quinta-feira, 28 de abril de 2011

Realidade?


Endoidecemos todos um pouco na tentativa surda dalguma lucidez. Atam-nos já a camisa de que não vimos botões nem reconhecemos a frente por nos virar as costas e de braços tolhidos esbracejamos mentalmente. Não cabem já na cabeça tantos movimentos que não são mais que convulsões. É um estado febril a corroer-nos. Acho que deliro. Prefiro que seja assim. Depois quando voltar ao que era tudo estará como sempre pensei que seria acertado. Sócrates? Era só um personagem dos meus loucos devaneios num país que afinal nunca existiu.

terça-feira, 26 de abril de 2011

De súbito, o amor




Enquanto as palavras se trocam e os olhares se cruzam os sorrisos são perfeitos e têm a pontualidade com que nascem os dias e adormecem as noites. Certos, seguros e prontos a emergir tirando lugar a discursos vãos e aliviando a correria sem destino de quem não sabe parar. Sabem, a tostas acabadas de barrar, molhadas no café bem quente a saciar fomes matinais.
Um dia deixam então as palavras de se beijar e sem pensar procuram os olhos outros em que antes se miraram. Sobram silêncios nos ecos dos risos e um vazio enorme onde tudo é pouco para o completar.
E neste menos de tanto, de súbito, o amor!

domingo, 24 de abril de 2011

Ainda


Ele chega sempre todas as manhãs. Entra sem licença pelas janelas abertas como se conhecesse já todos os caminhos. Lambe o silêncio de mansinho e aquece o frio que a noite deixou ficar. E nem assim tudo recomeça.

Ela continua à espera que dentro de si aquela escuridão se ausente. Numa viagem sem retorno. Tenta abrir os braços que lhe caem pesados. Com a luz ali tão perto. Bastava-lhe um abraço e todo aquele torpor desapareceria. Um abraço daquele sol que lhe promete uma vida a renascer.

Já passou o Inverno, outro. E ainda há chuva no seu olhar.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Escrevo-te estas três linhas

Já não tenho memória do tempo que passou. Sei que se foi amontoando entre nós de forma desorganizada. Pedaços deixados aqui e ali sem hora marcada e sem qualquer aviso deixaram-nos perdidos de nós em espaços que não conseguimos já vislumbrar.
De tempos a tempos, uma palavra, um gesto até mesmo um cheiro me fazem regressar a um sítio em penumbras que tento descobrir. Ausento-me do que faço e parto à procura do que deixei para trás. Como se precisasse de refazer rotas no mapa amarelecido que acabo de descobrir.
Faço então, notas. Curtas, sintéticas. Percorro passo a passo os caminhos doutros tempos.
Resumo em poucas linhas tanto que ficou para trás. Uma página apenas. Uma vida numa página.
Amarroto-a. Assim como as memórias que dela tenho. Prefiro-a assim a sabê-la tão pouca.

Terei do que vivemos o que mais importante for. O que nos gestos e nas palavras ficar. Agora sei porque não sou como era. Porque me fiz como sou. Porque serei outra ainda. É tudo quanto importa de quanto não me lembro.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Tantas vezes

Tantas vezes falamos por falar, dizemos por dizer. Somos autómatos, mesmo a sentir. Na pressa duma vida que afinal deixamos fugir, esquecemo-nos de nós na trivialidade das coisas ditas de cor. Assim sem as ouvirmos, sequer. Eu sei. Tu também. Agora que aqui estou, olha-me nos olhos e repete-me o que dentro de ti ecoa. Não deixes que só o suspeite ou adivinhe. Inscreve-mo ao ouvido. É para isso que existo. Para ouvir o que escondes nas pregas desse sorriso emprestado à pressa.
Espero por ti. Não me vou sem que desembrulhes o silêncio que cala tanto que tens para dizer.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Esta voz


Não te quero. Não quero ninguém.
E quero o mundo inteiro a toda a hora. E muito mais.

Não sou tua. Nem de outros. Nunca.

Sou desta fome que me assola e nada contenta.
Desta sede que me deixa tonta e nenhum rio satisfaz.

Tenho nas minhas mãos a vontade do longe e nos braços a força de o alcançar.
Nos meus olhos a esperança que o sorriso sustenta.

Só a morte calará esta voz que acalento.

Para que então descanse.

Pedras



não as carrego comigo. recuso-me. pouso-as tranquilas. estancam agora tanta coisa que só ali pertence. o resto está junto a mim. fluído. sedento. voraz!

Sinais



Sei dos sinais, pressinto-os, murmuram-me baixinho coisas que não quero suspeitar. desvio os olhos. finjo-me surda. caminho sem tactear na escuridão em que me acomodo. se me acordares, amor, que valha a pena.

Sufoco


é um aperto o que sinto entre o que quero e não quero. o que tenho e não tenho. entre falar e calar. e aqui fico em sufoco, presa entre o sim e o não até de tudo me apartar.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Liso, muito liso


Estendi na cama aqueles lençóis que há muito guardava. Têm o cheiro do rosmaninho colhido nos campos. (Lembras-te quanto gostavas do lilás e verde em canteiros inesperados nas incursões que fazíamos pinhal adentro?) Vagarosamente estendi cada pedaço para que nada lhes perturbasse a lisura.
Prolongo-me no tempo para diminuir a espera. Só.
Em tudo quanto faço me estendo, eu sei. Como se assim me aproximasse mais do que me fica longe.

E sem nada pedir. Nem o teu regresso procurar. Por onde vou só existe o que está para amanhecer.

Um dia colherei rosmaninho no teu corpo e tu em mim como se fôssemos pinhal adentro e deixaremos que o seu cheiro nos embriague. Não fará mal. Teremos sempre esta cama, estes lençóis e o tempo que estendermos nela. Liso, muito liso, para que nada o perturbe.

sábado, 2 de abril de 2011

não

não me guardes para as tuas memórias. guarda-me antes agora no tempo que pode ainda ser nosso. agarra a mão que te estendo. dá-me o ombro que te peço. hoje!

não há outros tempos para nós, meu amor.

vejo teus olhos perdidos, as palavras soltas em debandada e a correria desajeitada pelos lugares que temos ainda por fazer. uma pressa desmedida de quem nada pode deixar por fazer.

e um abraço a pedir colo no teu peito em sobressalto.

sossega, agora, comigo. deixa o tempo respirar pausadamente. que nos beije a pele deixando-lhe a sua marca sem que o pressintas. vê-me com o olhar fresco das manhãs, mesmo que às vezes orvalhado, e entardece na minha companhia.

assim não precisarás de me lembrar. porque sempre lá estarei.