sábado, 10 de abril de 2010

Espanta espíritos

Pingavam-lhe das orelhas como espanta espiritos e entoavam preces que se lhes assemelhavam. Eram pequenas conchas que um dia apanhara junto aquele mar. Deixava os pés enterrarem-se suavemente na areia que a água salgada de vez em quando acariiciava. Agora tinha os pés pintalgados de areias finas que lhes davam um brilho peculiar. Abandonou-se a essas pequenas coisas e andou sem destino.
Ele seguia-a de longe. Conhecia-lhe as ausências e os silêncios prolongados. Eram uma fome que ela precisava saciar. De tempos a tempos. Num mundo que só a ela pertencia. De que só ela tinha a chave. Estaria ali para quando ela voltasse. Sabia que ela o faria.
A pouco e pouco as ondas ficaram grandes como só elas sabem ser. Falaram mais alto e acordaram-na finalmente. Deu uma corrida apressada mas não evitou ser apanhada por uma onda mais astuta. Acabou por cair. Procurou-o então em desespero.
Tinha tanto medo daquele mar que amava!
Foi no abraço apertado que se riu abertamente do susto que tinha apanhado. Um riso nervoso mas franco porque se sentia já protegida. Também ele era o seu espanta espíritos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário