segunda-feira, 26 de abril de 2010

Quando...

Conheço-lhe o sabor também. O sabor amargo da ausência.

E a vontade enorme de não o sentir. De não mais sentir.
Um ardor no peito sobe até à garganta onde não nascem mais palavras. Aí encerradas num nó que não se desata, sufocam emudecidas.


E não sentir era quanto queria. Sobretudo não desejar. Nunca mais.


Só a semente que faz brotar em mim o desejo o pode fazer cumprir. Ao ser colhido.
Abandonado em secura afunda as raízes peito dentro à procura de alívio nalgum oásis aí plantado.


É no toque suave das tuas mãos que se apazigua E na água que bebo de teus lábios que se sacia.


Não estás. E faz-se dor no grito que embalo para não se ouvir.


Conhecer-te é meu martírio.
Saber que existes e não te tenho tornou-se o meu destino.


Quando o meu desejo for flor, cobrir-te-ei de pétalas, meu amor!

domingo, 25 de abril de 2010

Daquela vez

Daquela vez era só mais uma vez. Não podia ser doutra forma.
E quando ela se afastou de novo, tudo ficou diferente. Não fora mais uma vez mas sim o reacender de velhas memórias e acordar dum sentimento que julgava adormecido. E tudo voltava ao principio.
Com ele era tudo fácil. Como se cada um fosse parte do outro.Um a pergunta, outro a resposta.
Os gestos trocados faziam parte duma dança que coreografavam a dois, em sintonia. O desejo, a melodia que se acendia na troca dum olhar. E uma sofreguidão imensa a fazer-se leito onde corria um rio com ânsias de mar.
Depois falavam de coisas banais e afastavam de si o que os juntava. Faziam-se fortes e escondiam no interior em sobressalto a vontade de permanecer assim por tempos que não eram do tamanho dos que tinham. Queriam-nos maiores e deixavam-nos sufocar num peito que ameaçava tempestade.
A realidade chamava-os e impedia-os de sonhar. De querer mais.
Despediam-se com o peito em brasa e nunca sabiam até quando.
Daquela vez doeu mais a partida. Cravava-se já no desejo a vontade de voltar.
De nunca partir.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Hoje

Há muito que não falo contigo e não é que não me façam falta as conversas de antes.
Deixei-me vaguear pelos sonhos doutros e abandonei-me a isso só. Dir-me-ás que assim fujo de mim. Que me afasto do que é verdadeiramente importante. Mas se o faço é por cansaço.
Neste estar sozinha que escolho viver sobram-me momentos e vontades de o não estar.
Distraio-me dessa contradição vendo pelos olhos e ouvindo pelos ouvidos doutros.
Esqueço-me de mim porque preciso. E tu sabes disso. Talvez assim nessa distância que crio veja mais do que sou. Talvez assim me encontre. Através de quem passa por mim.
Hoje falo-te com a urgência na ponta da vontade. Preciso de retomar ao que sou. Lembras-te tu do que eu era?
Sei... ainda não aprendi tudo o que havia para aprender. Pouco cresci desde o tempo que passou.
E a vida não espera. Acontece mesmo quando faço pausas. Está a acontecer. Agora.
Fico cada vez mais longe de mim... Era perto de ti que queria estar. Se para estar perto for preciso estar longe, estarei!
Sabes? Esta noite quando fechar os olhos quero ver-te.
Espera por mim, então, ao anoitecer.

domingo, 18 de abril de 2010

Sozinha

Ela, assim como ele, não era de pedir. Aceitava o que tinha e achava que nada mais devia querer.
Lembra-se da ultima vez que o convidou para estarem juntos, beberem um café, pôr a conversa em dia. Ouviu-lhe um não sem qualquer explicação. Não mais voltou a insistir.
Deixou que o silêncio se instalasse comodamente entre os dois. Rarearam as mensagens, acabaram-se os telefonemas.

Não é que tivesse saudades dessas coisas. O facto é que até lhe sabia bem esse afastamento. Achara sempre que ele quisera mais do que alguma vez tiveram. Ela não lho podia dar. Oferecia-lhe uma amizade que ele rejeitou. Um convívio saudável e sem obrigações. Ele imaginara outra coisa. Queria mais e sentira-se rejeitado. Afastou-se. Afastaram-se em direcções opostas.

Na verdade, pensava só como se perde, quando se vê um único propósito nas coisas. Sejam elas o que forem. Como quando procuramos chegar a algum sitio e com a pressa perdemos a beleza da caminhada. Chega-se onde se quer, é certo. Sem distracções mas mais pobres. Pelo caminho deixámos o que nunca viremos a descobrir. E não há forma de voltar atrás. Talvez nem haja tal desejo...

