terça-feira, 31 de janeiro de 2012

hoje andei pelas ruas

hoje andei pelas ruas que tu perfumaste das cores que vestiste dentro de mim.

vi os teus olhos na maré baixa.
brilhantes, como só eles sabem ser.
peixes de asas como gaivotas num céu de escamas, a brincar.

de pés molhados, tracei na areia, caminhos que em ondas vinhas apagar.

subi ao casario.
perdido, procurava-me. e em todos os lados te encontrava.
no espanto aceso da carícia inesperada, na gargalhada da tropelia, no gesto simples da mão dada.

e o café que arrefece a esperar-te.
(eu sei, tu não prometeste nada.)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

que


que
me vestem as palavras,

dizem.

e nada sabem
de mim.
sou outra quando nelas me
atravesso.
por aí.

não me contam,
não me
sabem.

é de segredos que me cobrem.
manto

im

pe

ne

trá

vel

onde me enterro
na procura do que
sou

domingo, 29 de janeiro de 2012

arco-íris

sabia das cores que os risos pintavam na cara espantada de quem os ouvia. do sol que teimoso aquecia as mãos esquecidas em sombras sem luz. sabia.
e saía à rua com o vestido de flores bordado ainda que o inverno chovesse as últimas ventanias no peito arrepiado e nos lábios houvesse o sabor amargo das palavras pousadas em ausência do beijo que nunca aconteceu.
um pincel com dedos de criança picotou na cidade a margem dos dias onde corria a esperança. foi água das sedes que tinha e flor a fazer-se primavera. há lugares, longe, em que se pode ser arco-íris.

fez-se festa

fez-se festa quando me fui. e dancei ao som dos batuques que ouvi. ao longe. nos meus olhos fechados, a viagem marcada. em paz. as mãos estendidas faziam o caminho que já sabiam. sábias mãos de segredos desvendados as que apertas agora, tu que tanto me esperaste.
eu sempre soube de ti. por isso não houve medos e na lágrima que viste deixei quanto tinha por dizer.

(cuidei que nada faltasse no peito dos que habitei.)

sábado, 28 de janeiro de 2012

num olhar

longe das coisas antigas.
em futuros temperados no fogo lento dos dias, amanhados por estas mãos com vincos que não sei ler. nos desarticulados passos que nada sabem para além de caminhar, resta-me um caminho despido que cubro de ilusões e quedas por não saber parar.

ao ouvido, pendura-se uma melodia a segredar-me a luz com que atravesso a noite de todos os dias. guiam-me estrelas que não conheço e há vozes com línguas estranhas que me levam onde nunca fui a colher os sorrisos com que semeio as planícies onde me espraio.

tenho em mim um amanhã a desvendar-se. e todos os segredos cabem num olhar.

pétala branca


quando tudo madruga em mim tu sempre entardeces. em lugares desencontrados. nos pulsos não temos relógios nem o sol marca na sombra onde se deita o nosso ponto de encontro. porque aqui não chega. vive encostado a outros sítios onde florescem esperanças. para lá correm os rios que nascem dos meus olhos. e deles se alimentam famintos de sonhos que vadios entram nas minhas espreguiçadas vontades. de ti.
é quando me faço peixe entre teus dedos. e um sabor a mar te cai por entre os lábios.
(há uma pétala branca que se parte em cada lágrima. flor de sal a despedir-se. assim te beijo e me vou.)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

tanta noite

tudo acabou no bater da porta.

e nem o vaso onde as flores agora
se plantavam
no lugar em que as minhas palavras
um dia
te espreitaram
te devolvia
ao que restava de mim.

havia um cinzento adormecido em bermas das antigas ruas. a luz perdida em becos estreitos onde gatos pardos vasculhavam o fim das coisas. um fedor agarrado à casca solta de casas tristes. e um violino desafinado a gritar. lembro-me de tropeçar em correrias de ratos por entre casas feitas de cartão. uma fogueira adormecida e a garrafa a meio. tanta noite ainda para durar.

enrolo-me ao que de ti
ficou.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

sei-lhe o nome


sei-lhe o nome,
de há muito.
e trago-a traçada em mim.

percorreu-me já as veias
numa antecipada
viagem,
enlaçou-me
e levou-me na ternura
dum abraço.

por um tempo, deixei-me
ir.

trouxe o sorriso comigo
o mesmo
que ela me deu.

transforma-se agora
num rio

quando num espanto
reparo
nas vozes que a meu lado

emudecem geladas.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

tua outra vez

marcados na pele, os teus passos pequenos que de mão estendida me deste a saber em doce balanço. no vento trouxeste a voz que em mim pôs o riso a falar. de anel em anel vestiste-me os dedos em ternuras bordadas no ninho do teu abraço.
sabia de ti pelas primaveras em bicos de pássaros de asas cansadas. e vestia-me de cor com o perfume da saudade que te tinha. cantavam-me ao ouvido nas noites estreladas as histórias de quando não estavas. e eu deixava que não estivesses para depois ficares. por muito tempo.
fazias então, crescer os dias e eu os frutos que na tua boca mordias. mais tarde, os ventos despiam-me para ti. em tapetes feitos de quanto deixei fazias bailados para me seduzir. era de branco que me cobrias e eu era tua outra vez.

a cada dia

amanhece a luz transparente a poisar no azul que o mar sabe de cor. aprendeu-o nos beijos trocados em tanto céu a rasá-lo todos os dias. enfeitam-no de verde em margens de abraços que anseiam viagens, rios de desejos em que embarco e parto. a cada dia.
em todos os regressos aqui me fico neste pedaço que pinto das mesmas cores em que enterneço os sonhos embalados de maresia com asas de nuvens que o sol escondeu. e deixo-me anoitecer.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

outra segunda feira


dia, de novo anunciado.
acordada no zunir irritante dum telefone esquecido na mesa ao lado da cama onde o meu corpo se esquece, cansado.
dia, de novo anunciado.
despida de vontades no espelho que tapo para não me enfrentar.
dia, de novo anunciado
amarrada a dias iguais, com nomes em gavetas onde se arrumam rotas que cega, percorro. sem ti.
dia, de novo anunciado.
a juntar a muitos, sem memória de quantos. muitos.
a morrer em todos, por te não ter.
encontrando-te em todos. ao fugir de ti.

dia, de novo anunciado

domingo, 22 de janeiro de 2012

sabendo-te estrela


sabendo-te estrela, podia habitar nesta noite
que agora se estende

tecida no vazio
de não saber
de ti.
ergueu-se
fria
despojada do brilho que respiravas,

no último cerrar de olhos.

sabendo-te estrela, podia habitar nesta noite
que agora se estende.

sábado, 21 de janeiro de 2012

porque de ti

bordar um poema na tua pele de céu coberto. ser o sol de todas as manhãs a acariciar-te o sorriso que me abre as tuas portas. dizer-te baixinho no peito onde me aninho as palavras que recolho em trigais dourados onde adormeço os teus sonhos. nos teus lábios tocar-te o fundo do meu corpo.

porque de ti, nunca me fui embora.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

deixar-te


deixar-te guardado num pano bordado pelo traço da voz que ainda me acorda a ternura e desperta o bailado cadente preso nos pés que só sabem dos teus. meus braços sem ar sufocam na falta de te abraçar e falam baixinho coisas que só tu sabes decifrar.
e roda meu corpo, minh’ alma também, ébrios da vontade de não te poisar.

não sabes amor, nunca to direi. eu fico contigo, eu não desertei

personagens principais

são lentos os passos dos dia, sem forças, a levantarem-se em manhãs, de rugas na cara e artrites em joelhos que já não dobram as esquinas da noite na boémia antiga, agora de saudades cheias. afogam-se no mata bicho do café ao largo da espera na miragem da vida a esfumar-se nas corridas de quem passa ausente dos que já não andam. perdem-se os olhos no que já foi, agarrando pedaços que ainda se não perderam para os cozer na manta que os há-de cobrir na noite fria em que todos os amores já se foram. e já gelam tantas vezes as mãos por não haver quem as agarre!
e num coração amarrotado há a história enorme em papéis espalhados que esqueceram o lugar e andam em alvoroço por terem perdido as personagens principais.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

talvez

um laço, uma renda, uma fita de seda. adornos esquecidos numa caixa vazia. um cheiro oco a gritar ausências num amarelo podre a chorar-lhe nas mãos.
nas paredes nuas, os olhos cansados do tempo pasmavam nos seus. mirrados da água que lhos consumia.
gelavam-lhe as veias na falta de tudo quanto a memória alcançava e não tinha ali, os quadros, a escultura antiga, a fotografia, a primeira dos dois, e a velha máquina de escrever. não quis lembrar mais. não podia.
coubesse naquela caixa aquela tristeza e bastaria atar-lhe a fita, fazer-lhe o laço e enfeitá-la com a renda. talvez assim enmbelezada se fizesse alegria. talvez.

vagamundos


num salto de mim
em mim
me fiz
o que procurava
longe,
tão longe onde
não me encontrava
e tanto
me faltou.

e parei extasiada
no vislumbre
de perto demais.

no toque de um gesto
sou
a casa de quem,
vagamundos,
viajou

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Um país

No cimo da avenida estava um país a afundar-se.

Ao lado de chapéus fechados no intervalo das pingas a enxugarem-se no sol os risos e a música dos rádios nas colchas deitadas na relva. E lanches, variados dentro de cestas de palha. Miúdos em correrias a atropelarem bicicletas em ziguezagues mortais. Gente de papo ao ar e livros de costas no chão. Não faltavam namorados nem bancos cheios de velhos. E caminhos com poças de água que todos fingiam ignorar. Fazia sol num dia de não fazer. O tempo era curto para o que tinha que se correr.

Amanhã talvez chovesse e o país fosse ao fundo.

sobras-me


e sobras-me nos dias

mesmo depois
de te ter negado três vezes
em todas as três
que me perguntaram
por ti.

no sorriso
que mascarei
da tristeza vincada
que ficou
no lugar que só de ti
ainda é.
nas horas que cheias
de quem tu
me és
ainda me afundo,
esbracejo.

em querer despir-te
do peito em brasa
que me chove cinzas
nos olhos
que teimam
em não te esquecer.

é tempo que tenho
e não o pedi.

o tempo é lonjura
e eu
perco-me sem ti

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

porque


porque

o livro não é um túmulo
e as palavras
não se vestem de cinza,

amarrá-las
em páginas contidas
por margens,
alinhadas
em filas aprumadas,
sufocando-as
no ofício de se ausentarem
de si,

fá-las no lodo perder
a razão

de habitar a alma de quem
as pariu.

a ilha


espalhar sorrisos em muros plantados. saltar de cimento para lábios de sede adormecidos na ausência da cor em sons que constroem estrelas no firmamento dos dias. um brilho de olhos a correr na lisura dos traços com que te escrevo alegria e te faço caminho de felicidade.
discorrer tranquilo o rio dos dias acordados em mãos trémulas de luz. e no passo inquieto das orelhas fartas de palavras sujas na ementa servida, lavar esta cara ao ténue calor que no teu olhar me serve de abrigo.
nos teus dedos longos de algas vestidos, enlaço os meus em jeito de concha. solto-lhes os segredos, pinto-lhes risos, invento-lhes vozes onde não há palavras. somos a ilha de nós.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

um tempo vazio

um tempo vazio de esperas acabadas. um chão a fazer-se nos pés que não param, ainda. o dia promete na sombra das horas, o tempo das estrelas que dormem do outro lado do mar. e é um corre-corre sempre a esticar. não se lembre o mundo de agora acabar. cala-se a fome e a sede com a merenda aviada, fica a saca mais leve e a passada mais larga. os sonhos virão, ou não.

surpreende a noite um beijo trocado a rasar as ondas em linhas que as cosem às nuvens no céu.

sou de mim


contigo abro a página ainda
em branco
das horas embaciadas
de noites frias.
deitadas, madrugam agora
para se deixar
desenhar
na ponta frágil destes dedos
carregados
do cheiro do teu abraço.

e dispo-te devagarinho
em nota
de rodapé.

meu caminho é vadio,
longe do teu,

sou de mim.

era ainda azul


era ainda azul a cor do céu que cobria o dia. a chuva era melodia e cheiro a subir da terra. os pés pesavam amarrados ainda ao tempo de estar no teu regaço, doce e amargo de te perder.
agarrei-te as mãos, húmidas e frias. tremia o lábio na espera do beijo que te prometia em marés cheias nestes olhos a desabrochar.
teus braços selaram a promessa guardada no envelope do corpo que foi viajar.

domingo, 15 de janeiro de 2012

nada importa


levantar os pés, desatar os olhos, das mãos abrir asas e correr o dia que se fez sem pedir licença. o ponteiro já se fez ao caminho e traçou o itinerário. agora pé ante pé dar as mãos e fazer dos sorrisos a força de o caminhar.
e não importam as nuvens pardas prenhes de tardes a alimentar caudais que fazem no asfalto espelhos onde se ajeitam em segredo. ou as promessas da aragem fresca em rostos a acordar tardios. os cabelos escorridos apanhados no acaso duma chuva insuspeita e as corridas nas risadas.
nada importa, tudo cabe no caminho dum só dia.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

assim é


nas saudades morro, nas vontades, acrescento-me.

e tantas vezes abro os olhos procurando o que partiu para o trazer ao caminho que tenho para fazer. é esperança que construo nesta ânsia de voltar. das lágrimas faço um rio onde me deixo ir devagar ao rumo de sorrisos que não deixo esmorecer. são os marcos que assinalo na passagem do que sou em cada gota de mim que a beber mata sedes nas murchas manhãs. e levanto-as devagarinho nos entorpecidos pés, adormecidos em noites estreladas a vadiar em sonhos de asas cortadas.

nas saudades morro, nas vontades, acrescento-me.

nem os anos





nem os anos acrescento...
a ausência calcifica na memória os traços que ainda agora (e nem o passar dos anos apaga) abracei. e o amor... prossegue a caminhada crescendo de mãos dadas comigo. como se o corpo, até ele, comigo andasse o tempo todo. afinal, nunca nos abandonámos e sempre confidenciámos tudo. mesmo não estando juntos... há tanto tempo.

tenho em mim lugares que vivem deste respirar.

já nada fazia sentido

já nada fazia sentido, embora as horas se somassem tranquilas no relógio que trazia no pulso que agora caía ao ritmo dos passos que ouvia a marcar o silêncio. e nada mais. as palavras estranguladas sumiam-se no peito feitas murros em portas trancadas. eram ecos de uma vida inteira a sobrevoar um corpo tolhido pelo desespero dum fim a chegar.

ele olhava-a e via-a ainda menina. sorvia-lhe dos lábios os sorrisos onde antes colhera metade de si. perdera-a e sem ela, não se encontrava ele também.

ela caminhava serenamente, olhava-o de vez em quando, sorria. cantarolava e pedia-lhe, venha, vamos ver o mar.

da memória que enterrou todo a sua vida morreu. não houve lágrimas, nem velórios. nenhum corpo se fez em cinzas.

deu-lhe a mão, levou-a ao mar.

de memórias feitas


somos de memória feitos. e deixamo-nos nos outros de memória ser. incontornavelmente.
e quando ela se esvai no ralo dum tempo que inexorável ladrão, furtivo, se apropria sem que disso nos demos conta, ou tarde demais esvaídos do fluido já sem nome por não lho sabermos por, apequenamo-nos no tão pouco que afinal nunca deixamos de ser.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

tempestade

a pedra caiu,
linha vertical,
no fundo de um dia
ainda a crescer.
teus olhos de água pasmaram
nos meus,

o fim como um raio
e nada a fazer.

ouvi-te no peito
um leão
rugir
e minhas mãos
sem jeito,
deixaram-se cair.

inúteis que foram
esquecidas
de ti
perdidas em noites
de que me vesti.

e assim


pescar
estrelas no regaço dos teus lábios
e pendurar no peito as esperas que faço
em ti.

caçar
regressos que abraçam cintilantes promessas
neste céu a vestir-nos
a nudez
da inocência que nos habita.

e assim me faço por ti.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

das ruas


das ruas, lembro-me
de todas.
de as calcorrear ao cair dos dias.
de ainda estremunhado as apalpar
pedra a pedra
entre os miados dos bichos
que me atropelavam
os pés.

e o cheiro da roupa lavada
em estendais a vendar-me os olhos
espantados
presos na anca roliça das sopeiras
apressadas.

agarro-me a este estomago
que geme em voltas
parco
do pão em sopas.

longe de casa e de colo
abraço-me
ao fado
que se embala
em guitarras.

fartam-me os presentes


fartam-me os presentes a ofertar fadigas como se pão fosse na boca dos dias. estalam-se as esperas no cair de horas que não trazem nunca a roupa que quero para as adornar. e de preto as visto, como em despedidas. o sorriso é curto para tanto mar.

sei que o sol aquece em dias maiores e há corações de portas abertas a arejar. em casas vazias há sempre lugar para gente sem bolsos que a possam guardar. respiram palavras encostadas ao luar. promessas contidas em bocas de estrelas nos teus olhos a rebentar.

fartam-me os presentes a ofertar fadigas como se pão fosse na boca dos dias.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

mulher

e(s)finge que ainda tem tempo ainda que o tempo lhe descalce os pés. o sol cai-lhe a jeito, abrasa-lhe o peito onde nascem marés. há barcos antigos, cheios de cansaços na espera de atracar onde um dia a doca foi porto seguro e os viu chegar na sede de abraços. ainda. tem luz e tem garra o farol aceso no topo da alma. veste-lhes sossego, acalmia entre rios que em si desaguam, camisas lavadas com o cheiro a pão que o mar amassou.

e a vida não sobra do tanto que é.

em dias assim

na face exposta dos dias o eco some-se em sombras inquietas de corações recortados em papier maché amassado em colas a unir pedaços de gente com palavras acesas de lágrimas e risos. misturas agridoces a pingar dos mesmos rostos que a olhar se estendem nos abraços longos que os futuros negam no primeiro desencontro de lábios. e o sítio onde as palavras deixam de morar cala-se em azedas sílabas que cheiram a papéis rasgados e sabem só de silêncios opacos.

calam-se os olhos e faz-se noite enquanto chove e o papel é pasta em outras mãos a modelar. nada mais. há quem não tenha sangue a correr na casa vazia, abandonada. sobra tinta em pincéis nas mãos dum pintor vadio.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

na pele

corre-me na pele um arrepio
na rota dos teus dedos, flor de seda
a despontar.

escreves com eles ternura
nas colinas deste peito,
onde te ergo um altar.

e no rio onde mergulhas o teu corpo
meu amor,
sou o leito que amansaste

assim que se foi o último
tremor.

há nuvens em terra


na face lambida que a espuma varreu
procuro teus pés para calçar os meus,
dançar a valsinha em mil rodopios
nos braços do vento
como se fossem
teus.

ao peito, um colar de conchas tecido
um vestido de ondas, azul
cor do céu.
gaivotas em bando, acordam meus sonhos
e levam-me as penas para longe
a voar.

há nuvens em terra
onde me adormeço.
e com elas beijo sem que tu o saibas
o tempo que foi e comigo
guardo.

domingo, 8 de janeiro de 2012

ficou ali

ficou ali.
distante, estátua feita de pé
a olhar o mar como se mais nada houvesse.
um tempo parado na ausência
de si.

respirava a compasso da dança
ritmada
das ondas. e só.

era a batida
forte
que o despertava.

mas voltava.

ao mar.
onde queria ficar.
perdido no embalo sem rumo
de andar.

