sábado, 17 de abril de 2010

Os sapatos

Aqueles sapatos magoavam-lhe os pés. Ficavam-lhe apertados e tinha uma vontade enorme de os descalçar. -lo sem dar nas vistas. Descalçou um após outro e deixou-os arrumados debaixo da mesa. Pôs-lhe os pés por cima. Relaxou um pouco. Quando tivesse que os calçar de novo preparar-se-ia para tal. Até lá os seus pés respiravam liberdade.
Tinha-os calçado de propósito para ele. Sabia como ele gostava dos sapatos de salto alto e bem fino. Queria agradar-lhe. Vestira-se de forma simples e discreta. Um vestido preto que já tinha anos no seu roupeiro. Felizmente não sofria muitas oscilações de peso e ele estava lá sempre pronto a ser vestido. Podia contar pelos dedos as vezes que o vestira mas sabia que ele nunca a deixara ficar mal. Uns caracóis rebeldes ladeavam-lhe a face e um brilho sedoso sobressaia deles quando a luz os tocava. Não usava maquilhagem. Nunca o soubera fazer.
Das suas mãos emergiam dedos finos e longos que não paravam. Ele agarrou-lhe a mão como se a quisesse impedir de viajar para longe. Nervosa? Não, sou sempre assim. Não paro quieta. Gosto de movimento. Vamos então andar um pouco? Não fiquemos por aqui. Disse lembrando-se dos sapatos abandonados debaixo da mesa.
Conversaram a tarde inteira de tudo e de coisa nenhuma. Trocaram sonhos e fantasias. Projectos e histórias do dia-a-dia.
Quando o sol dourou o horizonte ainda tinham muito para dizer. Uma aragem mais fresca levantou-se. Calaram-se por uns tempos. Ficaram a olhar quem passava sem saber como acabar.
Queriam que ainda fosse cedo porque as palavras ainda brotavam como flores na Primavera. Até no silêncio.
Um a um, calçou os sapatos que agora parecia servirem-lhe melhor. Sabia que iam ter de se levantar e despedir. -lo sem vontade. Prometeram voltar a ver-se.
Ele ficou a olhá-la enquanto ela se dirigia para o carro. Um salto do sapato prendeu na calçada e quase a desequilibrou. Não tinha reparado nos sapatos que ela levava. Só agora o fazia.

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