele lugar. espalhar os cheiros sem que lhe caiam as pétalas e deixar amadurecer a cor. no passar dos dias. deixar que os nomes cresçam, como se lhe estivessem destinados e nunca a raiz se tivesse quebrado. um só olhar bastasse para voltar aos lugares que mesmo sem tempo contariam as histórias que ficaram entre nós. guardadas. apesar de vagamente esquecidas, os lugares permanecem testemunhas. silenciosas. cúmplices das nossas vidas. em pousio, atadas por fios improvisados em laços que ora ficam, ora caem. ficam assim as paredes menos vazias ou mais cheias.

fazer um ramo. e deixá-lo pendurado a um canto. do peito.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

regresso


talvez lhe guardasse a espera. se elas se guardam. enfileiradas que se aprumam nos dias. uma a uma. sem que lhes desse a conta certa. umas vezes parecia-se sumir. poucas crescer ao que já era. talvez por isso nem desfiasse o corropio das memórias atafulhadas a pedirem-lhe sossego. talvez.
e ela estendia-se aos pés. dele. travando-lhe os passos. num últmo bocejo. desembrulhando o rio bravo, agora livre. fecharam-lhe os olhos. e dentro dele tudo se tornou claro. regressava a casa.


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

margarida



o sol nasce-me. mesmo que chova por aí. nasce neste olhar. onde me perco. de te encontrar. aqui dentro de mim. mesmo que já longe e feita mulher noutros caminhos. por onde já nem passo e nem sei. e ainda estremeço como dantes. e sempre. coisas de barriga feita de manteiga ou a pulsar como mil corações, tantas as vezes que cuida o meu pensar de ti. e a vontade de te aninhar em mim. ah saber-te minha e já do mundo. e não ter mão em quanto de mal te fazem para te poder guardar... filha minha. tesouro que a ninguém entrego. embora livre sejas nas asas que para ti bordei.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

be(e)thoven

nascer. da semente mostrar o fruto. a cor, o cheiro, o sabor. e a voz. que mesmo muda se escreve. no jeito de nascer que a pele arrepiada nos denuncia. ainda que de nada saibamos. e tudo seja para sempre novo. mesmo de há muito tempo. como se viajasse encostado a esta forma de perceber que nos deixa calados. de tanta palavra nos crescer onde só o silêncio diz tudo. ou esta maneira assim martelada a preceito onde se esconde o que sabe de nós. e nos (en)canta. porque é feita por gente com multidões dentro. que nunca dormem. na espera de se ouvirem na flor de acontecer.

domingo, 15 de dezembro de 2013

pele



pele, papel afinal
um dia a romper-se no puído
das dobras onde não se escreve
mais.
pele que inteira me
cobre
e onde me sou
em sinais que os dias
me devolvem nas  linhas
que escrevem até que o tempo
lhes corte as mãos.
porque a história do que sou
me está na pele.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

apenas

nos teus braços, ser apenas o que a música escreve. e tu lês. em ausência de pautas. sobramos onde a brancura das linhas te pede as mãos. plenas de acontecer.

sábado, 7 de dezembro de 2013

pássaro

Joaquim Lourenço

sol.
como se primavera
fosse.
e um chlireio dos teus lábios.
voz
de pássaro em palavras de voo
livre.
incessante é esta fome
que a terra alberga.
e a semente
que o colo embala.
flor de cheiro.
onde embriagada
me sou.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

gosto tanto de ti

 
 pintura de Kenne Gregoire, pintora holandesa
nunca te sei a cor da roupa. nem sei se te enfeitam os colares. pouco me importa a altura da saia ou até mesmo se o decote dessa blusa se abre um pouco mais aos olhos de quem passa. é o teu corpo que abraço, mesmo longe, mesmo cego. esse que sei na memória dos dedos e dos cheiros. nada mais trago ao encontro do meu peito mesmo que o frio seja a taça que se erga na mesa em que te deito e me aconchego.
conheço-te os degradés na planície do teu corpo. as faces rosadas e a lividez. o espanto e o riso. os sinais, em todos os lugares. as datas de todas as rugas. que vejo desenhar.e percorro com os dedos os rios que nascem na tua pele, devagar. até ao fundo do mar. onde nos deixamos afundar. contei até 551 os teus cabelos de prata. e desisti. conto os pretos à espera de os ver partir. 


gosto tanto do que sei de ti. para que hei-de saber dessas coisas que só os outros julgam saber na aparência de te olhar?

começar o dia


dia. a começar com o coração a bater. antes doutra coisa acontecer. suspender no alto até rebentar nas mãos em gotas grossas o dilúvio do que acontece sem pedir. na surpresa que o espanto não pede nestes olhos de criança que guardamos num canto pequenino, ainda ninho, de nós. até lá, abrir a boca ao canto dos pássaros e solfejá-lo com os passos que damos. devagar para não topeçar. e não nos preguem rasteiras.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

por todas as vezes



de todas as vezes e nem as contei, de todas as vezes te quis sempre mais. ainda que pouco, ainda que tarde ou mesmo que triste. era ter-te aqui no esguio dos dedos. um frágil tecer, breve remedeio nesta pele puída.

por onde agora faltam as tuas agulhas. em tantas e todas as vezes que não contarei.

domingo, 1 de dezembro de 2013

partir


partir
de sítios onde inteiros ficámos
por nada mais sabemos fazer.
partir
na sombra de bocados
que de nós entregámos
para nada ter.
partir.

partir, apenas
para dentro de mim.