(da terra, as raízes alguém lhas
cortou
e um homem sem pés
não sabe
caminhar)

foi a quinta onda
que o levou
viram-lhe barbatanas
a crescer
e juram até que acenou
um adeus

que fez a onda
rugir

a árvore


levanto os olhos estremunhados e visto a neblina que me cobre bordada de orvalhos frescos temperados no azul de céus a tocar mar. moro no colo desta terra, bebendo o sumo escorreito das manhãs em pérolas que a madrugada beija nas esquinas que o tempo dobra devagarinho. ergo-me na brisa de ventos que me contam histórias de antes, repetidas nos sonhos que em promessas assobia. seco os cabelos caídos entre dedos que os penteiam ao sol que se espreguiça nesta casa acordada.

e olho de pé a terra em que me afundo em ternura.

que não sobrem lágrimas


que não sobrem lágrimas
por chorar
não fiquem contidas em peitos
de dor
por tempos sem conta
com medo da luz
vergonha dos olhos
que as vejam cair ao peso
da onda
na rebentação.

quem cuida os tumultos
quem cala a bravura
quem adormece a ânsia
de tais mares

sem orlas debruadas
em rostos por
navegar?

que não sobrem lágrimas
por chorar.

sábado, 7 de janeiro de 2012

se fores

se um dia em ocasos te perderes
no vermelho fogo dum horizonte em chamas

lembra-te do rio onde mergulhavas
teu corpo inquieto com sede
de mim,
do leito bravio por fim serenado
pelas alvas mãos da semente mãe
no ventre da terra que fundo lavraste.

se fores, sempre fica gravado
em gente um nome

que é teu.

vim


vim para te sossegar de medos e temores
e sei que me foges de não me saberes
do longe que sou em perto me torno
aqui neste toque que temes e anseio

sou de quem te perdeste na noite
que a vida em suspiros falhou
em quem te afogaste na dor da distância
e ainda te vela na mansidão dum abraço
de noites e dias em brando compasso.

deixa que te beije, te guarde e te vele
que a teu lado seja
quem um dia te faltou
e na aragem leve do voo do vento
te sopre as palavras que nunca te disse
e precises de ouvir.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

pé ante pé


pé ante pé visito o silêncio
na véspera
do sono que me ampara
as pálpebras
nos olhos que calo ao som das estrelas
embalo os sonhos que ainda não sei
e prometo
nas dobras dos lençóis que me cobrem
ser a semente de novas colheitas
dos dias
que crescem em orvalhos lunares.

esqueço-me aqui.
para depois ser

outra vez.

voltar


voltar, voltar sempre. esperar que de alguma forma, por alguma magia, inventada, insuspeita, tudo aconteça como se fosse uma promessa cumprida mesmo sem ter sido formulada. apenas um desejo adivinhado. e assim como quem dá um brinquedo a um menino de olhos arregalados e coração aos pulos, deixá-lo rasgar os papéis que o abraçam e descobrir o que lhe faz brilhar os olhos na antecipação. depois... podem as lágrimas cair. nada mais importa. voltar, voltar sempre.

eras

eras a estrela deitada nos meus braços
estendidos
a luz que me incendiava este peito
adormecido

foste flor no meu regaço, pássaro nos meus lábios
a poisar.

eras tanto o que de mim fui e soube por te não ter.

(tão pequena agora sou eu,
tamanho é meu desnorte!)

há no dia de amanhã

há no dia de amanhã um rosto de criança emoldurado de esperança
que ainda tardio se entregará nas mãos castradas
a suspirar o pão no gelo das noites
em que os olhos teimam em escutar nos ventos
a prece do tempo na batida imemorável de corações
cansados.

inocentemente, sem se dar conta
na ponta dum sorriso, na largura dum gesto
a aflorar ternuras onde a pele já não se entrega
a ninguém.

é destapar o segredo sem o pronunciar,
plantá-lo nos dias no fundo dos olhos
e de luz acesa fazer a fogueira de tempos melhores.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

tempo pretérito

tivera em tempos o peito carregado dos sorrisos que ela lhe plantara. terreno árido mas tão cheio de sede que quase se afogara das primeiras vezes. nas golfadas frescas dos claros olhos que nos seus se miravam. e davam as mãos por carreiros que a seguir regavam de ternura.

tivera.

fora um campo de promessas onde rolaram desejos e cresceram sonhos em asas de borboletas. dos casulos onde aninharam segredos e esconderam os medos.

fora.

e acreditara que não precisava de mais nada além dela para lhe roubar os sorrisos e tanto que ela lhe deu.

nada mais.

um tempo contado

um tempo contado no vagar de ponteiros afiados
traz o abismo das voltas de sempre.

mesmo que o sol se apague nas telas
e as cores dos pincéis deixem de existir
há mãos que cansadas, abrem desesperos
nos olhos raiados dum dia a fugir.

é um corropio, um alvoroçar
a tarde da manhã que não chega a acordar.

neblinas



Na neblina das horas abrem-se os olhos que preferem ainda sonhar dias antigos. Mergulhar em sonhos que um dia tive e embalei para os filhos que carreguei dentro de mim. Queria.
Ah pudesse eu voltar a abraçá-los neste ventre já tolhido e dizer-lhes, ainda é cedo e mandar embora tanto papão a ensombrar caminhos onde migalhas de mim deixei!

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

nos dias


não éramos coisa nenhuma ali desamparados
olhando a distância de nós
em sítios quebrados por dores
a crescer dentro de mãos

vazias.

sabíamos das primaveras a fazer-se
dos pássaros nas orlas da madrugada
e as pétalas em roda em canções
de bem querer

plenas.

voou-te o sorriso antigo que em mim guardei
copo de pé alto, fino vidro
de água fresca, rega-nos sede inteira
e florimos num dia para

nascer.

inútil


inútil.

preso nas mãos amarradas
e nos passos cortados
o grito sufoca
surdo.

a palavra
nasce inútil

corta afiada
as entranhas
do ventre fértil
na dor
a parir

futuros
que ninguém
desejou.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

desfeita papoila


desce-lhe surdo,
vermelho
fio.

desfeita papoila
em campo de trigo.

e um rio de fogo
repele
a semente

que no seu leito
colheu.

segredo

importa-te assim que me encoste aqui
ao lento tropeçar das sombras
esquecidas, já
de tantas velas queimadas
em noites
que o teu corpo
no meu
bebia?

deixa que as esconda no quarto
onde murmúrios
acesos nas pérolas
do teu olhar
traçaram na tua pele
caminhos
que ainda agora
percorro
inteiros, todo o tempo.

é em segredo que pinto as tuas mãos
abandonadas de nós
que invento a cor
e dou voz

à boca que beijei

e deixou
de sorrir.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

vidas


o copo olhava-o
na mesa, sem luz,
os olhos fugiam para longe
sem nada esperar.

da boca um gemido
que já não sabia
da palavra
que tudo podia falar.

e um corpo vergado
no fumo pelo ar,
as cinzas
dum homem
sem pernas
para sonhar.

há vidas
que antes de nascer
já foram
a enterrar.

pesada

assim que me fui
senti-a bater,

pesada,

a porta
que antes

se abrira para mim.
voou-me
dum grito
sem asas, o pássaro,
que no ninho
do peito
se abrigara

ferido.

não entra mais gente
mandaste dizer
fechado
no fundo

dum dia a morrer.

domingo, 1 de janeiro de 2012

não, o mar não dorme.

caíam tardes no regaço
da praia
calada agora,
quase adormecida.

embalava-a o mar
com velhas canções,
versos
que bordava
a espuma pelo areal.

e os jovens amantes
levavam no peito
a palavra acesa
dum verso
roubado

não, o mar não dorme.

escreve os sonhos
de gente
que encosta as pestanas
à noite.

para que não
lhes faltem

palavras.

inocente

mirou-se inocente
na cara lavada do dia
que veio
atrás do que foi.

guardava entre os dedos
o espasmo
da dúvida
que o tempo entre tanto
já fizera de si.

o espanto
caiu-lhe dos olhos
abertos, redondos,

o tempo mudara
e tudo era
igual.