Olha à sua volta e observa as crianças que brincam na areia aproveitando conchas e paus que a maré trouxe. Constroem fortes e castelos e são os príncipes e princesas dum reino ali inventado.
E as ondas num vai e vem. Como a vida, pensa ela. Uns dias beija-nos os pés, outros atira-nos ao chão. Como o castelo que a onda agora engoliu. E a pequenada retoma todo o trabalho agora um pouco mais longe não vá o mar querer lambê-lo outra vez.

Retomou também ela a caminhada. Sabia-lhe bem andar sozinha à beira mar.
Sempre lhe soube bem andar sozinha. Parecia-lhe ver mais e melhor.

sábado, 17 de abril de 2010

Os sapatos

Aqueles sapatos magoavam-lhe os pés. Ficavam-lhe apertados e tinha uma vontade enorme de os descalçar. -lo sem dar nas vistas. Descalçou um após outro e deixou-os arrumados debaixo da mesa. Pôs-lhe os pés por cima. Relaxou um pouco. Quando tivesse que os calçar de novo preparar-se-ia para tal. Até lá os seus pés respiravam liberdade.
Tinha-os calçado de propósito para ele. Sabia como ele gostava dos sapatos de salto alto e bem fino. Queria agradar-lhe. Vestira-se de forma simples e discreta. Um vestido preto que já tinha anos no seu roupeiro. Felizmente não sofria muitas oscilações de peso e ele estava lá sempre pronto a ser vestido. Podia contar pelos dedos as vezes que o vestira mas sabia que ele nunca a deixara ficar mal. Uns caracóis rebeldes ladeavam-lhe a face e um brilho sedoso sobressaia deles quando a luz os tocava. Não usava maquilhagem. Nunca o soubera fazer.
Das suas mãos emergiam dedos finos e longos que não paravam. Ele agarrou-lhe a mão como se a quisesse impedir de viajar para longe. Nervosa? Não, sou sempre assim. Não paro quieta. Gosto de movimento. Vamos então andar um pouco? Não fiquemos por aqui. Disse lembrando-se dos sapatos abandonados debaixo da mesa.
Conversaram a tarde inteira de tudo e de coisa nenhuma. Trocaram sonhos e fantasias. Projectos e histórias do dia-a-dia.
Quando o sol dourou o horizonte ainda tinham muito para dizer. Uma aragem mais fresca levantou-se. Calaram-se por uns tempos. Ficaram a olhar quem passava sem saber como acabar.
Queriam que ainda fosse cedo porque as palavras ainda brotavam como flores na Primavera. Até no silêncio.
Um a um, calçou os sapatos que agora parecia servirem-lhe melhor. Sabia que iam ter de se levantar e despedir. -lo sem vontade. Prometeram voltar a ver-se.
Ele ficou a olhá-la enquanto ela se dirigia para o carro. Um salto do sapato prendeu na calçada e quase a desequilibrou. Não tinha reparado nos sapatos que ela levava. Só agora o fazia.

domingo, 11 de abril de 2010

A lágrima


O velho olhava o mar à procura das memórias que o tempo e a doença lhe roubaram. Fixava o olhar vazio num ponto distante e deixava-o aí amarrado como quem pesca e espera.

Atrás dele dois jovens presos no olhar um do outro. Ele deixa viajar a sua mão por dentro da blusa dela e pressente-lhe no mamilo a urgência de mais. Sôfregos procuram na boca um do outro o mar por onde querem navegar. As mãos como remos avançam corpo dentro e conquistam o que há para conquistar.

Quando o velho se vira, vê um casal abraçado como se fossem um só. Uma lágrima solta-se-lhe e rola pela sua face até ao canto do lábio. Sabe-lhe ao sal do seu mar.
São as lembranças que voltam e o seu barco entra mar dentro à força gigantesca dos braços que agora mal pode levantar. Vencidas as ondas, flutua agora quase sereno em direcção ao horizonte. Embora cansado, abate-se sobre ele o prazer de marejar.
Uma vez mais.

sábado, 10 de abril de 2010

Espanta espíritos

Pingavam-lhe das orelhas como espanta espiritos e entoavam preces que se lhes assemelhavam. Eram pequenas conchas que um dia apanhara junto aquele mar. Deixava os pés enterrarem-se suavemente na areia que a água salgada de vez em quando acariiciava. Agora tinha os pés pintalgados de areias finas que lhes davam um brilho peculiar. Abandonou-se a essas pequenas coisas e andou sem destino.
Ele seguia-a de longe. Conhecia-lhe as ausências e os silêncios prolongados. Eram uma fome que ela precisava saciar. De tempos a tempos. Num mundo que só a ela pertencia. De que só ela tinha a chave. Estaria ali para quando ela voltasse. Sabia que ela o faria.
A pouco e pouco as ondas ficaram grandes como só elas sabem ser. Falaram mais alto e acordaram-na finalmente. Deu uma corrida apressada mas não evitou ser apanhada por uma onda mais astuta. Acabou por cair. Procurou-o então em desespero.
Tinha tanto medo daquele mar que amava!
Foi no abraço apertado que se riu abertamente do susto que tinha apanhado. Um riso nervoso mas franco porque se sentia já protegida. Também ele era o seu espanta espíritos.

Fosse como fosse

Andava também por ali de máquina a tiracolo. Como todos os turistas. Tinha parado para se refrescar e notara a sua presença. Estava sozinha, sentada a uma mesa. Aproveitava todos os instantes para fazer fotografia. O seu olhar não parava quieto. Como se não o pudesse fazer. À sua frente a bebida permanecia inteira. Decidiu aproximar-se.
Surpreendeu-a enquanto ela fotografava dois transeuntes apressados carregados de sacos. Posso sentar-me? Perguntou-lhe quase em surdina num inglês imperfeito. Ela anuiu surpresa mas com um sorriso. Juntou a sua bebida à dela e perguntou-lhe de onde era. Descobriram que falavam ambos a mesma lingua e que ambos estavam à descoberta. Espreitaram as fotografias um do outro. Riram-se de coisas sem importância.
Continuaram a viagem acompanhados até o sol se ir embora. Veio a lua e as estrelas também vieram. Não as contaram mas souberam assim que no dia a seguir podiam continuar viagem. O tempo estaria bom. Ditava-o o céu. Só não lhes disse se iriam continuar juntos ou se cada um iria para seu lado.
Quando adormeceram ela tinha-o guardado na sua máquina fotográfica. Ele também.
Fosse como fosse ninguém lhes tiraria o que ambos tinham tido e podiam assim guardar.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A ultima coisa

Da ultima coisa de que se lembrava era do cheiro que andava pelo ar. Um cheiro que lhe recordava a meninice e as idas para a escola. Os muros cobertos de flores lilases libertavam aquele mesmo cheiro adocicado.
Apeteceu-lhe ficar ali sempre. Não lhe doeu a espera que sabia não ia ter resultado. Vagueou por tempos antigos e deixou as horas caírem sem se dar conta. Depois veio-lhe uma súbita vontade de partilhar tudo isso com ele e apercebeu-se da sua ausência. Tinha-lhe dito que não estaria com ela. E -lo.
Levantou-se e voltou ao que prometera a si mesmo fazer. Cumprir os trajectos que traçaram a dois. Entrou no carro, pôs música bem alta e seguiu viagem. Hoje saltaria algumas coisas. Perdera-se demasiado tempo em sonhos. Era preciso voltar ainda cedo a casa.
Não sabe como fez a viagem. Não se lembra do caminho. Só mesmo do odor daquela planta de que não sabia o nome. Apetecia-lhe ter trazido um pequeno ramo. Teria de lá voltar.

Doía-lhe ter estado sozinha. Pior, não ter estado com ele.
Essa sim, foi a ultima coisa que lhe ficou na memória.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Voltar atrás.

Eram já muitos os dias que chorava a sua ausência. Viriam muitos mais. Não secava aquele caudal em que ele se afundava lentamente. Deixava-se ir. Nada lhe fazia ter vontade de voltar à superfície que cada vez ficava mais longe.

Tinha-lhe dedicado todo o seu tempo. Deixara amigos e família. Só tivera olhos para ela. A única razão da sua vida era ela. E agora não a tinha. Escapara-se-lhe duma forma imprevisível e prematura. Sonhara-a para sempre. Como podia agora viver sem a ter a seu lado? Percorrer as mesmas ruas, olhar os mesmos pôr do sol junto aquele mar de que ambos tanto gostavam, não mais seria possível.

Mirrava de tanto chorar. Em contraste com a Primavera que se espreguiçava lá fora o Inverno descia dentro dele. Era um homem velho e quebrado que de vez em quando saía à rua. Parecia carregar a morte dentro de si. O coração, de luto vestido, parecia despedir-se de tão leve bater.

As noites traziam-na viva nas memórias e sentia falta do corpo que tantas vezes abraçara. Ao lado, a cama despida, despedira-se das formas que ela um dia deixara. Nem uma camisola velha para lhe sentir o cheiro... Só a sua falta.
Como queria poder voltar atrás!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O tempo fazia-se tarde

Hoje meu corpo cansado deixou-se ficar abandonado a um sono que não o deixava. Não sei de onde lhe vinha tanto cansaço depois de tanta vontade de não parar. Nem os ruídos habituais o despertavam. Nem os mais irritantes do telémovel abandonado. Nada lhe dava o impulso necessário para sair daquela letargia. Hoje queria só dormir.

Lá fora havia sol. Sentia-o porque dormia sempre de persianas levantadas e a luz entrava sem pedir licença quarto adentro. Era assim que gostava de acordar. Imundada de luz. Hoje, atravessada por ela, deixava-me dormir. Sentia-me afundar na cama e deixava-me ir. Em paz.

Sabia de tanta coisa que tinha para fazer. E deixava-me estar. E o tempo fazia-se tarde.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Para bem longe...

Leva-me para bem longe daqui. Para um lugar onde possa respirar. Rouba-me a este lugar onde já não caibo.
Aqui definho. Faltam-me horizontes por desvendar, sonhos por sonhar.
Morreu parte de mim, a que sabia inspirar e expirar. A que me fazia abrir asas e voar.
Leva-me e ensina-me a fazer tudo de novo.

Ele levou-lhe um dedo à boca e -la calar-se. Estendeu-lhe a mão que agarrou a sua e puxou-a até si. Vem! Vem comigo. Deixa-me fazer-te evadir deste sítio em que te deixaste ficar. Sei de gestos e palavras, sei de lugares e de cheiros que te farão renascer. Abandona-te aos meus cuidados. Mesmo que só por uma vez. Adia a morte que carregas para quando ela vier.

Ele levou-a. Ela foi. O caminho fez-se de passos lentos e ritmados. Mas de ânsias de liberdade.
Mais tarde ambos levantaram voo para lá de tanto peso que finalmente deixou de ser fardo.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Saudade


Uma caixa estreita e comprida abraçava-lhe o corpo agora sem vida. Nem as rendas e os folhos lhe tiravam a frieza que teimávamos em vão aquecer. Parecia-nos impossível tanto frio sair daquele corpo quando estávamos habituados a rosetas como maças vermelhas a brilhar, uma de cada lado da face.
Tentava imaginar que voltava de novo ao ventre de que um dia tinha sido retirada. Desta vez a mãe seria a terra. O útero, aquela caixa onde depositei a sua ultima oração. E várias flores. As de que ela gostava. Um terço: o que ela desfiava noite após noite. E as nossas preces.
Assim alheava-me da sua partida e preparava-me para uma chegada a um lugar qualquer. Um lugar onde ela me esperaria até um dia nos encontrarmos. Porque também eu faria a viagem. E num qualquer ponto de encontro renasceria como ela o faria agora para pormos a conversa em dia.
Talvez a melhor despedida se traduzisse num "até já" sem data marcada e não fossem precisas lágrimas para um adeus assim. E no entanto em desgoverno elas teimavam em cair porque por algum tempo só nas minhas memórias a vou encontrar. É a saudade que vem para ficar.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Partiste


Era a hora da partida que te assustava mais. O desconhecido. Não saber o que havia para além desta vida que conhecias bem demais. Não te assustavam as agruras, pois conviveras com elas. Fizeram de ti a mulher que sonho um dia ser. Forte e destemida. Mas partir desta vida... assustava-te. Por tanto que deixavas e tanto que querias ainda viver.
E afinal foi só um suspiro o que te separou de nós. Um sopro ténue e deixaste-nos. Mas não te vamos esquecer. Nunca e tu decerto o saberás.
Faltar-me-ão as tuas risadas, o teu humor contagiante que eu queria ter herdado de ti. A tua vontade de viver, de mudar as coisas a toda a hora. De fazer cada vez mais e melhor. De tantos planos sempre novos...
Nem o tempo que nos foi negado pela vida fora nos afastou tanto quanto julgavas. Estás em mim. Em tanta pequena coisa! Como só é possível acontecer entre mãe e filha.
Ainda vou a tempo de te dizer uma vez mais? Gosto muito de ti, mãezinha!

E sabes, quando partiste, foi para dentro dos nossos corações. É lá que te sinto. É lá que te vou guardar. Aconchega-te. A tua viagem continua.