quinta-feira, 4 de março de 2010

O chapéu

O chapéu de feltro com abas largas não deixava ver-lhe o rosto.
Encostado ao umbral da porta parecia agarrar-se a qualquer réstia duma qualquer vida que também ela parecia não se deixar vislumbrar. Se aquela parede não existisse ele cairia por terra. Era a sua coluna vertebral. O que ainda o sustinha erecto. Nada mais lhe dava motivo para assim estar.
Quem o pudesse observar podia ver uma gota de água a deslizar sem entraves por entre as rugas já acentuadas junto à boca. Demorava-se aí um pouco, como que para saciar a sede da dor que se adivinhava na curva descaída dos lábios.
Ninguém o ousava olhar.
Desviavam o olhar na impotência de nada poder fazer.
E ele afundava-se por ele dentro, feito mar, feito onda, desfazendo-se contra aquele umbral daquela porta, debaixo das abas daquele chapéu que o escondiam...
E todos, testemunhas, se recusaram a sê-lo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário