domingo, 29 de maio de 2011

Para que nunca


Naquele instante sentiu o barulho áspero de papel a rasgar-se inutilmente dentro de si. Inutilmente. De nada lhe servira a existência de tal testemunho. Nunca e para sempre. Baixou os olhos, agora fechados. Pedaços indecifráveis, agora como estilhaços, guinavam em todas as direcções dando golpadas de luz.

Como quando era criança. Empoleirada na laranjeira mais alta do quintal, encostada a um ramo mais forte, protegida por outros ainda, deixava-se estar até não aguentar as picadas das formigas que lhe subiam pelas pernas lambuzadas pelo sumo das laranjas que entretanto comia. Esquecida do tempo. Esquecida de todos, ali ficava até ao cair da noite pela fresquinha quando o sol se cruzava com a lua e ela lançava foguetes, carregando sem piedade nos olhos fechados com os polegares até todas as cores se juntarem à festa.

Fora criança, sim. E prometera que um dia quando num papel ela fosse mãe, nunca ele se rasgaria no peito de quem ela o fosse.

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